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Meu objetivo, neste item, é analisar as diferentes formas da poética hebraica usadas para articular a linguagem deste texto. Buscarei estar atenta para perceber a relação entre os recursos literários utilizados e o conteúdo que esta cuidadosa escolha comunica. Segundo Norman K. Gottwald, “os cânticos hebraicos são compostos de frases ou linhas que se dividem em dois (às vezes três) membros ou cláusulas”308.

O poema de Pr 31,10-31 tem uma estrutura muito regular, com versos de duas partes. Somente o v.15 quebra esta cadência. Talvez seja uma glosa, acrescentada com a finalidade de criar um enlace com Pr 30,8, onde se encontra a expressão “minha porção de pão”

yQixU ~x,l,

lehem huqi. Em 31,15, o termo

qxe

heq também está relacionado

com “alimento” ou “sustento”

@r,j,

terep. No entanto, não é possível fazer neste item

uma análise sobre ligação entre o capítulo 30 e o 31.

Olhando o cap.31 de Provérbios como um todo, vemos que ele é formado por dois poemas sapienciais com função didática, que possuem uma seqüência temática. Embora unidos pelo enfoque temático da mulher sábia e forte, os dois poemas têm estilos diferentes, pois o segundo foi elaborado como um acróstico. Este é um aspecto que demonstra a variedade e a riqueza da poesia hebraica. A esse respeito, Josef Schreiner faz o seguinte comentário: “se a sabedoria é o esforço e a arte de configurar a vida de maneira acertada e feliz, as formas de locução sapiencial pertencem àquelas maneiras de falar e àquelas afirmações formais que pretendem alcançar este fim”309.

O v.1 é uma introdução ou cabeçalho, com a função de apresentar o discurso de uma mulher sábia. No v.2, encontramos repetida três vezes a expressão “como, meu filho?”

yrIBe-hm;

mah-beri, formada por uma partícula exclamativa e a palavra filho, em

aramaico. Esta repetição é um recurso retórico que chama a atenção para a personagem principal deste poema (31,1-9), a sábia mãe do rei Lemuel. Há um paralelismo sintético no v.3, formado pela dupla admoestação da mãe:

Não dês às mulheres tua força, nem teus caminhos ao que corrompe reis (v.3).

Nos v.4-7, encontram-se nove frases que formam uma estrofe seqüencial sobre o uso da bebida. Há repetições de frases inteiras, nesta estrofe. Aliás, esta é uma característica da poesia hebraica. No v.4, a frase “não é próprio do rei beber vinho” está repetida literalmente e uma terceira frase é formada como um adendo ou soma do mesmo conteúdo: “nem dos governantes gostar de licor”. Com estas três frases se acumulou um significado de negação ao uso do vinho. No v.5, duas frases explicam a razão desta abstinência: “porque ao beber se esquecem das leis e não atendem ao direito dos pobres”. Aqui também forma-se um verso em duas partes, através da repetição do sentido. Os v.6-7 apresentam

309 Joséf Schreiner, “Formas y géneros literarios en el Antiguo Testamento”, em Introducción a los Métodos

uma fina ironia, através de 4 frases seguidas, indicando que a bebida deve ser dada aos que sofrem, para que se esqueçam de suas penas. As frases que formam esta estrofe já se encontravam, certamente, em uma tradição oral ou escrita, pois fazer recomendações sobre o uso da bebida, parece ter sido uma atividade muito comum (Pr 4,17; 20,1; 23,29-35). Observo que esta estrofe de 31,4-7 possui um estilo bastante elaborado, em relação às outras citações do livro dos Provérbios sobre este tema da orientação sobre a bebida.

Nos v.8-9 encontra-se repetida duas vezes a expressão “abre tua boca”, iniciando frases que se complementam:

Abre tua boca pelos mudos,

na causa de todos os filhos de abandono.

Abre tua boca, julga com justiça ao pobre e ao necessitado.

Aqui, estamos diante de um paralelismo trinário. A forma mais simples e elementar da poesia hebraica é a repetição, formando às vezes paralelismos. Mas, não é uma forma rígida. O paralelismo se enquadra não somente no panorama histórico de onde nasce o texto, nem somente no panorama literário, mas, sobretudo na ação mesma da linguagem, como observa Luis Alonso Schökel.310 Por ser muito usado na poética hebraica, supõe-se que o paralelismo tenha sido muito comum no ato da linguagem, sobretudo quando se deseja comunicar algo que merece ser memorizado.

