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ANÁLISE ESTEMÁTICA

22. quantos marteiros os martires per Jesu cristo [ ] 10 (218r) quantos marteiros os Martires por Jesus Christo padecerão

2.1.2. Variantes linguísticas separativas

«Uma língua não é um objecto estático e fechado […] antes parece um corpo vivo que se acha em mutação constante, [e] pode reverter sobre os seus passos ou pode oscilar entre avanços em várias direcções, naquilo a que se chamaria variação» (Castro 2006:7). A Linguística Histórica é a disciplina que se dedica ao estudo da mudança e variação diacrónica da língua, isto é aquela que ilustra diversas manifestações de uma língua ao longo do tempo e que resulta de um processo de subsituição progressiva (mas não necessariamente sistemática) de uma forma por outra tendencialmente mais moderna. Contudo, convém lembrar que «a delimitação cronológica dos diferentes períodos que constituem um quadro periodológica da história da línuga [é] muitas vezes estabelecida a partir de aspectos extralinguísticos» (Brocardo 2014:108) e, sobretudo, que o conhecimento sobre a variação diacrónica da língua está muitas vezes dependente de parâmetros imensuráveis, como a transparência (e consequente correspondência) entre a expressão gráfica e fonológica das palavras.

Apesar disso, e a respeito dos diversos instrumentos de análise que podem fornecer informação útil para a demonstração das relações de filiação entre os testemunhos de uma tradição, Ralph Hanna (2009:358) afirma o seguinte: «even fields with such modest claims as dialectology and traditional paleography provide vital information: they ground individual books in time and space, offer data useful in creating netwotks of literary relationship».

Assim sendo, podem existir variantes linguísticas (formas mais antigas/modernas da mesma palavra, ou estágios distintos da sua evolução morfológica) pertinentes para a análise estemática de uma tradição porque impedem que determinado testemunho tenha sido copiado de um cronologicamente anterior. No presente trabalho designarei esses casos por variantes linguísticas separativas porque, devido à data em que se atestam e/ou à datação do testemunho em que ocorrem, funcionam como variantes privativas que impedem que esse testemunho tenha copiado um (ou mais do que um) dos anteriores. Quer isto dizer que encontrar uma variante linguística mais antiga num manuscrito mais moderno significa que esse testemunho provavelmente a copiou de um antecedente, mas também que não deve ter copiado dos testemunhos que, embora anteriores, apresentam uma forma incontornavelmente mais moderna no mesmo lugar.

À partida G1 é o único que não pode ter variantes linguísticas separativas, tal como as defino, uma vez que é o testemunho mais antigo da tradição. Assim, nos casos em que apresenta uma variante necessariamente mais antiga tem de a ter copiado de um antecedente, mas não se

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pode considerá-la separativa das restantes porque as variantes de E, P e/ou G2 nesses lugares podem ser simples modernizações poligenéticas. Contudo, existem outros lugares onde E, P e/ou G2 não devem ser descendentes directos de outros testemunhos da tradição anteriores porque as suas variantes são mais antigas15:

1) Nascimento/Nacimento (e formas verbais derivadas deste substantivo)

36. naçimento (211v) nascimento nascimento nacimento 37. naçença (211v) nascença nascença nacensa 38. naçeo (211v) nasceo nasceo naceo

Nestes três lugares G2 apresenta uma variante linguística que se atesta no século XIII e, pelo menos na língua literária, até ao século XVI (cf. Houaiss 2015). Esta forma deve ter sido copiada de um antecedente, mas a forma com sibilante em E e P – nascimento – é uma recomposição culta que também se atesta a partir do século XIII (cf. Houaiss 2015). Assim, nestes casos G2 não deve ter copiado de E ou P, pois no século XIX decerto não reintroduziria a forma antiga se no seu modelo existisse a moderna.

Contudo, há que considerar que a variante nacimento sobreviveu dialectalmente até ao português actual (cf. Houaiss 2015) e, consequentemente, que talvez pudesse representar apenas uma idiossincrasia do copista. No entanto, ao longo da VSSB G2 apresenta apenas mais cinco

