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W a n d e rle y Coào

L e h n in g e r. em seu tra ta d o de B ioquím ica, diferencia a m a té ria viva d a m a té ria não-viva en tre o u tra s características pelo fa to de o organism o e x tra ir e tra n sfo rm a r a energ ia do seu meio a m b ie n te em “ u m a relação fu n cio n a l” , o u seja, a energia é re tira d a d o m eio p a ra c o n stru ir e m a n te r a p ró p ria e s tru tu ra do organism o vivo. T o m a n d o suas p alav ras, "o s o rg an ism o s vivos são sistem as a b e rto s, pois trocam ta n to energ ia co m o m atéria com seu m eio a m b ie n te e, ao fazerem isso, tran sfo rm a m a m b o s” .

A e stru tu ra ç ã o de um organism o vivo através d a tra n s fo r­ m a ç ã o de energia d a m a té ria in a n im a d a se d á n ecessariam ente por u m a re la ç ã o entre am bos que se define com base na reciprocidade (d u p la relação) que envolve a tra n sfo rm a ç ã o d a n a tu re z a à im agem e se m e lh a n ç a do organism o e, condição s in e q u a fio«, o avesso; ou seja, a tran sfo rm ação do organism o à im a g e m e sem elhança da n a tu re z a q u e o abriga*

E m o u tra s p alav ras, ocorre u m a re la ç ã o de d u p la ap ro p riação , a existência m esm a do organism o vivo im p lic a ap ro p ria ção da n a tu re z a q u e exige, co n d icio n a a a p ro p ria ç ã o do organism o, pela n a tu re z a . A ssim , u m a ameba> ao esten d er seus pseudópodes e se a p ro p ria r de u m a p a rtíc u la q u e a a lim e n ta rá , tem de conform ar-se à e s tru tu ra d a p artíc u la p a ra co n fo rm á-la a si m esm a; de certa m a n e ira , a am eb a é o seu alim ento ao re p re s e n ta r su a apro p riação .

E m um organism o m ais com plexo, as relações tendem a ficar m ais claras* U m rato , ao se a lim e n ta r de u m queijo, o “ ra tific a ” (com ou sem aspas), o u seja, ra tific a r, to m a r o queijo, queijo e

“ ra tific a r” , to m a r o queijo rato, N o p rim eiro sentido po rq u e o q ueijo ta m b é m é, além de seu significado fisico (m oléculas e s tru tu ra d a s de u m a d eterm in a d a form a), o alim ento energizador do co m p o rtam e n to do rato.» No segundo sentido, o ra to ratifica o q ueijo ao tra n sfo rm a r o queijo em si m esm o.

P elo avesso, o ra to se “ queijifica” no sen tid o físico do term o, com põe-se do queijo tra n sfo rm a d o , do sen tid o biológico do term o , sua saliva, seu estôm ago e intestino se e s tru tu ra m a p a rtir d o alim en to que devem digerir, e tam b ém no sen tid o psicológico, su a p erce p ção , faro, olhos e ouvidos a p re n d e m ; graças ao queijo a d istingui-lo do não-queijo, n a natu reza.

A sobrevivência de um organism o d ep en d e em ú ltim a in s­ tâ n c ia d a cap a cid ad e física, biológica e psicológica de tra n sfo rm a r o m eio à su a im agem e sem elhança e, p o rta n to , de au to tran sfo rm ar-se à im ag em e sem elhança d o meio.

E stam o s, p o rta n to , no p lano d a H istó ria N atu ral, e eviden­ te m e n te , as ciências se dividem e n q u a n to re c o rta m esta ou aq u ela face deste m esm o fenôm eno básico.

A ssim , a genética to m a p a ra si a co m p reen são d a tra n sfo r­ m ação d a espécie pelo m eio d u ra n te as gerações, a biologia celu lar e s tu d a as m ú ltip las relações entre célu la e m eio externo.

A Psicologia e n q u a n to nos in te re ssa m ais de p erto se p re o c u p a com os m ecanism os de sobrevivência do organism o em term os de percepção, apren d izag em , m otivação, e tc .1

E m o u tras p alavras, conhecendo e x a ta m e n te co m o u m an im al sobrevive, m uito saberem os sobre com o se co m p o rtará (aí está a etologia que não nos deix a m entir).

