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ANÁLISE ESTEMÁTICA

22. quantos marteiros os martires per Jesu cristo [ ] 10 (218r) quantos marteiros os Martires por Jesus Christo padecerão

2.1.1.3. Variantes privativas de P

Em P também é possível destacar algumas variantes privativas que asseguram que este testemunho não pode ter sido antecedente directo de G2. Em primeiro lugar, vejam-se os três erros que se seguem:

31. e o bem da obediençia he tal que os çeos traspassa, e leua o homen a gloria do paraiso (217r) e o bem da obediencia he tal, que os Ceos traspaça, e leua o homem a gloria do paraizo e o bem da obediencia he tal que os Ceos trespaça, e lara o homem a gloria do paraizo obediencia […] he tal que os ceos traspaça, e leva o homem a gloria do Paraiso

significativi) for errors which can be utilized to make stemmatic inferences (Gnomon, vi (1930, 561).» (Maas

1972:42).

14 Esta repetição tem de ser considerada um erro porque o texto não está destacado abaixo da última linha

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32. a egreia de sam nhoane de veeira (223v) a Jgreja de são Nhoanne de Vieyra a Igreja de s. Nhoanoza de Vieira a Igreja de s. Ioane de Vieira

33. Em esta igreia mesma esteue, esta santa algũs dias, e depois que minguarão os mantimentos esta santa estaua de caminho pera se ir a outra igreia, e vendo (224r)

Estaua sancta Senhorinha pera se sahir do seu Mosteiro de Vieyra donde hera religioza, e tinha tomado o abito, com as suas companheiras pera o de são Jorge de Basto, que seus parentes lhe tinhão mandado fazer no lugar da Faya, e estando assi todas de Caminho, e uendo

Estava santa Senhorinha para se sahir do seu Mosteiro de Vieira donde hera Religioza e tinha tomado o habito com suas companheiras, para a de s. Iorge de Basto que seus parentes lhe tinhão mandado fazer no lugar da Faya; estando assy todas de caminho, e vendo

Estava santa Senhorinha para se sahir do seu Mosteiro de Vieira donde tinha tomado o habito de Religiosa, com suas companheiras para o de s. Iorge de Basto, que seus Parentes lhe tinham mandado fazer no lugar da Fiaya, e asi estando todas de caminho, e vendo

Em 31, G1, E e G2 apresentam uma lição (e leua) que prova como no arquétipo provavelmente não estava escrito eleua, sem separação entre as palavras. P tem um erro paleográfico evidente de lara por leva.

Em 32, G1 e E têm uma variante linguística popular do topónimo “São João”, no Concelho de Cabeceiras de Basto (onde acontece o episódio narrado) atestada em Machado (1993). Diz o autor: «Já nas Lições [2ª edição] p.203 [273, 3ª edição], expliquei Sanhoane por Sã-Joane, com a assimilação do [j] à nasal. A falta de palatal em Sanoane pode explicar-se assim: o povo decompõe Sanhoane em San-Nhoane, e como não há palavras que em português comecem normalmente por –nh-, mudou este som em [n]. Nunes explica Sanoane mais simplesmente por assimilação do <nh> ao <n> seguinte, citando formas populares danino por daninho, manino por maninho, nino por ninho.» Na mesma entrada Machado acrescenta: «Sanoane fica no concelho de Cabeceiras de Basto. Notar esta forma para “São João”, festa litúrgica que parece revelar uma pronúncia popular». Assim, P apresenta um erro cometido sobre essa variante popular transmitida por G1 e E (a lição genuína deste lugar), um erro paleográfico possivelmente motivado pelo desconhecimento desta forma. G2 apresenta uma forma mais comum do nome próprio, o que torna mais provável que tenha lido a variante popular correcta de α - nhoanne - e não o erro de P.

Em 33, existem várias variantes, mas note-se como P apresenta uma pequena variante face à lição de E e G2 – a de s. Iorge de Basto. Esta é uma variante certamente acidental, pois a utilização de um pronome feminino a não é legitimado por nenhum substantivo anterior. Assim, embora o pronome devesse retomar o substantivo mosteiro, P deve ter cometido o erro pensando que o antecendente que retomava (já à distância de algumas palavras) seria igreja. Pelas mesmas razões, se G2 fosse descendente directo de P talvez também copiasse o erro em causa - simples e, talvez por isso, difícil de detectar. Contudo, dado que em P a figura dos grafemas <o> e <a> é

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bastante semelhante, e que em geral oscilações entre o/a (que ocorrem num contexto de alternativa restrita) são pouco significativas, então talvez não fosse totalmente impossível que G2 tivesse copiado de P, corrigindo o erro de forma insconsciente.

Além destes, existem pelo menos dois lugares variantes que tornam verdadeiramente improvável a hipótese de G2 ser descendente directo de P e, ainda assim, ter corrigido por conjectura dois erros privativos desse testemunho certamente fáceis de copiar:

34. toda a quaresma afora tres dias da Doma (219v) toda a quaresma afora tres dias da Doma toda a quaresma afora tres dias da Dona toda a Quaresma fora 3 dias de Doma

35. e que se per uentura mentia, que a ira de deos e desta santa viesse sobre ell (230v) e que se por uentura mentia, que a ira de Deos, e desta sancta viesse sobre elle e que se por ventura mintia, que a ira de Deos, e desta santa viãsse sobre el e que se mentia a ira de Deus, e da santa viesse sobre elle

No lugar 34, P apresenta um erro evidente de Dona por Doma. G1, E e G2 têm a lição correcta e genuína Doma, palavra do grego < HEBDOMÁS, -ÁDOS pelo latim < HEBDŎMADA que designava ‘semana’, e que se atesta desde o século XIII (cf. Lorenzo 1968 e Houaiss 2015) e, pelo menos, até ao século XV (domãã, cf. Machado 1977). Neste lugar, a palavra faz referência ao tempo/calendário da quaresma, tal como exige o contexto, mas P comete um erro por lectio facilior, devido ao desconhecimento da forma Doma. Pelas mesmas razões, G2 certamente não corrigiria o erro por conjectura e, consequentemente, não pode ter descendido directamente de P, mas sim de α.

Em 35, P tem um erro de viãsse por viesse. Ao que parece, P entende que a forma verbal devia estar na segunda pessoa do plural (viessẽ) e concordar com o sujeito composto ira de Deos, e desta santa, mas comete um erro por leitura metatizada (vi + essẽ/ãsse) provocado pela proximidade entre os grafemas. Se G2 fosse descendente directo de P, ainda que detectasse a incoerência, seria provavelmente induzido a corrigi-la para o plural viessẽ (evidentemente sugerido pela marca de nasalidade <~>) e não para viesse.

Em suma, G1 tem oito variantes (e erros) privativas significativas, E tem apenas quatro e P tem cinco. Tudo indica, portanto, que nenhum destes testemunhos terá sido antecedente directo de outro que seja cronologicamente posterior.

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