15 De forma a tornar o conjunto apresentado tão concreto quanto possível, excluíram-se: as variantes sobre

cuja evolução (datas de atestação e/ou desaparecimento das formas) se sabe pouco; os casos em que há alguma insegurança quanto à leitura paleográfica de alguns grafemas, que possa de algum modo ter interferido com uma das variantes em análise (por ex. em E e P há uma certa dificuldade em distinguir os grafemas <a> e <o>, v. pp. 56 e 72-73, respectivamente); as variantes que, apesar de antigas, podem representar idiossincrasias do copista, provavelmente mediante a região onde tenha sido produzido o apógrafo; os casos em que, embora algum dos manuscritos mais antigos tenha uma variante não atestada no português duocentista, a alternância entre as formas analisadas ocorreu desde sempre ou até tarde na evolução da língua; por fim, os casos em que a variante sobrevivente no português actual é, no fundo, a mais antiga do espectro evolutivo (por ex. v. a variação entre carcereiro e cacereiro, onde se atesta

caçereyro apenas a partir do século XV, mas carçereiro no século XIV; ou a variação entre demonio e demo,

onde demo surge como uma desnasalização, dissimilação e assimilação atestada a partir do século XV, mas que alterna com demonio até hoje, cf. Houaiss 2015).

163 lugares com variantes sem sibilante: nacimento, nacensa, naceo (duas ocor.) e nacia (v. pp. 335 e 336 de G2), e pelo menos outros cinco onde já tem uma grafia com consoante: nascença (duas ocor.), nascem, nascensa e nascer (v. pp. 339/350, 343, 350 e 352 de G2). Isto sugere que as variantes sem representação da sibilante não são necessariamente uma idiossincrasia do copista de G2, e que as variantes com <s> são representações que provavelmente resultam da interferência da sua língua no texto da cópia, enquanto as variantes sem <s> são provavelmente conservadas de um antecedente.

Assim, as variantes mencionadas funcionam como variantes linguísticas separativas entre G2 e EP.

2) De Linhagem/do linhagem

No lugar variante 39, P e G2 apresentam formas que remontam ao português antigo, enquanto G1 e E têm formas que ilustram uma provável modernização:

39. Conde mui rico que vinha de linhagem de Reis (213v//214r) Conde Muy rico, que vinha de linhagem de reys

Conde muy rico que vinha do linhagem de Reys conde mui rico que vinha do linhage dos Reis

Aqui as variantes de P e G2 têm de ter sido copiadas de um antecedente, porque nem no século XVIII, nem no XIX (nem mesmo no século XVII, de que α é datável) linhagem seria um substantivo masculino, tal como era entre o século XIII e o final do século XVI (v. esta evolução no capítulo III, pp. 276-285). Já G1 e E têm uma forma neutra que, por meio deste lugar isolado, não permite saber se a palavra se apresenta como feminina ou masculina.

Dado que em qualquer um destes testemunhos (incluindo P e G2) as duas ocorrências de linhagem que se seguem no texto são acompanhadas de determinantes masculinos (ao linhagem das molheres e do linhagem humanal, v. pp. 338 e 344 de G2 e os ff. 198v e 201v de P, respectivamente), a utilização de de neutro em 39 deve ser prova de que a mudança de género já teria ocorrido. Ademais, nem em G1 (v. f. 214r), nem em E (v. f. 288r) há confusão entre os grafemas <e> e <o> e, consequentemente, esta variante linguística torna muito improvável que P e/ou G2 sejam descendentes directos de G1 e/ou E.

3) Aco/Aca e Alo/Ala

Em apenas dois lugares G2 tem uma variante antiga e dissimilada do advérbio de lugar cá distinta da variante, também arcaica, presente em G1, E e P:

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40. aco tão cedo (215r)

aco tão cedo ! acó tão cedo ?

aca tão cedo ?

41. eu vim aco (215r) eu vim aco eu vim acó

eu vim aca

Embora estas formas redobradas e dissimiladas ainda ocorram de forma esporádica no século XV, são evidentemente medievais (v. Sobral 2012:172). Certo é que G2 não poderia ser descendente directo de nenhum dos restantes testemunhos da tradição porque, utilizando algum deles como modelo, certamente o seu copista não substituiria a forma antiga aco por outra variante igualmente antiga, mas distinta. Esta hipótese só não seria válida se os grafemas <a> e <o> se pudessem confundir em G1, E e P. Contudo, enquanto em E e P pode haver uma certa dificuldade na distinção entre as figuras minúsculas destas letras (o que impede de utilizar este exemplo como barreira para a cópia de G2 ter usado E e/ou P como modelo), o mesmo já não acontece em G1 (onde a figura dos grafemas é perfeitamente distinta). Assim, os dois casos mencionados impedem que G2 seja descendente directo, pelo menos, de G1.

