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O cap.9 de Provérbios fecha a primeira seção do livro (1-9), apresentando uma simbologia bastante complexa. Para analisar este texto, realizarei os mesmos passos exegéticos das unidades literárias anteriores. No item 2.3.1 farei a tradução do texto hebraico. Em seguida, no item 2.3.2, farei uma comparação com a versão dos LXX, com o

204 É com este sentido que mantive o sentido literal do hebraico e da Septuaginta: “Javé me criou no princípio do seu caminho”, por entender que o verbo criar faz parte do campo semântico desta perícope, onde se apresenta o universo sendo criado como um trabalho artesão, trabalho criativo e artístico, realizado pela

objetivo de perceber como a comunidade judaica de Alexandria interpretou este texto, no contexto egípcio do século 3 a.C. No item 2.3.3, buscarei encontrar a delimitação e a divisão estrutural do texto. O seu gênero literário será observado no item 2.3.4 e no item 2.3.5 recolherei os aspectos que possibilitam perceber a visão da sabedoria mulher apresentada neste texto.

2.3.1 – Tradução e crítica textual

1 A sabedoria205 construiu sua casa206, lavrou sete207 colunas

2 abateu208 seus animais,

misturou seu vinho, também pôs sua mesa.

3 Enviou suas criadas, clama209 em cima das alturas da cidade210

205 O termo que traduzi no singular “sabedoria” está no plural

tAmk.x'

hokmot. Na primeira seção de Provérbios (1-9), este plural de majestade encontra-se apenas duas vezes (Pr 1,20; 9,1), enquanto o termo

hokmah aparece 16 vezes. “Este é um plural de majestade”, conferir Paul Jüon, Grammaire de L’Hébreu Biblique, p.88 e § 136. hokmot também é considerado um plural abstrato de hokmah por M. Sæ bø, em hk m, Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, editado por Ernst Jenni e Claus Westermann, vol. 1,

col.776-789. “Este é um plural de excelência e majestade”, confira em Emil Kautzsch, Gesenius’ Hebrew

Gramar, p.398, nota 2.

206 A expres são

Ht'ybe

betah “casa dela” faz a ligação do capítulo 9 com o capítulo 31 de Provérbios, onde

betah aparece uma vez no v.15 e duas vezes no v.21. É interessante observar que esta é uma expressão rara no

Antigo Testamento, onde a expressão mais usada é “casa do pai”.

207 O número sete

h['b.vi

xib‘ah demonstra que há um sentido simbólico nesta expressão, que caracteriza o tipo de casa construída pela sabedoria. A Bíblia de Jerusalém indica dois sentidos para esta expressão: 1. é uma “característica de uma casa rica”; 2. é “símbolo da perfeição”. Veja nota da p.1129.

208 A palavra “matar” ou “abater”, em hebraico

x'b.j'

tabha, está diretamente relacionada à preparação de um banquete ou uma comida. A expressão

Hx'b.ji Hx'b.j'

tabhah tibhah significa “abateu seus animais”, sem deixar claro se esta matança seria para um ritual. O verbo

Hx'b.j

tabhah aparece também em Jr 12,3. O verbo usado para o abate de animais para oferecer sacrifício é

xkz

zkh.Confira Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.254; veja também o Dicionário hebraico-português & aramaico- português, de Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir Raymann, Rudi Zimmer, p.81, que traz o

sentido de “carne” (de gado abatido).

209 Não está claro se é a sabedoria que clama ou se são as suas criadas. O verbo está no qal, imperfeito, feminino, singular. No entanto, “criadas”

h'yt,ro[]n;

na‘aroteha está no plural.

210 Esta expressão “sobre as alturas”

yPeg';-l[;

‘al-gape só aparece neste texto. Nota-se uma ênfase na frase hebraica para que a mensagem seja proclamada nas alturas. Literalmente, a frase seria assim: “clama sobre em cima de alturas de cidade”. Esta ênfase expressa-se também pelo termo

tr,q'

qaret, que significa

4 quem (é) ingênuo volte-se211 para aqui, diz ao sem coração212

5 vinde213, para que comam do meu pão e bebam do vinho que misturei. 6 Abandonai (os) ingênuos e vivereis214

e andai pelo caminho da inteligência.