M esm o no lim ite d a Psicologia an im al já se recu p e ra a espe- cificidade d esta ciência em relação às su a s p rim as. No p lan o b io q u ím ico , ou genético, em quase to d o o universo da biologia o c ie n tista tem a “ benesse” de poder lid a r com u m fenôm eno d isc re to , e n q u a n to q u e n a P sicologia nos d ep aram o s com a dificuldade de se tr a ta r de u m fenôm eno contínuo. A ssim , a p e s a r de conhecer o m ovim ento en tre a célu la e o seu m eio, é possível estu d á-la com o u n id a d e relativ am en te d iscreta, ou seja, te n d o claros os lim ites q u e d istin g u em a célula d a n&o-célula. N o caso d a Psicologia, o o b je to

AS CATEGORIAS FUNDAM ENTAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL 49

(1) É ôbvk> que um animal não apenas come, também foge, procria etc; em cada uma das atividades a relaçáo é a mesma, utilizamos apenas a alimentaç&o neste contexto, eomente como um exemplo.

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m e s m o d e e stu d o é a relação o r g a n is m o -m e io, o exercício da P sicologia não consiste em co n sid era r com o variáveis intervenientes o m eio am b ien te concreto e b u sc a r através d a introspecção a consciência h u m a n a em su a dim en são “ p u r a ” .

C om o já te n ta ra m alguns c ien tistas, nem consideram o indivíduo com o u m a ta bula rasa n a q u a l o m eio escreve sua história, com o ta m b ém j á se disse, o-objeto da Psicologia consiste em e stu d a r a a tiv id ad e do organism o.

O u , com o diz Leontiev, já se re fe rin d o a seres h u m anos: " ... na. p ró p ria o rganização corporal do s indivíduos está c o n tid a a necessidade de e n tra r em u m a rela ção ativa com o m u n d o exterior; p a ra ex istir devem a tu a r... ao in flu ir sobre o m u n d o exterior o m o dificam , com isso se m odificam ta m b é m a si m esm os. P or isso, o que os hom ens são está d eterm in ad o p o r sua atividade, à qual está co ndicionada pelo nível já alcan çad o no desenvolvim ento de seus m eios e form as d e o rg an iz ação ” .

T om em os en tã o o hom em , e vejam os com o se dá esta d u p la rela ção organism o-m eio. O co rre no h o m e m o m esm o fenôm eno que ocorre com os anim ais?

Sim e não, ao m esm o tem po, é a resp o ta.

Sim , p o rq u e o H om em ta m b ém tem su a história n atu ra l, ta m b ém é o bife q ue fareja e deglute (o u p rete n d e) no alm oço. N ão, po rq u e acopla-se a e s ta já c o m p lex a relação, a n a tu re z a essencialm ente social do H om em .

O que significa isto?

O H om em p ro d u z su a p ró p ria ex istên cia, p o rta n to p ro d u z a si m esm o, p a ra ta n to se relaciona com os o u tro s, p o rta n to p ro d u z e é p ro d u z id o pelo o u tro . P o rta n to , a d u p la relação a p o n ta d a a trá s en tre organism o e m eio se d á m e d ia d a p ela d u p la relação consigo m esm o.

A o com er u m to m ate, p o r exem plo, o h om em e n tra em relação de d u p la ap ro p ria ção com to d o o p la n e ta e com to d a a h istó ria d a H u m a n id a d e literalm ente.

D eclinem os a afirm ação acim a, po is ela nos in teressa p a rti­ cu la rm e n te .

O hom em nüo en c o n tra o to m ate p ro n to n a n a tu re za, tem de p la n tá-lo . A té aq u i n a d a de novo, pois a a ra n h a p ro d u z su a teia; a d iferen ça ê que o ser h u m a n o nâo sa b e p la n ta r antes de nascer, p recisa a p ren d e r. E n q u a n to a a ra n h a p a r a co n stru ir a teia tem u m a ta re fa p e la frente, o hom em tem um p ro b le m a q ue depende de u m a

AS CATEGORIAS FUNDAMENTAIS D A PSICOLOGIA SOCIAL 51 té cn ica e de um projeto. O ra, a ap ren d izag em d a técnica c o projeto p ressu p õ em o outro.

