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ANÁLISE ESTEMÁTICA

1. ESTRUTURA EXTERNA DO TEXTO

Os dados obtidos da descrição codicológica de cada um dos testemunhos manuscritos desta tradição (e dos códices que os transmitem) são aqueles que permitem iniciar a análise estemática desta tradição porque oferecem as primeiras informações a respeito da filiação entre os seus testemunhos apógrafos.

Este procedimento designar-se-á colação externa, termo utilizado por Orduna (2005). Segundo o autor, um stemma «que pueda construirse por el cotejo interno de variantes debe ser controlado e orientado por un estudio minucioso de la historia de la tradición textual vinculada a estos códices misceláneos donde la obra por editar puede aparecer completa o fragmentaria y, a veces, hasta insertada en otra obra» (Orduna 2005:211). Orduna sugere que uma das principais vias da análise estemática deve ser (como ponto de partida ou como complemento final) a autorização obtida através da comparação externa como «procedimiento auxiliar para la identificación de familias de manuscritos y de ramas de la tradición del texto» (Orduna 2005:165). É esta colação externa que muitas vezes pode dar conta das primeiras variantes nascidas da transmissão textual e que, segundo este autor, podem ser tão valiosas (embora a um nível

2 V. esta definição de arquétipo em Avalle (1985:85). Sobre a confusão com original e sobre a ambiguidade

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diferente) quanto a análise das lições divergentes e variantes conjuntivas. Esta proposta de Orduna salienta que algumas informações obtidas da descrição codicológica dos testemunhos traçam inevitavelmente as primeiras suspeitas a respeito das relações entre eles. Tomar-se-á este ponto de partida na presente análise estemática, esperando que ele contribua para aumentar a objectividade da aplicação dos critérios estemáticos neo-lachmannianos3.

O primeiro contributo da colação externa é a separação entre o ms. G1 e os restantes testemunhos. G1 é um testemunho transmitido numa compilação de textos documentais considerados de interesse pela Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães, intitulada Lembranças de muitas cousas Notaveis que há na muito devota Igreja da Colegiada de N. Sra da Oliveira feito no ano de 1620 pelo Licenciado Pedro de Mesquita, Cónego, há 25 anos na mesma Igreja, e cuja cópia se atribui precisamente ao pároco Pedro de Mesquita. Já os mss. E, P e G2 aproximam-se entre si (afastando-se de G1) porque são cópias de uma mesma monografia de Torcato Peixoto de Azevedo sobre a história da cidade de Guimarães, intitulada Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães. O arquétipo dessa obra terá certamente sido o antecedente de E, P e G2, um subarquétipo da tradição da VSSB a que chamarei, por enquanto, alfa (α), até que se esclareçam melhor as relações de parentesco que existem entre estes testemunhos.

Lembrando que o arquétipo é datável de 1248-1284, retomem-se agora as janelas de datação propostas para cada um dos códices a que pertencem os quatro testemunhos desta tradição, e veja-se a consequente proposta de datação de α:

 G1 – códice datável de 1620-1645. 1620 é a provável data de início da cópia da compilação; 1645 é a data do mais recente texto datado do códice;

 Subarquétipo α – arquétipo da tradição das MRAG, desaparecido, mas possivelmente produzido entre 1656-1692/02/14. Veja-se a discussão da proposta de Brito (1981) já referida (v. pp. 45-46), segundo a qual Torcato Peixoto de Azevedo terá levado 36 anos a redigir a obra, e 1692 terá sido a data em que concluiu a tarefa;

 E – códice autógrafo das MRAG, mas provavelmente copiado (dada a sua apresentação, limpeza e clareza da cópia). Como autógrafo de Azevedo é datável dos finais do séc. XVII (post 1692) ou do início do séc. XVIII;

 P – códice da segunda metade do séc. XVIII, pelo menos de acordo com a identificação de um manuscrito da mesma mão (desconhecida) datado de 1787;

 G2 – códice datável da primeira metade do século XIX, produzido entre 1801 e 1845, tendo em conta que, até agora, tudo indica que possa ter sido o original de imprensa da edição de 1845 das MRAG.

3 V. a definição do método Lachmanniano em Tavani (1993:230) e leia-se sobre os diversos contributos para

a discussão deste método em Trovato (2014:49-75). Sobre o método neo-lachmanniano v. Picchio (1979:224).

143 Esta proposta de datação dos manuscritos conhecidos da VSSB permite começar por organizar os testemunhos sobreviventes por uma ordem cronológica que estabelece um limite ao stemma codicum proposto nesta secção: G1 > E > P > G2.