7 (Quem) corrige215 o zombador216 atrai insultos 217 e quem repreende218 o malvado219 (recebe) sua mácula. 8 Não repreendas o zombador para que não te odeie. Repreende ao sábio e te amará.

unidade, encontra -se apenas em Pr 11,11 e Jó 29,7. Confira Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico

hebraico-português, p.594.

211 O verbo

rsy

ysr é bastante comum. A raiz ysr aparece 93 vezes no texto massorético, sendo 42 vezes em forma verbal. O sentido mais comum deste verbo é “corrigir” ou “castigar”. Na seção de Pr 1-9, a forma mais comum é musar nome que significa “correção ou castigo” e que aparece 13 vezes nesta coleção. Confira pesquisa de M. Sæ bø, em ysr, Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, editado por Ernst Jenni e Claus Westermann, vol. 1, col.1016-1021.

212 No v.3, o convite era aberto, pois foi proclamado a partir dos lugares altos da cidade com a finalidade de que chegasse a todas as pessoas. No v.4, chama a atenção este convite especial aos ingênuos e carentes de coração, isto é, de entendimento e sentido para viver. Procurarei me deter neste aspecto no desenvolvimento da exegese.

213 Este é o primeiro de três imperativos que aparecem nesta frase: “vinde”

Wkl

leku, “para que comam”

[Wmx]l;

lahamu‘ “e bebam”

Wtv.W

u-xtu. Esta forma literária parece indicar que há uma urgência na

comunicação do convite.

214 Em primeiro lugar, o convite é para a vida, pois esta é uma conseqüência da participação neste banquete oferecido pela sabedoria mulher: “e vivereis”

Wyx.wi

vi-heu. Há, ainda, outro imperativo que pede

mudança: “abandonai”

Wbz.[i

‘izebu os simples e “andai pelo caminho do entendimento”, ou “pelo

caminho interior”. Confira Judith McKinlay, Gendering Wisdom the Host – Biblical invitations to eat and

drink, p.46.

215 Nos 6 versos que seguem, há uma aparente quebra no texto. O enlace destes mexalim com o resto do capítulo 9 encontra-se nos termos usados, ou melhor, no seu campo semântico. O primeiro termo deste bloco é

rsy

ysr que já encontramos e comentamos no v.4, um termo muito comum no vocabulário sapiencial.

216 A raiz lyƒ tem o significado de “tagarela”, “arrogante”, “insolente”, “escarnecedor”. Confira Dicionário

hebraico-português & aramaico-português, de Nelson Kirst, Nelson Kilpp, Milton Schwantes, Acir

Raymann, Rudi Zimmer, p.112. Para Luis Alonso Schökel,

#yl

lyz como particípio substantivado tem o

significado de “intérprete” (Gn 42,23); ou “embaixa dor” (2 Cr 32,31) e também de “advogado” ou “mediador” (Jó 33,23). Parece ser um termo intencionalmente ambíguo. Confira Luis Alonso Schökel,

Dicionário bíblico hebraico-português, p.344.

217 A expressão

!Alq' Al

lo qalon significa: “atrair insultos”. Este é um verbo complicado, que pode ser modificado pelo sujeito, pelos seus complementos, regime e modalidade. Veja Luis Alonso Schökel,

Dicionário bíblico hebraico-português, p.347.

218 Este é o hifil de

xky

ik h, um verbo difícil de definir em seu conteúdo semântico. No hifil, tem o significado de uma ação verbal encaminhada ao convencimento da outra parte, dentro de um debate. Veja Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.276.