É m o u tras p alav ras, a técnica p ressu p õ e u m a divisão de tra b a lh o ta n to lo ngitudinal q uantõ transversal.

T ran sv ersalm en te, o hom em se divide p a ra p roduzir, p o r exem plo un s esp a n ta m a caça, e n q u a n to o u tro s a m atam .

L ongitu d in alm en te, cad a geração aperfeiço a p a rte da técnica q ue o h om em a p ren d e n u m d ado m o m en to , Foi assim da ro ca de fiar, p a ssa n d o p ela m u le-je n n y até as fiad o ra s m odernas.

No cerne d e sta questão está o p ro b le m a da divisão de tr a ­ balh o , E é esta divisão de trab a lh o que p e rm e ia a linguagem , os in stru m e n to s, o p en sam e n to , a consciência.

Passem os em revista a atividade p ro d u tiv a do hom em , p ro c u ­ ra re m o s d em o n strar com o o uso da ativ id ad e en q u a n to categ o ria c e n tra l d a Psicologia p ode ser revelador.

T o m a r o fru to da te rra , levá-lo à boca, deglutir, C om o já vim os, a “ m e ra ” atividade de a p ro p ria ção é p ren h e d e u m a relação d ia lética h o m em -n atu reza: 1) o fruto se tra n sfo rm a (se conform a) à im ag em e sem elhança do hom em ; e, 2) ao m esm o tem po o h o m em se tra n sfo rm a (se conform a) â im agem e sem elh an ça do fruto de q u e se a p ro p rio u .

E m 1) o fruto se to m a o hom em no sentido físico (m oléculas q ue se incorporam e ( passam a com p o r nosso corpo), biológico (en erg ia q u e se tra n s fo rm a pelas e p a ra as células do hom em ) e psicológico (o fruto passa a significar u m fruto p a ra o hom em , se in c o rp o ra a ele um significado hu m an o ).

E m 2) o hom em se to m a o fru to p e la s m esm as razões físicas e biológicas, do ponto de vista psicológico, o fruto ensina o h o m em a distingui-lo do n ào -fm to , nossas sensações, através d a visão, porém , são e s tru tu ra d a s pelo fruto,

A lém das sensações, a aprop riação d a n a tu re z a p ro d u z a ação do ho m em , estabelece relações de co n tin g ên cia en tre os c o m p o r­ ta m en to s, dispõe o reforçam ento, dispõe sobre o gesto do b ra ç o , m ãos, b o ca e, sobretudo, o fruto fornece u m significado ao gesto, in c o rp o ra a ele u m telos, u m a finalidade. Sensações, ação e tam b ém percepção. A n a tu re z a ap ro p ria d a liga o olho à boca, ao n ariz.

P la n ta r a sem ente, zelar pela p la n ta , co lh er o fruto.

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A q u i p erm an ece a m esm a relação d ia lética (n ão cu sta repeti- la , o h o m e m é tran sfo rm a d o p ela n a tu re z a e n q u a n to se tran sfo rm a à im ag em e sem elhança d a n atu re za) m a s em u m nível q u a lita ­ tiv am en te superior.2

A o p la n ta r o hom em m odifica p a ra si o m eio externo, já n ã o se p o d e fa la r de n a tu re za no sentido de co n tra p o sição ao H u m an o , o m u n d o ao red o r to m a a face do H om em , é colocado a seu serviço, su b m e tid o às suas necessidades, p o rta n to à su a vontade. N este sen tid o a d u p la relação H o m em -N atu reza, a p o n ta d a acim a, g an h a u m elo novo, o hom em tran sfo rm a a n a tu re z a q ue o tran sfo rm a .

M as p la n ta r p ressupõe ta m b ém o fru to p resen te -au se n te, ou se ja P o p ro jeto do fru to , é preciso q ue o fru to esteja p resen te n a co nsciência do H om em , em b o ra ausente d a n a tu re z a . O fruto, pelo H o m em , se torna tra n sc e n d e n te , se e te rn iz a n a atividade do p la n tio .