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Outrossi hum cleriguo que auia nome Paio, sendo elle regedor da egreia, onde esta santa jas, nos disse que elle vira esto, que hum homem (227v)

ANÁLISE ESTEMÁTICA

74. Outrossi hum cleriguo que auia nome Paio, sendo elle regedor da egreia, onde esta santa jas, nos disse que elle vira esto, que hum homem (227v)

Hum homem Hum homem Hum homem

75. e derom graças a Deos e a Santa Senhorinha. (228r)

e derão graças a Deos e a sancta Senhorinha . o que suçedeo sendo regedor desta Jgreja hum Clerigo que auia

nome Payo.

e derão graças a Deus e a santa Senhorinha, o que sucedeo sendo Regedor desta Jgreja hum Clerigo que avia nome

Payo.

e derão graças a Deus, e a santa Senhorinha, era então Regedor desta Igreja hum clerigo que havia nome Payo. 76. se dahi partio o moço são e saluo com seu padre, pera sua terra, e assi o que veio a igreia desta santa en çima de

hũa besta manco, tornou a sua terra são, indo de pee com seu padre. (228v)

se dahi partio o moço são e saluo cõ seu padre pera sua terra. se dahi partio o moço são, e salvo com seu padre para, sua terra. se dali partio o moço são, e salvo com seu Padre para sua terra.

Em 70, EPG2 omitem a oração os que som enemigos de Jesu cristo presente em G1. Em G1, esse segmento pode ser lido como um aposto do complemento directo o Diabo, ou pode ser um aposto do sujeito do verbo vencerão (os martires). Se o sintagma for, de facto, um aposto de martires (embora colocado numa posição pouco clara porque distante do sujeito que amplifica), então G1 teria um erro de enemigos por amigos.

Seja qual for a leitura correcta, e quer contenha um erro (enemigos por amigos) quer conserve a lição de Ω, o enunciado de G1 será sempre ambíguo e sintacticamente pouco claro, o que pode ter determinado a omissão, por α, do segmento incómodo. Já a adição, por G1, de um

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aposto ambíguo, que não clarifica o texto, é mais difícil de explicar. Além disso, a forma antiga marteiros, contida na eventual adição, não seria usada por um copista seiscentista, o que argumenta a favor da genuinidade da lição de G1.

Em 71, G1 apresenta um provável erro por assimilação (West 2002:27-28), isto é por atracção da forma do verbo que vem a seguir e que estaria provavelmente contida na mesma unidade de cópia. Este talvez seja um erro cometido em Ω e corrigido por α, uma vez que EPG2 omitem a segunda ocorrência de he porque interpretam a primeira como uma forma do verbo “ser”, provando que he não é uma grafia credível para a copulativa e que, aliás, se atesta como forma do verbo “ser” em mais 39 lugares de G1 (e nenhuma vez como conjunção copulativa). Neste caso, a lição de EPG2 explicar-se-ia como uma correcção de um erro de Ω transmitido a G1.

Contudo, é difícil considerar que os três testemunhos tenham corrigido o erro de Ω de forma independente e chegando à mesma solução coerente. Isso seria ainda menos plausível tendo em conta que os dois sintagmas que se seguem sugerem que a forma do verbo “ser” devia vir posicionada depois de o primeiro. Consequentemente, seria mais credível que pelo menos um dos copistas reconsiderasse o valor da primeira forma, ou que a eliminasse a essa e não à segunda. Além disso, também é difícil considerar que nenhum deles tenha copiado o erro (as duas formas de he) mecanicamente, sem colocar em causa o sentido do contexto.

Assim, mesmo que a lição de G1 em 71 pudesse não ter sido um erro (o que implicaria que este fosse o único caso em que o copista escreveu a conjunção copulativa e com a grafia <he>, talvez por influência de Ω), a variante de EPG2 seria sempre uma variante conjuntiva (intencional ou acidental) que prova a existência de α.

Em 72 e 73, G1 é o único que situa claramente cada um dos episódios que narra no tempo em que teria ocorrido o milagre imediatamente anterior, isto é no tempo em que S. Senhorinha já estava morta. Para isso G1 utiliza, no primeiro lugar, a contextualização En o dito tempo e, no segundo, o reforço en o tempo sobredito.