219 O termo

[v'är'

raxa‘ significa “malvado”, “perverso”, “depravado”, “imoral”, “desonesto”. Veja Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p. 634

9 Dá ao sábio e será mais sábio

Dá a conhecer ao justo e aumentará seu discernimento.220 10 (O) começo221 (da) sabedoria (é o) temor de Javé

e o conhecimento do santo é inteligência. 11 Eis que por mim se multiplicarão teus dias e acrescentarão a ti anos de vida.222 12 Se és sábio, és sábio para ti,

e se zombas, tu somente (serás) prejudicado.223

13 Mulher insensata,224 agitada,225 ingênua226

220 O termo

xq;l,

leqah significa “doutrina”, “ensinamento”. Este termo aparece em Pr 4,2, tendo Javé como sujeito. Nestes mexalim o sujeito está indefinido. Pode ser um sábio, o pai, a mãe ou alguém que se sinta responsável de passar um conhecimento que leve à vida.

221 Embora esta frase tenha seu paralelo em Pr 1,7, nota-se uma diferença na sua forma e no seu conteúdo. Em Pr 1,7 o termo usado para indicar a importância do temor de Javé e sua relação com a sabedoria

tyvare

rexit que tem o sentido de “primeiro”, “primário”, “o melhor”, “princípio”. Em Pr 9,10 o termo usado é

tL;xiT.

tehilat com o sentido de “começo”, “início” como em Os 1,2 : “começo das palavras” e em Rt 1,22:

“começo da colheita de cevada”. Veja Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.601 e 700. Parece que a frase em Pr 9,10 está se referindo ao caminho que leva à “sabedoria”

hm'k.x'

hokmah e

ao “conhecimento”

hn'yBi

binah, sendo o temor de Javé o começo deste caminho, enquanto que em 1,7 há um sentido de valorização: o temor de Javé é o mais importante para quem quiser obter sabedoria e conhecimento.

222 Esta frase tem um paralelo em Pr 3,2 onde se encontra a promessa de prolongamento da vida, com a diferença de que além de aumentar os dias de vida, em 3,2 quem guardar os mandamentos e conselhos dos pais recebe, também, a promessa da paz. Mas, qual é o sujeito da frase em Pr 9,11? Quem se oculta e se revela através da expressão “eis que por mim se prolongarão seus dias”? Dentro do campo semântico do poema, parece ser a sabedoria. Mas, aqui, no cap. 9, não se trata de um poema revelatório em 1ª pessoa, como em Pr 8, mas em 3ª pessoa. Será um mestre da sabedoria que está prometendo vida longa a quem lhe der ouvidos? De todos modos, por trás do poema encontram-se aspectos da teologia da retribuição.

223 O verbo

aF'ti

tisa’ que traduzi como “serás prejudicado” vem da raíz

afn

ns’ e tem o significado de “carregar”, “levar”, “transportar”, “levantar”. Uma tradução mais literal da frase seria: “se és arrogante, somente tu o levarás”. Aqui aparece o contrário da retribuição ou uma afirmação desta? Fecha-se aqui, o grupo de mexalim, repetindo duas vezes o termo

T'm.k;x'

hakameta“tornar-se sábio” e voltando ao termo

#le

lez, da raiz

#yl

lyz, com o significado de “arrogante”, “insolente”, “escarnecedor”. A proposta da sabedoria mulher é que seus ouvintes deixem de ser arrogantes e se tornem sábios.

224 Esta palavra deriva de

lysiK.

kesil, que tem o sentido de “néscio”, “idiota”, “ignorante”. Sua distribuição na Bíblia Hebraica é significativa, aparecendo 70 vezes, sendo que 49 delas se encontram no livro dos Provérbios. Mas, na seção de Pr 1-9 este termo só aparece 4 vezes e a sua forma feminina, usada juntamente com a palavra mulher aparece apenas aqui, em todo o texto massorético. Confira M . Sæbø, em kesil,

Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, editado por Ernst Jenni e Claus Westermann, vol. 1,

col.1144-1147.

225 O termo

hY'miho

homiyah só aparece aqui (Pr 9,13) e em Pr 7,11, onde se afirma que “ela é agitada e rebelde”. O significado desta nova metáfora não se esgota na comparação entre a mulher insensata e a mulher estranha ou estrangeira de Pr 7. Voltarei a este tema no capítulo 4 desta tese.

e não conhece nada

14 e senta-se à porta de sua casa,

num assento em lugares altos227 da cidade, 15 para chamar aos que passam de caminho, aos que vão retos em suas sendas228. 16 Quem (é) ingênuo, entre aqui, e ao sem coração lhe diz229: 17 águas roubadas230 são doces

e pão escondido231 é saboroso.