O mesmo se aplica a outros dois lugares variantes onde existem variantes redobradas e dissimiladas alo e ala e onde G1 não deve ser antecedente directo de E, P ou, pelo menos, de G2:

42. e lauamos alo (221v) e lauamos alo e lavamos alo e lavamos ala 43. cheguando allo (234v) chegando allo chegando allo chegando alla 4) Sua/Sa

Nos lugares que se seguem G2, P e E têm uma variante mais antiga do que a de G1:

44. ventre de sua madre (230v) ventre de sa Madre ventre de sá madre ventre de sa Madre 45. leixando sua ama (217r)

deixando sa ama deixando sá ama deixando sa ama

165 A forma de α deve de ter sido copiada de um antecedente, pois à data da redacção das MRAG a forma do possessivo feminino singular dominante já não seria sa (v. esta evolução no capítulo III, pp. 269-261). Como não é plausível que, perante uma variante moderna e dominante na sua gramática seiscentista, o copista de α (ou os de E, P e G2) a substituísse por uma forma mais antiga, então E, P e G2 não podem ser descendentes directos de G1.

O mesmo ocorre em outros dois lugares onde P e G2 (lugar 46) ou apenas G2 (lugar 47) têm a variante sa onde os restantes têm sua:

46. manco do ventre de sua madre. (230v) manco do ventre de sa Madre. manco do ventre de sá madre om.

47. vendo esto sua madre bradou (231v) vendo esto sua Madre bradou vendo esto sua madre, bradou vendo esto sa madre bradou

5) Senger, Singer e Sengir/Singir

Em pelo menos dois lugares E e P têm formas linguísticas mais antigas do que o testemunho mais antigo da tradição16:

48. çingio me (217v) sengio me sengio me singio me 49. çengeo (228r) singeo singeo cingio

As formas senger (atestada no século XIV) e singer (atestada nos séculos XIII e XIV) são variantes antigas do verbo cingir (cf. Machado 1977). Em 48, E e P têm variantes antigas que devem ter sido copiadas de um antecedente (provavelmente do arquétipo da tradição). Em 49, G1 também tem uma variante tão antiga quanto a de EP. Embora não se possa saber qual foi a forma copiada de Ω, é improvável que E e P sejam descendentes directos de G1, não só porque G1 tem uma forma mais moderna, mas porque E e P não utilizariam G1 como modelo substituindo a sua variante por uma forma duocentista.

16 Nestes lugares note-se ainda a utilização de três grafias diferentes para a sibilante inicial (<c>, <s> e <ç>).

Embora esta oscilação gráfica possa ser diacronicamente interessante, não a tive em consideração na presente análise devido ao detalhe necessário para a comentar e aos limites impostos a este trabalho.

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6) Assy/Assim

As formas antigas assi/assy ocorrem frequentemente em testemunhos desta tradição já distantes do arquétipo duocentista. Em 11 lugares P tem essa variante (tal como G1), por oposição à moderna e nasalizada assim em E. Veja-se um desses exemplos:

50. eu assi não faço como elles (218r) Eu assim nõ faço como elles eu assy nom fasso como elles eu assim nom faço como elles

Sobre a substituição de asi por assim veja-se o que diz Lorenzo (1977:188), que explicita que «El port. ant. es assi (hasta el XVII), pero ya desde el s. XVI se conoce assim». Ana Maria Martins (2013) concorda com esta cronologia e utiliza-a para analisar a distribuição destas formas nas mãos intervenientes no Livro de José de Arimateia, considerando asi como atestação do português antigo e assim como inovação do copista. Deste modo, em todos os casos mencionados é possível afirmar que G1 e P devem ter copiado a sua variante de um antecedente, visto que é uma variante antiga da palavra (pelo menos em comparação com assim, claramente inovadora). P também não deve ter sido descendente directo de E. Ademais, em cinco dos 11 exemplos, G2 apresenta a variante antiga e desnasalizada assi, o que o impede de ser descendente directo de E. Veja-se um desses casos:

51. assi de dia come de noite (218v) assim de dia, como de noite assy de dia, como de noyte

asi de dia, como de noite

Apesar de tudo, é necessário considerar que P ou G2 apresentem um erro por falta de uma marca que assinalasse a nasalidade da vogal final (provavelmente til). No entanto, dado que a ocorrência destas formas desnasalizadas é bastante frequente em P e G2 e que nenhum destes testemunhos apresenta atestações da palavra com til, então é possível concluir que, quando têm a forma <assim>, copiam o modelo com interferência da sua língua (ou da língua de α); sempre que têm a forma <asi>, conservam a forma de um antecedente (como provavelmente ocorreria em Ω). O esquecimento da marca de nasalidade é muito improvável nestes testemunhos.