A respeito do testemunho G2 e do códice apógrafo das MRAG a que pertence, retome-se também a informação disposta na secção dedicada à origem e história do códice na sua descrição codicológica (v. pp. 79-82). Aí apresentam-se algumas razões que impedem G2 de ter outra posição cronológica na tradição e, consequentemente, fazem dele o único que não pode ter servido de modelo a nenhum dos restantes: marcas de utilizadores que confirmam a sua produção no século XIX, alguns erros flagrantes, muitas abreviaturas e, por fim, o facto de ter muito menor extensão do que E (numa diferença que não pode ser explicada apenas pela utilização de abreviaturas e espaço entre linhas de escrita).

Ainda com base nas descrições codicológicas mencionadas (v. pp. 45-96), observe-se agora a Tabela 1, que nos permite colaccionar alguns dos elementos da composição de cada um dos códices apógrafos das MRAG, descendentes do subarquétipo α:

Marcas de autor e copista

E Assinatura autógrafa (com elementos decorativos típicos) de Torcato Peixoto de Azevedo.

P Nome de Torcato Peixoto de Azevedo copiado. Evidente assinatura do copista.

G2 Duas réplicas (sem elementos decorativos) da assinatura Torcato Peixoto de Azevedo.

Incipit

E Naquelle tão valerozo, como discreto o grande Alexandre Magno… (1r)

P Memorias Ressucitadas da antigua Guimarães / Prefacção / Aquelle tão valerozo, como discreto e grande Alexandre Magno… (1r)

G2 Memorias Resuscitadas da antigua Guimarães. / Prefação / Aquelle tão valerozo, como dyscreto, e grande Alexandre Magno… (1)

Explicit

E …da cada hũa dellas tanto gosto, quanto Eu quizera achasse o leitor deste volume. / Finis / Laus Deo,

Virginique Matri. (331v)

P …Todas estas fontes estão tão avizinhadas huas as outras que quem beber na primeira pode chegar a ultima sem sede, e achará na agoa de cada hũa dellas tanto gosto quanto eu quizera achasse deitar neste volume / Finis laus Deo virginique matri

G2 …Todas estas fontes estão vezinhas humas das outras e todas seruem a utilidades, e delicias desta Nobre

Villa de guimaraes. / Dinis laus Deo.

Conteúdo: Três secções textuais preliminares

E [Prefacção]: Naquelle tão valerozo, como discreto o grande Alexandre Magno… ([i]r – [ii]r)

Ao leitor. ([ii]v – [iii]r)  Protestação. ([iii]v)

P  Memorias Ressucitadas da antigua Guimarães / Prefacção / Aquelle tão valerozo, como discreto e grande

Alexandre Magno… (1r)

Ao leitor (2v) Protestação (3r)

G2  Memorias Resuscitadas da Antiga Guimarães / Prefacção / Aquelle tão valerozo, como dyscreto, e grande

Alexandre Magno… (1-4)

Ao leitor (5-6) Protestação (6-7)

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Conteúdo: Texto E Memorias Resucitadas da antigua Guimarães (1r-331v)

P Memorias Ressucitadas da antigua Guimarães (4r-223r)

G2 Memorias Resucitadas da Antigua Guimarães (8-376)

Conteúdo: índices e capítulos E Sem índice 142 capítulos P Indice dos Capitulos deste livro (223v-227r) 142 capítulos

G2 Índice ([377-380]) 142 capítulos

Notas marginais no Códice E Várias notas marginais de leitura ao longo do códice.

P Das várias notas marginais de leitura de E, P apresenta apenas algumas ao longo do códice.

G2 Sem notas marginais de leitura.

Notas marginais na VSSB E Com notas marginais.

Notas de leitura4:

1. Monarchia Lusitana parte 4 libro 12 capitulo 27 Excelencia de Portugal capitulo 7 Excelencia 5 (286r) 2. foi são Rozendo Bispo de Dume primo desta sancta. (295r)

3. de idade de 58 annos anno anno de 1020 (297v)

4. D.Tereza filha de El Rey Dom Sancho o 1º cazada cõ El Rey D. Affonco 9º de Leão sepultada no Mosteiro

de Loruão da ordem de são Bernardo. Catalog[…] Real de Hespanha fol. 79. [f.305r]

Notas pessoais:

1. em muitas pessoas podia sancta senhorinha fazer o milagre das Rans. (296v)

P Sem notas marginais.

G2 Sem notas marginais.

