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ANÁLISE ESTEMÁTICA

22. quantos marteiros os martires per Jesu cristo [ ] 10 (218r) quantos marteiros os Martires por Jesus Christo padecerão

2.1.1.2. Variantes privativas de E

O testemunho E tem apenas quatro variantes privativas que devemos considerar:

26. hum Conde que auia nome (212r) hum Conde que auinom

hum Conde que avia nome hum conde, que avia nome

27. nhum dos ditos lauradores, nõ podera mais estar na Eyra, e colherã sse as cazas, e falauão nas vertudes, e milagres de Deos de Deos, e dos seus santos, antes os quaes hũ clerigo que a dita igreia regia (222v)

nenhum dos ditos lauradores, nõ podera mais estar na Eyra, e colherã sse as cazas, e falauão nas vertudes, e milagres de Deos,e dos seus sanctos, ante os quaes hum Clerigo que a dita Jgreja regia

nenhum dos ditos lavradores nom poderom mais estar na eyra, e colherão se as cazas, e falavão nas virtudes, e milagres de Deos, e dos seus santos, antre os quais hum clerigo que a dita Igreja regia

nenhum dos do ditos lavradores non poderom mais estar na eira . e colherão se ás cazas, e falavão na virtude, e milagres de eus, e dos sous santos, antre os quaes

28. mandou pello clerigo da igreia (231v) mandou pello dos Crego // Da Jgreja mandou pello Crego da Igreja mandou pello crego da Igreja

29. e loguo ella e seu marido, e outros que hi estauão, derão graças a Deos (236r) e // E logo ella, e seu marido, e outros que ahi estauom derão graças a Deos e logo ella e seu marido, e outros que ahi estavom derão graças a Deos e asim derão grandes graças a Deus

Em 26, E tem um erro evidente de auianom por auia nome. Dado que a variante é totalmente agramatical, E deve ter apenas cometido um lapsus calami. Contudo, como a incoerência é evidente, e uma vez que o contexto antecipa claramente que o que estava em causa era o nome do conde mencionado, então este erro podia ter sido corrigido pelos copistas de P e/ou G2, se estes copiassem E atentamente. Como, no entanto, a atenção ao texto não é necessariamente apanágio do processo de cópia, poderíamos notar que ambos concordam na solução encontrada e que nenhum interpreta, por exemplo, auinom como um erro por auiom (pretérito imperfeito de haver), o que seria bastante fácil paleograficamente.

Em 27, PG2 têm uma variante da preposição “entre”, relativamente comum no português dialectal e no português antigo, atestada entre o século XII e o XVI, embora desde o XIII a par de entre (cf. Houaiss 2015 e Plazza 1999). A utilização desta preposição não provoca qualquer dificuldade na leitura do texto: …antre os quais (lavradores). Contudo, mesmo que pudesse não ser claro que o sintagma pronominal os quais retoma o sujeito os lavradores (e não necessariamente outro complemento como milagres ou santos), G1 e E têm variantes provavelmente erróneas. G1 tem a forma antes, que poderia ser um advérbio de tempo (“antes de”), um advérbio de lugar (“diante de”, “na presença de”), ou significar “pelo contrário” (como acontece no Orto do Esposo, século XIV, cf. Maller 1956 e Parker 1977). Contudo, nenhuma destas

157 acepções está de acordo com a estrutura sintáctica da oração ou com o sentido exigido pelo contexto em que ela se insere. Em E há uma variante de G1, ante.

Dado que é bastante improvável que PG2 transmitam uma correcção de α a um erro pouco evidente de Ω, mas uma vez que é claro que este clerigo que a dita igreja regia é o mesmo Preposto que teria chamado os lavradores a trabalhar na eira (e que se teria deslocado à casa onde estava S. Senhorinha para denunciar a injúria que Deus lhes fazia), então as variantes de G1 e E são certamente erros privativos. Nesse caso, os copistas entenderam que o antecedente de os quais era o conjunto de os milagres (de Deus e dos seus santos) e, consequentemente, julgaram que o clérigo em questão agia em relação esses milagres; ou perceberam que o sintagma os lavradores era o antecedente de os quais, mas julgaram que o contexto se focava no facto de o clérigo ter injuriado S. Senhorinha diante de todos os lavradores. Em todo o caso, E tem um erro de ante por antre e G1 um erro de antes por antre, que provam o príncipio estemático recentiores non deteriores.