7) Mim/My e Mi

Por analogia com o caso descrito acima, veja-se o lugar 52 onde P e G2 têm uma forma desnasalisada do pronome oblíquo mim que impede que estes testemunhos sejam descendentes directos de G1 e E (onde já ocorre a forma moderna):

167 52. mim (225v) mim my mi 8) Isto vs Esto

Veja-se ainda um lugar onde E e P têm uma variante linguística antiga do pronome demonstrativo neutro (esto) que os restantes não apresentam:

53. isto era millagre (219v)

esto hera milagre esto hera milagre

isto era milagre

G1 e G2 têm a forma moderna do demonstrativo «saída de esto, por metafonia» (cf. Michaëlis de Vasconcelos 1929). E e P têm a forma mais antiga e, consequentemente, dificilmente serão descendentes directos de G1 – o que não estaria de acordo com a evolução morfológica do pronome. Ademais, a variante de EP certamente não é da responsabilidade de um copista de 1692 (de α), nem de um eventual subarquétipo comum a E e P.

9) Seus vs sous

54. dos seus santos (222v) dos seus sanctos dos seus santos dos sous santos

Neste lugar G2 tem uma forma antiga do pronome possessivo de 3ª pessoa que se atesta no século XIII (entre 1242-1252, cf. Houaiss 2015), embora nessa altura também já se atestasse seu. Apesar de ambas as formas poderem ocorrer em Ω, a verdade é que a forma antiga de G2 não seria introduzida no texto à data de G2, nem à data do subarquétipo α (a não ser, talvez, por algum erro paleográfico). Assim, a variante de G2 foi provavelmente conservada de um antecedente, e G2 não deve ser descendente directo de nenhum dos restantes testemunhos que têm a forma moderna. Esta hipótese só seria inválida se em G1, E e/ou P os grafemas <e> e <o> se pudessem confundir, mas dado que só em P isso acontece (v. p. 72-74), este exemplo mostra como G2 não é descendente directo pelo menos de G1 e E.

10) Aí (locativo) / i (anafórico)

Há também um lugar onde G2 apresenta um i com função de pronome anafórico onde os restantes testemunhos mais antigos apresentam a forma com valor adverbial aí, que prevalece sobre i apenas a partir do século XVI (v. esta evolução no capítulo III, pp. 244-249). Assim, a forma

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de G2 (hi) já não ocorreria no século XVII de que data α, mas a forma de G1, E e P (ahi) também não poderia ocorrer no português até ao século XIII:

55. ca todos quantos ahi estauão (223r) ca todos quantos ahi estauão ca todos quantos ahi estavom ca todos os que hi estavão

A variante de G1, E e P pode perfeitamente ser uma modernização poligenética. Contudo, G2 não pode ser descendente directo de nenhum deles, pois não seria o responsável pela introdução do pronome anafórico hi. Além disso, nenhum dos testemunhos apresenta um contexto de cópia que pudesse justificar a variante de G2 como acidental: a palavra imediatamente anterior não termina na vogal <a> - o que poderia levar ao erro na separação das palavras durante o processo de cópia; este lugar tem ainda uma variante privativa de G2 (quantos por que); hi não se encontra numa mudança de linha/página/fólio.

Semelhante a este é o lugar que se segue, onde G1 e P têm a forma com valor anafórico, enquanto E tem a forma adverbial aí necessariamente posterior ao século XVI. Neste caso P não pode descender de E:

56. quando isto virom os que hi estauão (231v) quando esto virõ os que ahi estauõ

quando esto virom os que hy estavom os que isto virom

11) 2ª Pessoa do plural com -d- intervocálico

No português, as formas plenas com –d- na segunda pessoa do plural da flexão verbal perdem o domínio para as formas sincopadas a partir do segundo quartel do século XV (v. a evolução desta característica no capítulo III, pp. 254-256). Assim, as formas plenas atestadas nos testemunhos da VSSB devem ser conservadas de Ω. No entanto, há pelo menos um lugar onde α teria uma forma plena que G1 não apresenta:

57. non sabes que non fiqua mantimento (224r) non sabedes, que nõ fica mantimento nom sabedes que nom fica mantimento non sabedes . que non fica mantimento

A variante de G1 é uma forma da segunda pessoa do singular ou é uma forma linguística morfologicamente moderna e sincopada da segunda pessoa do plural “sabeis”. Em todo o caso a variante de α não só deve ter sido copiada de um antecedente anterior ao século XVII, como isso impede que este subarquétipo e os seus descendentes tenham copiado de G1.