Embora nenhuma das variantes torne o enunciado agramatical, é mais fácil explicar a de EPG2 como transmissora de variante intencional de α, motivada pela tentativa de eliminar informação que considerou redundante, julgando que a anterior introdução de uma secção da vida destinada aos milagres póstumos e a própria narração dos episódios seriam informações mais do que suficientes para situar cada um deles depois da morte de S. Senhorinha. Por outro lado, é muito menos aceitável considerar que G1 optou (intencionalmente, mas sem verdadeira necessidade de contextualização) por se desviar da lição de Ω, acrescentando o elemento

177 temporal no início de dois milagres que são imediatamente seguidos daquele onde é evidentemente esclarecida a ideia de que ocorreram depois da morte da santa. Além disso, e embora EPG2 omitam estas colocações temporais em ambos os lugares, sem que isso se justifique acidentalmente pelo mecanismo de cópia, note-se como a lição de G1 tem sempre a forma em o, que provavelmente representa uma fase intermédia da evolução da contracção da preposição em com o artigo definido o, que deixaria de se atestar no século XV e, consequentemente, teria sido provavelmente copiada pelo copista seiscentista de G1.

Nos lugares 74 e 75, que correspondem ao início e ao final de um mesmo milagre, a principal variante entre G1 e EPG2 (α) é a posição (no parágrafo) em que surge a informação acerca de quem era regedor na igreja mencionada à data em que ocorre o episódio narrado. Embora nenhuma das formulações seja necessariamente agramatical, G1 contém um elemento que não pode ter sido acrescentado e que justifica a omissão de α. Trata-se da alegação do duplo testemunho: o testemunho presencial do clérigo Paio e a recolha desse testemunho pelo próprio autor do texto, que o refere na 1ª pessoa. Este tipo de alegações nunca são acrescentadas. São, pelo contrário, muito comuns em narrativas hagiográficas medievais (v. capítulo III, p. 313 e 315), por isso a lição de G1 só pode ser genuína.

Quanto à omissão de α, é coerente com outras variantes intencionais que supõem a atribuição de um estatuto histórico ao texto (“verdadeiro”, e que por isso dispensa alegações de credibilidade) que lhe advém simplesmente da sua antiguidade, ou seja da distância entre o autor do texto e o copista. Por isso α, que tinha omitido todo aquele segmento no início, acaba por recuperar dele, no final, apenas o elemento que pode contribuir para a sua localização histórica (aconteceu no tempo em que era regedor o clérigo Paio), porque este elemento interessa a um historiador e não tanto ao autor do texto original, cultual, mais preocupado em defender a autenticidade do culto, que depende da autenticidade dos milagres.

Em 76, o encerramento de uma narrativa curta com um segmento de texto de certa forma redundante, mas que sintetiza numa formulação conclusiva a história contada, é uma estrutura comum na literatura medieval (o caso mais comum será o dos exempla como os que se podem ler no Orto do Esposo e em muitos outros textos de literatura exemplar). Se nesse segmento de texto encontramos padre para designar um progenitor, forma completamente ultrapassada no português moderno e contemporâneo, temos duas boas razões para defender a genuinidade da lição de G1, coerente com a língua e com a literatura da época. Já a omissão de α explica-se

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precisamente pela sua indiferença pelas fórmulas literárias medievais e pela personalidade actualizadora e simplificadora de Azevedo.

2.2.1.2. Erros conjuntivos

Existem ainda 15 lugares onde G1 apresenta a lição genuína da tradição e as variantes de EPG2 dependem de um erro cometido num antecedente comum (α). Nesses casos, que asseguram a existência de α, incluem-se três erros paleográficos, cinco erros por lectio facilior facilitados por semelhanças paleográficas ou por algum desconhecimento de Azevedo, e sete erros por omissão acidental.