O segundo poema (v.10-31) está elaborado em forma de acróstico, já que cada palavra que inicia um verso traz uma letra do alfabeto hebraico em ordem crescente.

O v.10 torna-se chamativo porque usa dois recursos literários, fazendo uma

pergunta retórica e uma comparação:

Quem encontrará a mulher de força? Pois seu valor é maior do que pérolas.

Conjugando pergunta e comparação o poeta alcança seu objetivo, que é a apresentação de uma nova personagem, de algum modo ligada à primeira, porque é mulher sábia (v.26) e mãe (v.29). Porém é outra, já que está sendo apresentada como esposa amada (v.11-12.23), mais valiosa que pérolas (v.10).

Os v.11-31 estão organizados em forma de repetições binárias, com exceção do v.15, que rompe esta seqüência introduzindo uma terna. Ao buscar uma classificação destas repetições, encontramos que o estilo mais comum neste poema é o sinonímico, que mantém o mesmo tema com diferentes palavras. O poeta usa verbos e adjetivos semelhantes, com a finalidade de mostrar as qualidades desta mulher que está apresentando. Por exemplo, há

repetição sinonímica nos v.11-12, articulados em três frases com a finalidade de mostrar a

importância que tem esta mulher para seu marido.

Confia nela o coração de seu marido e não lhe faltam lucros.

Ela lhe proporciona bem e não mal todos os dias de sua vida.

Termos como “confiança” e “coração” desvelam algo da subjetividade do poeta, mostrando que esta mulher é altamente significativa para ele. Há também termos que descrevem os ganhos materiais (lucros) que ela lhe proporciona. Também poderíamo s classificar esta comparação como sintética, já que todos os termos são usados para indicar o bem estar contínuo que a relação com esta mulher traz ao seu marido.

Um outro bloco de comparações sinonímicas está formado pelos v.13-20. São nove versos articulados pelo tema da competência desta mulher no trabalho e nos negócios. Os dois últimos versos deste bloco foram elaborados em forma de quiasmo, mostrando que os dois são inseparáveis. Embora o quiasmo pertença mais à estrutura que ao gênero, trago aqui este exemplo, pois ele tem grande importância dentro do poema. Apesar de formar um bloco temático com os v.13-20, o poeta dá autonomia a cada verso, criando dentro dele um sentido próprio, a partir de comparação sinonímica e sintética. Mas, ao fechar o blo co, o

poeta enlaça dois versos, formando um quiasmo que impede a separação dos dois últimos versos, ao mesmo tempo em que gera um novo significado. Este é o caso dos v.19 e 20:

Abre suas mãos ao fuso

e suas palmas sustentam a roca. Sua palma estende ao pobre e abre sua mão ao necessitado.

O quiasmo é formado pela repetição de mãos e palmas, no v.19 e palma e mão no v.20, formando o desenho AB B’A’. Há, também, um enlace formado pelos verbos: “abre”

hx'L.vi

xilhah, “sustentam”

Wkm.T

' tamku, “estende”

hv'r>P'

parxah, “abre”

hx'L.vI

xilhah que mostram o movimento das mãos. No v.19, as mãos se movimentam

para o trabalho e no v.20 elas se movimentam para a partilha. Desta maneira, o recurso literário usado pelo poeta trouxe um novo significado a todos os outros versos desta estrofe (v.13-20), que descreve de maneira extremamente bela o trabalho desta mulher. Ela não é somente uma trabalhadora competente (v.13 e 15) e grande administradora (v.14), capaz de examinar com cuidado o terreno que deseja comprar para plantar uma vinha (v.16). Decidida, ela assume conscientemente o seu trabalho (v.17-18), não apenas para garantir o bem estar de sua família, mas para fazer-se solidária com os pobres e necessitados (v.19- 20).

Com o movimento das mãos, o poeta indica que esta mulher se abre a uma realidade desafiadora, onde a justiça e o direito estão ausentes. Ela não está fechada à sua grande casa; seu espaço de atuação não se circunscreve ao ambiente privado de sua família e amigos. Mas, está atenta à problemática situação social do seu entorno e se faz solidária com esta situação.