18 Porém, não sabe que sombras (estão) ali,

nas profundezas do xeol (estão) seus convidados.232

2.3.2 – Delimitação e divisão, buscando encontrar a coesão interna

226 O termo

tWYt;P.

petaut, no feminino, só aparece aqui. No masculino, porém, faz parte do vocabulário sapiencial. No cap. 9 de Pr, este termo aparece nos v.4 e 16 como um antônimo de prudência, cautela e sagacidade, qualidades muito imp ortantes para o sábio.

227 O termo “em lugares altos”

ymerom.

merome aparece somente em Pr 9,3.14.

228 Aqui a comparação mostra exatamente o oposto. Enquanto a sabedoria mulher convida os “ingênuos” e “sem coração” (v.4), isto é, àqueles que não conhecem o caminho da vida, a mulher insensatez chama a quem “anda por caminhos retos” (v.15).

229 Esta frase está literalmente repetida no v.4, apresentando um contraste com a sabedoria mulher. Analisarei esta comparação no trabalho exegético.

230 Embora o termo

~yIm;

mayim apareça 254 vezes na Bíblia Hebraica, a expressão “água roubada”

~ybiîWnG>-~yIm;

mayim-genubim aparece unicamente aqui, em todo o texto massorético. Confira Bible Works version 5.0, distributed by Hermeneutika http://www.bibliworkes.com.

231 Alguns qualificativos ao pão podem ser encontrados na Bíblia Hebraica. No livro dos Provérbios, encontramos “pão de engano”

~ybi(z"K. ~x,l,

lehem kezabim (23,3); “pão de ociosidade”

tWlc.[;

~x,l,

lehem ‘azlut (31,27); “minha porção de pão”

yQixu ~x,l,

lehem huqi (30,8) e este qualificativo de “pão às escondidas”

~yrit's. ~x,l,

lehem setarim (9,17) de nosso texto. Confira Luis Alonso Schökel,

Dicionário bíblico hebraico-português, p.342.

232 O final do cap. 9 e da primeira seção do livro dos Provérbios é sombrio. Ao afirmar que os convidados da mulher insensata estão nas profundezas do xeol, o texto faz uma ligação clara entre ela e a morte. Este é o triste fim de quem aceita seu convite. Mas, ao mesmo tempo, o texto resgata a imagem da sabedoria mulher, pois “quem a encontra, encontra a vida” (8,35a).

O capítulo 9 de Provérbios é formado por três subunidades literárias bem delimitadas. Cada uma possui 6 versos e a primeira subunidade (1-6) está em correspondência direta com a terceira (13-18). Para mostrar esta correspondência, analisarei primeiramente as duas subunidades que se correspondem, para, em seguida, buscar a relação da segunda (7-12) com as demais e descobrir a coesão interna do texto.

Pr 9,1-6

Este poema está delimitado pela figura da sabedoria mulher, introduzida pelo termo

hokmot,233 cujo plural majestático cria um ambiente especial para sua intensa atividade. No v.6, a expressão “e andai pelo caminho do entendimento”

hn'yBi %r,d,B. Wrv.aiw.

ve-’xeru derek binah fecha esta subunidade. No interior do poema, a importante e dinâmica

ação da hokmot é apresentada através de 7 verbos no feminino singular:

“edificou”

ht'n.B' bantah sua casa

“lavrou”

hb'c.x' hazbah suas sete colunas

“matou”

hx'b.j' tabhah seus animais

“misturou”

hk's.m'

maskah seu vinho

“pôs”

hk'r>[' ‘arkah sua mesa

“enviou”

hx'l.v' xalhah suas criadas

“clama”

ar'q.ti tiqra’ nas alturas da cidade

Alguns aspectos chamam a atenção nesta subunidade: o primeiro é que os substantivos correspondentes à ação da sabedoria têm todos o possessivo em feminino, menos na última frase, pois nos encontramos diante de um complemento adverbial de lugar e não de algo que se possa possuir. Também não está claro se o verbo “clama” se refere à