Vejam-se os erros paleográficos, isto é erros que tornam o texto quase sempre agramatical, e que provavelmente são provocados pela má interpretação de uma ou mais letras, de uma ligadura entre letras ou de uma abreviatura do modelo (West 2002: 30-31):

77. não querendo que esta santa pedra preçiosa fosse ençuiada da luxuria do diabo (213v) não querendo, que esta sancta pedra precisoza fosse encurada da luxuria do Diabo não querendo que esta santa pedra precisoza fosse encurada da luxuria do Diabo não querendo que esta santa pedra preciosa fosse sencurada da Luxuria do Diaboo

78. esta santa achou o çellicio que sua ama soia a trager vestido, o qual ella tomou e vestio a corom do seu corpo (217r) esta sancta achou o Celicio, que sua Ama soya a trager vestido, o qual ella tomou e vestio ao caron do seu Corpo esta santa achou o Celicio que sua ama soya a trager vestido, o qual ella tomou, e vestio ao caron de seu corpo esta santa achou o celicio que ella soya a trager vestido, o qual ella tomou, e o vestio o caron de seu corpo 79. e confessou lhe seu peccado, e erro grande que fizera na igreia desta santa (231v)

e confessou lhe seu peccado, e horo grande que fizera na Jgreja desta sancta e confessou lhe seu pecado, choro grande que fizera na Igreja desta santa e confesou lhe seu pecado que fizera na Igreja da santa

Em 77, EP e G2 têm erros evidentes, embora distintos. Contudo, a única coisa que os distingue é a presença/ausência de uma consoante <s> inicial, o que consequentemente aproxima estes erros. Assim, é possível considerar que as variantes de EP e G2 resultam de um mesmo erro conjuntivo, copiado de um mesmo antecedente (α). Este erro pode explicar-se por uma má leitura paleográfica de <j> por <r> (neste caso, longo), o que provavelmente teria levado primeiro à lição errónea encurada em α, que depois o copista de G2 (apercebendo-se da agramaticalidade) teria tentado corrigir para sencurada (“censurada”). Dado que o verbo com a prótese de reforço en- provavelmente já não estaria em uso no século XVII, Mesquita (copista de G1) não a usaria para corrigir uma lição incoerente de Ω e, consequentemente, este lugar crítico prova a existência de α. Em 78 todos os testemunhos apresentam um erro pela expressão antiga a caron, equivalente a ‘junto ao corpo’ (cf. Rodrigues Lapa 1972), mas nenhum deles pode ser obrigatoriamente um erro de Ω, já que facilmente todos os copistas estranhariam expressão a

179 caron (possivelmente correcta no arquétipo duocentista). Contudo, EP têm o mesmo erro (ao caron), provavelmente cometido em α. Por outro lado, G1 comete um erro privativo pouco significativo de a corom por a carom e G2 comete um erro privativo (o caron) sobre o de α.

Em 79, E e P também têm dois erros evidentes que, apesar de distintos, são demasiado próximos para que possam ter sido cometidos sem a influência de um antecedente comum. G2 difere de todos apenas porque omite o lugar em que os restantes variam – o que indica que decerto terá copiado de um antecedente comum a EP, optando por eliminar o lugar do texto cuja leitura não compreendia, enquanto EP terão, pelo mesmo raciocínio, tentado corrigir um erro de α. Em suma, todas as lições deste lugar explicar-se-iam se em Ω estivesse a grafia hero. G1 tê-la-ia interpretado correctamente, substituindo-a por uma forma mais moderna. α ter-se-ia limitado a transcrever exactamente aquilo que julgou ler mas, não compreendendo, transcreveu mal, dando origem ao erro horo. Daqui advêm as lições dos seus três descendentes: E, conservador como é habitual, reproduz o erro, P tenta interpretá-lo e saná-lo, mas dá origem a um novo erro e G2 resolve o problema omitindo o segmento obscuro.

Além destes, EPG2 também têm cinco erros conjuntivos por lectio facilior, isto é, erros onde o copista de α reinterpreta uma determinada lição mais difícil ou pouco frequente no seu diassistema por analogia com uma palavra ou forma mais comum, mas com forma paleograficamente semelhante (Blecua 2001:25):

80. ora se prouuesse senhor de receberes cantares desta mui pobre peccador no conto e companhia das tuas seruas