Todos os versos de 21 a 29 seguem formatação, iniciados com uma consoante do alfabeto hebraico e formando comparações sinonímicas ou sintéticas, que tecem o perfil da mulher de luta. Alguns versos chamam a atenção pela novidade que expressam. É o caso dos v.25 e 26, por exemplo. O v.25 usa uma metáfora:

Está vestida de força e dignidade e sorri para o futuro.

Com este recurso da metáfora, construída a partir do verbo “vestir”311, o poeta acrescenta qualidades à mulher, deixando que seus leitores ou leitoras descubram o que isto significa. O efeito do uso desta metáfora nos ouvintes pode ser a lembrança deste verso em outro lugar (Sl 104,1), onde se diz que “Javé está vestido de força e dignidade”, o que poderia sugerir uma proximidade desta mulher com Javé.

O v.26 faz um paralelo entre “sabedoria”

hm'k.x'

hokmah e “bondade”

ds,x,

hesed. Este paralelo nos leva a perceber que além de ser sábia e de agir com bom senso,

esta mulher de Pr 31,10-31 tem, também, a função de ensinar e está muito próxima da sabedoria mulher de Pr 1-9.

Os v.28 e 29 trazem o louvor dos filhos e do marido, seguindo o mesmo estilo de

comparação binária e sinonímica.

No v.30, encontra-se uma comparação antitética, iniciada por uma frase de conteúdo negativo e complementada por duas frases de conteúdo positivo. Mas, o que chama a atenção, não é somente a mudança de estilo literário, pois isto é muito comum na poesia hebraica. O que surpreende é, sobretudo, a mudança do conteúdo.

A mentira da graça (é) o vazio da beleza. A mulher do temor de Javé,

ela é louvada.

311 O verbo “vestir”

vb;l'

labax está no qal perfeito com sufixo feminino: “está vestida”

Hv'Wbl.

lebuxah. No cap.31, este verbo aparece nos v.22 e 25 com a mesma forma e pessoa.

Ao introduzir a tema da caducidade da beleza e da importância do temor de Javé, através desta comparação antitética, a seqüência do poema foi quebrada. Havia uma certa progressão nos temas, que era observada pelo poeta, apesar do esforço para manter a forma acróstica. Nos v.10-27, foram apresentadas as diferentes qualidades da mulher forte e sábia. Nos v.28-29, o poeta começa a apresentar os louvores que lhe dão seus filhos e seu marido. Um louvor que continua no v.31, ao convidar a assembléia para louvá- la nas portas da cidade, por tudo o que ela é e realiza. Este louvor foi interrompido pelo v.30, dando a impressão de que não fazia parte originalmente do poema.312

Concluindo, podemos dizer que o poeta utilizou recursos literários muito simples para elaborar cuidadosamente este poema, com a finalidade de mostrar um retrato da mulher da vida real. Podemos presumir que esta mulher poderia estar ligada à vida do poeta, já que por trás da beleza deste poema pode ser encontrada a grata experiência de um homem, cuja existência foi definitivamente marcada pela relação com uma mulher que lhe tocou profundamente o coração (v.11).

3.4 – O contexto

Ao analisar o contexto do cap.31, quero ressaltar que as duas personagens principais atuam em dois espaços diferentes. Uma é a mãe de um rei, que tem a função de mãe e conselheira, e atua em um palácio. A outra mulher é uma esposa e mãe, que atua a partir da casa. Estes dois contextos estão por trás de Pr 31. Mas, será que a sábia atuação destas mulheres se limita ao espaço interno de palácio e casa? A que ambiente de vida estes poemas da mulher sábia (31,1-9) e sobre a mulher de luta (31,10-31) estavam ligados? É possível situar estes textos dentro da história do povo bíblico?

312 No item anterior, sobre a estrutura de Pr 31, nos referimos à possibilidade de que o v.30 seja um adendo posterior ao ato poético, introduzido no texto pelos editores do livro dos Provérbios.

Estas perguntas orientam minha pesquisa. No item 3.4.1, buscarei encontrar a época de Pr 1-9 e 31, com a possibilidade de que estas duas seções formem uma moldura conclusiva para todo o livro dos Provérbios. No item 3.4.2, situarei estes textos na história, buscando descobrir a conjuntura internacional e nacional que estão por trás desta elaboração poética. No item 3.4.3, investigarei sobre a ocasião e o ambiente de onde surgiram estes textos e buscarei descobrir a sua intencionalidade no item 3.4.4. Finalmente, tratarei de identificar o chão e as raízes do texto no item 3.4.5, porque o que verdadeiramente me interessa nesta pesquisa é dar voz a estes textos, colocando-os no chão da vida, para que possamos entrar em diálogo com eles.