169 Considerar a segunda hipótese implica lembrar que α é datável do século XVII. Contudo, apesar de esta característica ter sobrevivido até mais tarde no português do Norte de Portugal (v. capítulo III, nota 34, p. 256), e embora não haja qualquer informação contra a naturalidade vimarenense do autor das MRAG, o certo é nesse caso formas como sabedes ter-se-iam conservado certamente apenas na língua falada. Assim, não é de crer que um erudito como Azevedo, encontrando a forma sabes, e mesmo que nela reconhecesse a 2ª pessoa do plural, a substituísse por uma variante tão claramente dialectal em vez da variante culta. Por essa razão, o exemplo torna improvável que E, P e G2 descendam de G1.

12) Inimigos vs Imigos

Em pelo menos um lugar do texto os testemunhos E e P têm uma variante antiga do substantivo “inimigo” que se atesta entre os séculos XIV e XV (cf. Machado 1977 e Cunha 2000), enquanto G1 tem uma forma moderna com a expressão de três sílabas distintas, e que decerto não estaria em Ω, pois só se atesta a partir do século XVI (cf. Machado 1977).

58. lhe tinhão os inimigos cercado o castello d’aguiar (232r) lhe tinhão os Jmigos sercado o Castello de Agiar lhe tinhão os imigos cercado o castello de Agiar lhe tinhão cercado o castelo de Aguiar

A variante linguística de G1 tem de ser uma modernização e, consequentemente, é bastante improvável que E e P sejam seus descendentes directos, porque se assim fosse não substituiriam uma forma totalmente natural na língua do século XVII por uma mais antiga. Também não o fariam por poligénese.

Semelhante a este é o lugar 59, onde P tem a variante do português antigo que o impede de ser descendente de E ou G1:

59. e correo depollos enemigos (232v) e correo depollos inemigos

e correo depollos imigos

e correo depos os Inimigos

13) Deixar vs Leixar

Do latim < LAXO, AS, ĀUI, leixar é uma variante que se atesta no português pelo menos até ao século XV, e que começa a ser substituída por deixar a partir do século XVI (cf. Machado 1977). No lugar 60 a forma mais antiga ocorre em E e P, mas não em G1:

60. ella iamais non deixaua de cozer // o dito pam (234r//234v) Ella Jamais nom leixaua de cozer o dito pão

ella jamais nom leixava de cozer o dito pão ella jamais deixava de coser o dito pão

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Embora à data de Ω estas variantes alternassem (apesar de deixar ser evidentemente menos frequente), não é plausível que α (ou qualquer dos seus descendentes) reintroduzisse leixar na sua cópia. É ainda menos provável que o fizesse se utilizasse G1 como modelo (estando diante de uma forma moderna natural na língua seiscentista). A variante de EP é separativa porque impede que esses testemunhos sejam descendentes directos de G1.

14) Sou vs Som, 1ª pessoa do singular

Veja-se agora o lugar 61 onde G2 tem uma variante linguística da primeira pessoa do singular do verbo ser mais antiga do que a dos restantes testemunhos:

61. ia sou saã (235r) Ia sou sã ja sou sam

ja som sãã

A variante antiga e nasalizada de G2 (etimológica porque derivada do latim < SUM) parece deixar de ocorrer no português pelo menos a partir do século XVI (cf. Cardeira 2005). Também não ocorre nem na Demanda do Santo Graal (século XV), nem no Orto do Esposo (séculos XIV/XV), onde já se atesta a forma moderna sou. Assim, se a representação da nasalidade nesta forma é característica de um dado ponto da evolução linguística da forma verbal, então a variante de G2 deve ser a lição genuína da tradição. Ademais, G2 não deve ser descendente directo de nenhum dos restantes testemunhos, uma vez que não reintroduziria a variante antiga, quando no seu modelo lia uma forma moderna e certamente já estável no português oitocentista – sou.

15) Ter e Haver

62. e este uso teue esta santa (218r) e este uso teue esta santa e este uso teve esta santa e este uso ouve esta santa

Em 62, G2 utiliza haver como o verbo de posse. Contudo, no século XIX a substituição de haver por ter já tinha ocorrido e estabilizado, o que significa que a variante de G2 deve ter sido copiada de α, e que a dos restantes testemunhos deve ser uma modernização poligenética.