Em 28, E comete um erro, acrescentando a pello Crego um preposição que torna o enunciado agramatical. Primeiro o copista escreve dos, cuja tinta tem o mesmo tom da restante linha. Depois, a mesma mão parece ter corrigido o erro, ligeiramente acima da linha de escrita, para pello Crego, no mesmo momento em que insere o reclamo da Jgreja na sublinha e no canto do fólio. Embora a correcção tenha sido concretizada imediatamente acima de dos, esta última palavra nunca foi cancelada, o que talvez tornasse o erro mais evidente, facilitando a sua correcção por qualquer copista que utilizasse E como modelo. Assim, embora seja difícil compreender o erro de E (em nenhuma parte do texto próximo deste lugar variante ocorre a unidade de cópia12 dos que pudesse ter sido erradamente retomada por E), a sua agramaticalidade é tão fácil de copiar quanto de detectar e corrigir. Por essas razões codicológicas, este é um erro privativo de E relativamente pouco significativo13.

12 Uso o termo unidade de cópia para designar o segmento de texto que, de uma só vez, o copista lê,

memoriza, dita interiormente e reproduz no novo suporte, antes de regressar ao antecedente para repetir o processo. V. West (2002:2): «unidade de cópia que serve de referência ao copista».

13 Utilize-se o termo erros significativos para fazer referência a erros com um determinado valor estemático:

«Errors arising in the course of transcription are of decisive significance in the study of the interrelationships of manuscripts – I may be allowed to use the terme ‘stemmatics’. Hitherto investigations of errors have been mainly concerned with how they arise and how they can be removed. In what follows I mean to ask simply what characteristics an error must have in order to be utilized for stemmatic purposes, and how many of these errors ar required to prove the main types of stemma. In geology those fossils wich are characteristic of certain epochs of the earth’s history ar denoted in German bby the techical term

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Em 29, independentemente da evidente omissão de G2, E tem um erro por repetição da conjunção copulativa, provavelmente motivado pela mudança do recto para o verso do f. 30514. Apesar de simples, este é um erro privativo relativamente significativo, uma vez que a sua localização poderia aumentar a probabilidade de um copista, que utilizasse E como modelo, repetir o erro se não estivesse relativamente consciente do contexto.

Como se pode verificar, são muito poucos os erros privativos de E a que se podem atribuir valor estemático. São erros paleográficos ou de escrita que provocaram variantes agramaticais que podem parecer relativamente fáceis de corrigir, se admitirmos que os copistas de P e de G2 estão rigorosamente atentos ao sentido do texto. Porém, a presença de erros também nestes testemunhos não permite garantir que assim seria. A estes quatro exemplos acrescenta-se apenas uma única variante adiáfora privativa de E, cujo conteúdo não é esclarecedor porque as variantes são Rozendo e santo Rozendo explicam-se facilmente como duas leituras distintas da mesma abreviatura (S.):

30. om.

De hũa reuelação que sancta Senhorinha teue de nosso senhor em que lhe mostrou […] tinha em seu reyno a alma

de seu Primo são Rozendo Bispo de Dume.

De huma revelação que santa Senhorinha teve de Nosso senhor em que lhe mostrou […] tinha em seu Reyno a alma de seu Primo santo Rozendo, Bispo de Dume.

Revelação

Como ficará claro ao longo deste capítulo, é possível invocar outros argumentos que defendem que E não foi o antecedente de P nem de G2. Por outro lado, a relativa pobreza de E em matéria de erros pode apontar para a possibilidade sugerida no capítulo anterior (v. pp. 63-64) de este apógrafo ter um estatuto equivalente à edição ne varietur das MRAG.