3.4.1 – A época

A busca de ir do texto aos seus contextos exige que escutemos as diferentes vozes e as diferentes reações a mudanças culturais, políticas, sociais e religiosas que ocorreram em uma determinada época. Mas, qual teria sido a época de Pr 31,1-31? Com a ajuda de alguns autores e autoras313, situamos a primeira seção do livro dos Provérbios (1-9) no final da época persa. Quanto ao cap.31 de Provérbios, consideramo-lo como uma moldura para todo livro, ligada diretamente com a primeira seção de Provérbios (1-9) e situado na mesma época: o final do império persa.314 Há muitos argumentos para esta ligação entre a primeira e a última seção do livro dos Provérbios. No cap.4 desta pesquisa, buscarei fundamentar com mais detalhes esta ligação.

Para esta finalidade de buscar o contexto social de Pr 31, assinalo a relação entre a

sabedoria mulher apresentada nos poemas de Pr 1,20-23; 8 e 9 com a mulher sábia e forte

de Pr 31,1-31. O vínculo entre as duas forma um inclusio para todo o livro dos Provérbios, propondo uma nova ótica para sua leitura, sobretudo para uma visão da mulher.

313 Entre estes autores e autoras, cito Teodorico Ballarini, Introdução à Bíblia – Os livros poéticos, p.30: Claudia V. Camp, Wisdom and femine in the book of Proverbs, p.234; Gerhard von Rad, La sabiduría en

Israel – Los sapienciales, lo sapiencial, p.21: Luis Alonso Schökel, Sapienciales I Provérbios, p.105.

3.4.2 – Situando na história

Um dado da história antiga pode ajudar-nos a perceber a conjuntura internacional que influenciou a vida de Judá no pós-exílio, de modo especial no período persa. Rudi Tünermann afirma que, “com a queda do reino da Lídia (547 a.C.), estabeleceu-se um relacionamento direto entre persas e gregos que não mais iria ser interrompido até o final do império persa em 333 a.C.”315. Certamente, o relacionamento entre persas e gregos não

se limitava ao nível do comércio e das guerras, mas possibilitava novos debates filosóficos que exigiam uma nova ordem social. “Muito cedo, os judeus tiveram contato com as posturas filosófico- intelectuais diametralmente opostas dos gregos e persas, e eles precisaram confrontar-se com ambas”, comenta Antonius H. J. Gunneweg.316 A influência egípcia também exigiu discernimento e reflexão. Não resta dúvida de que há influência egípcia no livro dos Provérbios além daquelas que constam da terceira seção do livro, intitulada coleção dos sábios (22,17-24,22) e que possui uma grande semelhança com as “máximas de Amenemope”, escritas no Egito entre os séculos 12 e 13 a.C.317. Marcelo Ghelman observa que “as escavações de Elefantina demonstraram que os colonos judaicos do sul do Egito liam os ‘Provérbios de Ajiqar’, procedentes sem dúvida de um ambiente cultural não judaico”318. As descobertas arqueológicas de Khirbet el-Qon e Kuntillet ‘Agrud,319 ao sul de Judá, demonstram a ligação de judaítas da Samaria com o Egito. O tell citado nesta pesquisa arqueológica aponta para a possibilidade de que houvesse neste local,320 por volta do século 7 a.C., uma estalagem no caminho entre os dois países.

Desde a época do exílio, o povo judaíta toma consciência de que, apesar de todos os desastres e desafios da complicada conjuntura histórica, social, religiosa e política em que

315 Rudi Tünermann, As reformas de Neemias, São Leopoldo/São Paulo: Sinodal e Paulus, 2001, p.13. 316 Antonius H. J. Gunneweg, História de Israel – Dos primórdios até Bar Kochba e de Theodor Herzl até

nossos dias, p.227.

317 Veja Alviero Nicacci, A casa da sabedoria – Vozes e rostos da sabedoria bíblica, p.50s. 318 Marcelo Ghelman, Literatura de sabedoria e outras formas literárias, em

http://www.tryte.com.br/judaismo/colecao/br/livro7/17cap2-7.htm, em 14.05.06 às 8:16h.