233 Como vimos em 1,20, hokmot é um plural majestático, já que os verbos estão todos no feminino singular. As versões Septuaginta, Vulgata e Peshita também entenderam hokmot como singular. Veja Johann Cook,

The Septuagint of Proverbs – Jewish and/or Hellenistic Proverbs? Concerning the Hellenistic Colouring of LXX Proverbs, p.249.

sabedoria ou às suas criadas. Como o verbo “clama”

ar'_q.ti

tiqra’, está no qal,

imperfeito, feminino, singular, entendo que este verbo se refe re a uma ação da sabedoria, do contrário, estaria no plural ou no imperativo.

A presença do número sete, tão significativo na linguagem simbólica do povo judeu, deve acrescentar algum significado a este texto. A sabedoria constrói sua casa com sete colunas ou pilares. Sete verbos seguidos descrevem a sua ação. Este recurso parece chamar a atenção para a completude ou perfeição da atividade realizada pela sabedoria mulher. Há uma ênfase em toda a preparação que ela realiza (v.1-2) antes de chamar os convidados para o banquete (v.3). Importante, também, é observar quem são os seus convidados (v.4). Tanta preparação poderia levar à suposição de que seriam nobres e governantes. Mas o convite é para “ingênuos”

ytip,

peti e “sem coração”

ble-rs;x;

hasar-leb.234 Aliás, o convite é aberto, anunciado nos lugares públicos (v.3). Realmente, há algo de inusitado neste convite.

Há, ainda, uma relação entre a preparação do banquete e o culto. Judith E. Mckinlay observa que “o abate do gado no v.2 pode muito bem trazer isto em mente”. Mas, ela mesma descarta esta possibilidade, lembrando que o verbo

hx'b.j' tabhah não tem este

significado: “Contudo, ‘o abate’ nem em sua forma verbal, nem mesmo com a associação de nomes, implica necessariamente o contexto do culto.”235 A associação deste verbo com o culto aparece mais claramente no texto grego. A comparação com a Septuaginta levou-nos a perceber que o verbo usado para traduzir

hx'b.j'

é sfa,zw, uma palavra que no livro dos Provérbios aparece somente esta vez. No entanto, ela é usada muitas vezes no livro do Levítico, no contexto do sacrifício de animais.236 Neste caso, a versão dos LXX entendeu que havia em Pr 9,2 um transfundo cultual no banquete da sabedoria mulher, embora esta alusão não seja clara no texto massorético.

234 Este termo que pode ser entendido como “carentes de entendimento ou conhecimento” ou “sem sentido” para viver.

235 Judith E. McKinlay, Gendering Wisdom the Host, p.123.

236 O verbo sfa,zw é usado, inclusive, no contexto de sacrifício de crianças (Ez 16,21; 23,39). Esta é uma questão bastante discutida entre os estudiosos. Veja Johann Cook, The Septuagint of Proverbs – Jewish and/or Hellenistic Proverbs?, p.250s.

Três imperativos mostram a importância e a urgência de atender a este convite feito pela sabedoria mulher:

“vinde”

Wkl. leku

“para que comam do meu pão”

ymix;l;b. Wmx;l. le-hamu be-lahami

“e bebam do vinho que misturei”

yTik.s'm' !yiy;B. WtvIW vu-xetu be-yayin

masaketi

O convite tão bem preparado e urgentemente comunicado supõe a mudança de vida de quem o aceita: “abandonai (os) ingênuos e vivereis”. A promessa de vida aparece aqui como a oferta maior, como o objeto de todo o trabalho da sabedoria. É a existência237 que ela oferece a quem participar do seu banquete. Mas, afinal de contas, a sabedoria está oferecendo vida? Ela é capaz de dar vida? Surge aqui uma forte indicação de que esta figura ou metáfora tem muito a ver com o Deus de Israel, ao mesmo tempo em que faz memória das Deusas que eram cultuadas no Antigo Israel para a obtenção da fertilidade da terra, para a garantia da vida. A frase final: “e andai pelo caminho que leva ao entendimento”

hn'yBi %r,d,B. Wrv.aiw.i

ve-’ixeru be-derek binah não somente

fecha este poema, mas pode indicar que a própria sabedoria é “o conteúdo deste dom”238.