TABELA 1

É possível confirmar que até quanto ao número de capítulos e divisões internas da obra, bem como quanto à apresentação de elementos identificativos do autor, E, P e G2 mostram que pertencem a um mesmo ramo da tradição desta Vida – o ramo encimado por α, arquétipo perdido das MRAG. Embora não se tenha feito uma colação minuciosa do conteúdo de nenhuma das unidades textuais além da VSSB, saltam à vista pelo menos os seguintes dados: o códice E distingue-se de P e G2 porque não tem o título Prefação no primeiro paratexto, não tem o índice final e, além disso, apresenta muitíssimas notas marginais (das quais P apresenta apenas algumas – embora não nos fólios correspondentes à VSSB – e G2 não transmite nenhumas). A isto acrescenta-se o facto de, no incipit, E apresentar o texto com a contracção em + pronome demonstrativo aquele (Naquelle), enquanto P e G2 apresentam apenas Aquele. No entanto, e embora a maioria destas variantes aproximem P e G2, também existem variantes que aproximam E e P (no caso das notas marginais) o que, por enquanto, torna impossível separar os três códices em famílias distintas.

Alguns destes dados foram inicialmente apurados por Brito (1891) através de uma breve colação do conteúdo do texto das MRAG que agora importa retomar. Nesse sentido autora propõe

145 a utilidade de, por amostra, chamar à colação dos manuscritos o impresso de 18455. Assim, e depois de se dedicar à breve biografia de Azevedo (Brito 1981:438-439), a autora concentra-se na transmissão destes apógrafos, questionando-se sobre por onde terão estado perdidos entre a morte do autor (1705) e a edição impressa (1845). Por último, Brito avança com alguns dados sobre a transmissão das MRAG que devem ser tidos em conta no estudo estemático da VSSB:

1. Além dos quatro códices onde se encontram os testemunhos manuscritos da VSSB e além da edição impressa das MRAG, Brito menciona a possível existência de outras cópias da obra de Azevedo que terão estado na posse da família Motta Prego. Essa informação é confirmada por uma declaração de Francisco Martins Sarmento (1896:7, nota 1) - último possuidor do ms. G2 - anteriormente apresentada (v. nota 89, p. 80), e por outra de João Gomes de Oliveira, Abade de Tagilde (v. Brito 1982:442). Comentando essa declaração de Sarmento (1896), Brito conclui que, embora não faltem capítulos da obra a E, P ou G2, é possível que tenham existido outras cópias das MRAG incompletas ou truncadas.

2. G2 parece ser o original de imprensa da edição de 1845 das MRAG, não porque o refira o editor, mas porque tem muitas omissões em comum com o impresso e porque o impresso tem muitos erros que só se explicam pelo carácter abreviador de G26. Estes dados serão retomados adiante, de forma a integrar o impresso no stemma codicum (v. pp. 217-221). 3. Fazendo uma análise descritiva mais pormenorizada de G2 face a P (que, por ser da mesma

extensão que E, pode ser objecto da aplicação de um mesmo método estatístico), Brito (1981:443) conclui que G2 tem pelo menos 237.344 palavras a menos do que P7, o que talvez indique que, qualquer que tenha sido o critério de omissão, esta será certamente uma cópia das MRAG deliberadamente truncada;

A colação da Introdução e do Remate que contextualizam a VSSB nas duas obras que a integram mostra, desde logo, a separação sugerida anteriormente8.

5 V. a justificação para a escolha dos capítulos colacionados pela autora em Brito (1981:438).

6 A este respeito Brito dá um exemplo particular de um erro histórico do impresso onde D. Fernando é

mencionado como filho de D. Dinis. Feita a colação com E, P e G2, Brito conclui que só G2 explica o erro: «onde, na verdade, está escrito Aff.º – abreviatura esta escrita sobre outra palavra que ficou parcialmente encoberta –, o editor leu algo como Fer.º» (Brito 1981:441).

7 V. nota 93, Capítulo I, p. 83.

8 Nesta colação, a lição dos testemunhos apresentar-se-á pela sua ordem cronológica (G1 / E / P / G2) em

lugares variantes identificados pelos fólios de G1 e numerados pela ordem em que são apresentados na presente dissertação. Para evitar repetições, por vezes remeterei para lugares apresentados e/ou analisados com mais detalhe noutras secções do trabalho. Além disso, só se realçam a negrito os elementos essenciais a cada análise, e em E, P e G2 só se assinalam mudanças de fólio (//) ou linha de texto (/) sempre que isso for pertinente para esse exame. Esta análise da variação considera não apenas a palavra, mas também a oração, o período e até o parágrafo, visto que o contexto e a proximidade entre certos lugares variantes obrigam a que sejam entendidos como uma unidade para que se expliquem ou excluam certas leituras. A esse respeito v. Cerquiglini (1989:46): «Si l’acte d’éditer impose la définition moderne du mot, il fait de même, à un niveau supérieur, avec celle de la phrase».