319 Judith Hadley, “Yahweh and ‘his Asherah’ – Archaeological and textual evidence for the cult of the Goddess”, p.240. Ver também Judith Hadley, “From Goddes to literary construct – The transformation to asherah into hokmah”, em Reading the Bible – Aproches, methods and strategies, editado por Athalya Brenner e Carole Fontaine, Sheffield: Sheffield Academic Press, 1977, p.393-396.

vivem, eles estão totalmente vinculados ao seu passado e reagem a estas situações novas de acordo co m suas tendências, porém sempre a partir de sua tradição histórica. Carlos Mesters apresenta quatro pontos que caracterizam esta nova consciência: 1. consciência de continuidade histórica; 2. relativização do passado em função do valor absoluto possuído no presente; 3. preocupação de mostrar modelos de ação que provoquem a caminhada do povo para o futuro; 4. desejo de ser fiel, apesar de todas as resistências e dificuldades encontradas no caminho.321

3.4.3 – Uma definição do ambiente

Dando continuidade ao esforço de contextualização, podemos afirmar que Pr 1-9 e 31 foram elaborados no final da época persa, tendo como ambiente principal a casa, ou mais claramente, a família estendida. Silvia Schroer afirma que “a queda da monarquia e a destruição do templo de Jerusalém sacudiram maciçamente a ordem patriarcal estabelecida e, neste sentido, as mulheres tiveram novas chances, porque os padrões tradicionais de funções sociais e os sistemas da fé já não tiveram autoridade automática. De repente, a religiosidade de Israel estava ligada fortemente à família e ao clã, como na época pré- estatal.”322

Portanto, identificamos a casa ou o clã como a fonte principal destes poemas que formam a moldura do livro dos Provérbios. Há vozes diferentes sobre este tema, que já foram registradas no 1º capítulo desta tese. Neste item, menciono apenas alguns autores, com a finalidade de chegar a uma conclusão sobre o contexto destes poemas que estou analisando. Norman K. Gottwald apresenta um gráfico para demonstrar os ambientes onde surge a sabedoria bíblica. Mostra que a sabedoria é gerada em três ambientes sócio - históricos: 1. há uma “sabedoria de clãs” que percorre toda a história de Israel, desde a época pré-monárquica até o exílio e a restauração; 2. a sabedoria real começa com a monarquia unida e continua no pós-exílio com os escribas do governo colonial judaítico; 3.

321 Carlos Mesters, Por trás das palavras, Petrópolis: Vozes, 7ª edição, 1993, p.104.

322 Silvia Schroer, “A caminho para uma reconstrução feminista da história de Israel”, em Feministissche

os escribas deuteronômicos começam com a monarquia davídica e continuam depois do exílio como escribas da torah.323 Embora reconheça que há sérios obstáculos para seguir o rumo que a sabedoria tomou no período pós-exílico, Norman Gottwald deixa clara esta possibilidade de que a casa, ou seja, a família estendida seja o ambiente principal da elaboração destes poemas.

Leo Perdue enfatiza o ambiente das escolas de sábios como o contexto da elaboração de Pr 31, com a finalidade de oferecer um material para que seus discípulos pudessem escolher a mulher ideal. 324 Admito que um sábio tenha escrito este poema, como afirmam Luis Alonso Schökel e José Vílchez Líndez.325 Porém, não com a finalidade de ensinar ou de passar adiante um ideal de mulher, mas para expressar sua própria experiência de vida, marcada pela relação com uma mulher que ama e admira e da qual recebeu até mesmo a honra e o reconhecimento dos anciãos na porta da cidade. Talvez este poema tenha sido utilizado nas escolas de sábios, sendo depois incluído no livro dos Provérbios, com a adição do v.30. Mas, ao descrever poeticamente esta mulher do presente, o poeta tem em mente as mulheres sábias e fortes que contribuíram para a construção da história do seu povo, partindo de sua própria experiência e observação.

3.4.4 – A intenção

Há uma observação interessante de Silvia Schroer sobre a intencionalidade deste poema, em que cita Pnina Navé Levinson para afirmar que não corresponde à intenção do poema fazer um elogio do ideal contemporâneo cristão e burguês do casamento e um elogio da dona de casa cheia de virtudes, empenhada, co-responsável, que dia e noite está aí, para