Resta-nos, agora, propor uma estrutura para esta primeira subunidade, antes de passar a examinar a terceira, como anunciamos no início.

v.1-3 – Apresentação da sabedoria mulher e de sua atividade v.4 – Primeiro convite da sabedoria mulher: para que a escutem v.5 – Segundo convite: para comer e beber

v.6 – Seguir o caminho da sabedoria é condição para viver

237 O verbo

hyx

tem o sentido de ser, existir, acontecer, estar. 238 Judith E. McKinlay, Gendering Wisdom the Host, p.48.

Pr 9,13-18

Nos v.13-18, encontramos uma imitação do poema inicial. Não é exatamente uma réplica, porque além das semelhanças, há também várias diferenças. Mas, a imitação é claramente intencional. Quem se apresenta neste poema é a mulher insensata.239 Outro adjetivo para identificá-la é “agitada e rebelde”

hY'mih

o homiyah um termo que só aparece aqui, em Pr 9,13 e em 7,11, onde se refere à mulher estranha ou estrangeira. O texto faz questão, ainda, de afirmar que ela é “ingênua e não sabe nada”. O v.14 a apresenta sentada nas alturas da cidade, em um ponto bastante estratégico para chamar os que passam no caminho. Seu público é o mesmo da sabedoria mulher. Não está claro se o autor quer fazer um contraste com a figura apresentada em 9,1-6, para colocá-la em evidência ou se quer ridicularizá-la. É necessário fazer um exame das semelhanças e diferenças entre as duas para chegar a alguma conclusão.

Sabedoria Mulher Mulher insensata

Ela é ativa e eficiente na construção e administração de sua casa. Sete verbos seguidos mostram sua competente atuação (v.1-3)

Ela é inse nsata e não entende nada. Está sentada à porta de sua casa, sem realizar coisa alguma (v.13-14)

Envia suas criadas aos pontos estratégicos da cidade para convidar a quem está necessitado de sabedoria.

Fica à espera de quem passa pelo caminho para fazer-lhes seu convite. Seus convidados não são aqueles que necessitam de aprender a viver, mas os que andam por caminhos retos (v.15) Prepara um banquete com carne e vinho

(v.2) e, depois, convida para comer pão e beber vinho que ela mesma preparou (v.5)

Convida para beber água roubada e comer pão escondido (v.17)

Como conseqüência da aceitação do seu A aceitação do seu convite tem como

239 Literalmente, “mulher de insensatez”

tWlysiK. tv,ae

’exet kesilut . A forma feminina de

lysiK.

kesil unida à palavra mulher aparece somente neste texto, embora o masculino seja muito comum nos textos

convite, as pessoas superam a carência de discernimento e encontram a vida (v.6)

conseqüência a morte (v.18)

Embora este quadro tenha mostrado algumas diferenças e também semelhanças construídas literariamente entre a sabedoria mulher e a mulher insensata, não é possível ainda chegar a uma conclusão sobre a intencionalidade do editor (ou editores) de Pr 9, ao apresentar esta comparação entre as duas figuras. Se olharmos para o interior da seção 1-9, vamos encontrar alguns paralelos entre a “mulher estranha”

hr'z' hv'ai

’ixah zarah (2,16) e a “mulher de insensatez”

tWlysiK. tv,ae

’exet kesilut (9,13). As duas conduzem à

morte (2,18; 5,5; 7,27; 9,18). Estes paralelos levaram vários autores, entre eles Luís Alonso Schökel e José Vilchez Líndez a encontrar no convite da mulher insensata para beber água roubada e comer pão escondido (9,17) uma sedução sexual. “Ela é a mulher alheia, a rameira que perverte com sua sedução.”240 Segundo Judith E. Mckinlay, as conotações