146 Introdução

1. Comeca se a vida e Milagres da bem auenturada santa Senhorinha da Ordem de são Bento . A qual foi tirada do proprio Original que esta en santa Senhorinha de Basto da Comarqua d’entre douro e minho. (211r)

Na Jgreja de sancta Senhorinha se achou hũ liuro manuescripto, que por antigo, e pouco estimado estaua ja do

tempo offendido, com falta de folhas, e as letras de outras corcomidas de maneira, que se não podião ler, nem ellas declarauão sua escrita, que hera a vida e milagres desta bem aventurada sancta, que diz o seguinte.s

Na Igreja de santa Senhorinha se achou hum livro manuscrito que por antigo e pouco estimado estava ja do tempo

offendido com falta de folhas, e as letras de outras corcomidas de maneira que se não podião ler, nem ellas declaravão sua escrita; que era a vida, e milagres, desta bem aventurada santa, que diz o seguinte.

Na Igreja da santa se achou o livro antigo de sua vida, e milagres o qual dis asim.

Remate

2. finis. (236r)

Jsto hera o que aquelle antigo papel, que nesta Jgreja de sancta Senhorinha se achou, continha, da vida, e milagres desta bem aventurada sancta tão mal tratado do tempo que delle se não pode colher mais; que foi trasladado pelo mesmo estilo como estaua escrito naquella fraze antiga, em que os homẽs fazião mayor estimacão da verdade do que

de nenhũa outra couza, e tinhão por muito grande afronta faltar a ella, e hera entre elles tão abominada a mentira, que se desprezaua pello vicio mais torpe dos homẽs . que he endicação pera se lhe dar todo o Credito de verdadeiro.

Isto era o que aquelle antigo papel que nesta Igreja de santa Senhorinha se achou continha da vida, e milagres desta bem aventurada santa; tão mal tratado do tempo que delle se não pode colher mais; que foy trasladado pello mesmo estillo como estava escrito naquella fraze antiga em que os homẽs fazião mayor estimação da verdade, do que

de nenhuma outra couza, e tinhão por muito grande afronta faltar a ella; e era entre elles tão abominada a mentira, que se desprezava pello vicio mais torpe dos homẽs, que he indicação para se lhe dar mais credito de verdadeiro Isto he o que continha aquelle antigo papel dos milagres de santa Senhorinha que foi tresladado na mesma fraze

antiga.

A colação destes dois lugares variantes permite concluir que:

1) E e P têm sempre a mesma variante, o que sugere que tenham tido um antecedente comum (que pode ou não ter sido o mesmo dos restantes);

2) G2 tem sempre variantes muito mais simples e abreviadas do que E e P, mas na verdade relativamente próximas delas (mais do que das de G1). Isso permite supor que G2 também descende de um antecedente comum a E e P, o que não é incompatível com as variantes por omissão (entre outras) que apresenta;

3) G1 difere por completo de E, P e G2, o que está de acordo com a probabilidade de representar um ramo de transmissão distinto.

Ambas as famílias mencionam o exemplar de onde copiam a VSSB como o manuscrito “original” do texto (o que também assegura a existência do arquétipo da tradição sobrevivente, Ω), mas fazem-no de formas diferentes. Assim, a Introdução e o Remate de E, P e G2 são mais extensos e elaborados do que os de G1, apresentando (no Remate) argumentos em defesa da “veracidade” deste texto, e portanto validando-o historicamente. O discurso de validação, que invoca a antiguidade do papel (apesar de, no século XIII, este suporte não ser ainda usado) e o seu estado de degradação, bem como a “fraze antiga”, culmina com a alegação de uma suposta “estimação” dos homens antigos pela verdade que é evidentemente atribuível a Azevedo, desejoso de legitimar a fontes da sua obra historiográfica. Já Mesquita, mais sóbrio, limita-se a

147 invocar o lugar de conservação do manuscrito (Santa Senhorinha de Basto, isto é a igreja da santa) como validação suficiente da sua historicidade.

Confirma-se, portanto, a distinção de duas famílias, que agrupam E, P e G2 por oposição a G1, coincidentemente com a separação entre o códice das Lembranças (G1) e os apógrafos das MRAG (EPG2).

Ainda a respeito da estrutura do texto, veja-se como se comportam os quatro testemunhos em relação à distribuição dos parágrafos e títulos de capítulos. Na maior parte dos lugares de variação não é possível decidir qual das possibilidades – existência ou ausência de parágrafo – corresponde a um desvio da estrutura do arquétipo, onde não existiriam parágrafos, mas, provavelmente, outros elementos semiográficos (letrinas, caldeirões, etc.) a identificar as unidades textuais. Contudo, assumindo que a intervenção mais provável é sempre a de abertura de parágrafos para facilitar a leitura do texto (pelo menos de acordo com a evolução de um código bibliográfico com cada vez mais tendência para separar discursos e temas, facilitando a cadência da leitura, etc.), então essa é uma intervenção sem dúvida mais fácil de atribuir a um dos copistas do que a eliminação deliberada de um parágrafo – na maior parte dos exemplos injustificada, pelo menos de acordo com a estrutura discursiva. Assim, parte-se do princípio de que a variação ocorreu dos testemunhos onde o texto é contínuo para aqueles onde se abrem parágrafos. Excepção são os lugares onde o parágrafo seria inevitavelmente essencial (por exemplo, naqueles que abrem a narração de um novo milagre).

Na distribuição dos parágrafos ao longo do texto ocorrem apenas três tipos de situações (num total de 49 lugares e num conjunto de 13 lugares de variação):

1. Todos os manuscritos concordam no local onde se abre parágrafo; 2. G1 não tem parágrafo onde E, P e G2 abrem parágrafo;

3. G1 abre parágrafo onde E, P e G2 não o têm;

Assim, a distribuição do texto por parágrafos também se encontra a favor da separação da tradição manuscrita em dois ramos de transmissão: G1 e EPG2 (α). Aliás, nos três lugares que ilustram o ponto 3. facilmente se considera G1 como uma variante do arquétipo, porque, em pelo menos dois deles, a abertura do parágrafo pode ter sido sugerida pela mudança do recto para o verso de um fólio:

3. tornandosse a Deos. // § A Deos senhor muito alto criador (213r//213v) tornando sse a Deos . A Deos senhor muito alto criador

tornando se a Deos : A Deos senhor muito alto criador tornando se a Deus senhor mui alto criador

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4. quando he iunta com humildade verdadeira. // § Porem te roguo e peço senhor que queiras (216r//216v) quando he iunta cõ humildade verdadeira . Por em te rogo, e pesso senhor, que queiras

quando he junta com humildade verdadeira; por em te rogo e peço senhor que queiras quando he junta com humildade verdadeira, por em te rogo, e peso senhor me queiras

No lugar variante 3, a inserção de parágrafo na mudança de página, em G1, parece ser (tal como a omissão do lugar em G2) uma forma de colmatar um erro do arquétipo por repetição de A Deus (lugar que adiante será examinado mais ao pormenor). Como é improvável que E e P mantivessem o erro embora eliminassem o parágrafo, isso sugere que no arquétipo talvez não existisse nenhum elemento semiográfico que separasse as unidades textuais, mas que o erro já existia.

Em 4, a inserção de um parágrafo na mudança de página parece ser uma intervenção de G1 motivada pela mudança do recto para o verso de um fólio. Essa divisão interrompe um discurso directo, o que não é frequente neste texto.

Independentemente de, na maior parte dos dez lugares que ilustram o ponto 2., E, P e G2 reproduzirem prováveis variantes do subarquétipo α (nesses exemplos incluem-se casos em que a intervenção é evidente pela quebra de sentido do texto, e outros em que o sentido da variante é menos claro), há pelo menos dois lugares onde a inexistência de parágrafo em G1 parece menos correcta. Contudo, esses são lugares onde G1 difere de EPG2 porque não tem nenhum título introdutório em dois dos milagres em vida da S. Senhorinha:

5. e a graça que em elle hão os santos seus,Em esta igreia mesma esteue, esta santa algũs dias (224r)

e a graça, que en elle hão os sanctos seus. § Milagre que nosso senhor fes por rogos de sancta Senhorinha no pão

que deu aos seus seruidores do Mosteiro de Vieyra em occazião que se uirão sem nenhum § Estaua sancta Senhorinha

pera se sahir do seu Mosteiro de Vieyra

e a graça que em elle hão os santos seus. § Milagre que Nosso senhor fez por rogos de santa Senhorinha no pão que

de[…]os9 seus servidores do Mosteiro de Vieira em occazião que se virão sem nenhum. § Estava santa Senhorinha para se sahir do seu Mosteiro de Vieira

e a graça que em elle hão os santos seus. § Outro. Estava santa Senhorinha para se sahir do seu Mosteiro de Vieira 6. este mesmo senhor deu a esta santa o dito pam . Depois que esta santa leixou mantimento (224v)

este mesmo senhor deu a esta sancta o dito pão. § Milagre que sancta Senhorinha fes cõ as rans que a não deixauão