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Q u e m é você?

É u m a p e rg u n ta que freq ü en tem en te nos fazem e q u e às vezes fazem os a nós m esm os...

“ Q uem sou eu ? ”

Q u a n d o e sta p e rg u n ta surge p odem os dizer que estam os pesq u isan d o n ossa identidade* C om o em q u a lq u e r pesquisa, e sta ­ m os em busca de respostas, de conh ecim en to . P o r se tr a ta r de u m a p e rg u n ta feita a nosso respeito é fácil d arm o s u m a resposta; ou nao é?

Se é um conhecim ento que b u sc a m o s a respeito de nós m esm os podem os supor q ue estam os em condições de fornecê-lo. A final se tra ta de dizer q uem som os... E xperim ente]

N5o contin u e lendo a n tes de re sp o n d e r a esta p e rg u n ta : q uem év o cê?

P ronto?

R espondeu de form a a q u a lq u e r pessoa, depois dè ouvir sua resp o sta, poder a firm a r que o conhece? S u a resp o sta to m a possível você se m o strar ao o u tro (e* ao m esm o tem p o , você se reconhecer) de fo rm a to tal e tra n sp a re n te , de m odo a não h aver n e n h u m a dúvida, n en h u m segredo a seu respeito? S ua resp o sta p ro d u z um conheci­ m ento q u e o to m a perfeitam en te previsível? N inguém (n em m esm o você), depois de co n h ecer essa resp o sta, te rá d úvida sobre com o você vai a g ir, p en sar, se n tir, em q u a lq u e r situ a ç ã o q ue surja?

AS CATEGORIAS FUNDAMENTA IS D A PSICOLOGIA SOCIAL 59 A credito que, se você foi sincero, esta s questões todas podem ter lev an tad o algum as duvidas. Será tã o fácil dizer quem som os?

Se, com o esto u supondo, não é tã o fácil .como pode p a re c e r a p rim eira vista, podem os adm itir que este é u m pro b lem a digno de u m a p esq u isa cien tífica (e n ão só p o r c au sa disso). Psicólogos, sociólogos, antropólogos, os m ais diversos cientistas sociais têm estu d ad o a questão da id entidade; filósofos tam b ém . Não só pela dificuldade, m as ta m b é m pela im p o rtân cia que esta questão a p re ­ sen ta, o u tro s especialistas têm se envolvido com ela e não só cien tis­ tas e filósofos: nos trib u n ais, juizes, p to m o to re s, advogados, peritos, etc.; n a a d m in istraç ão , ta n to pública com o priv ad a; na polícia, na escola, no su p erm ercad o etc., enfim , e m p raticam en te to d a s as situações da vida co tid ian a, a questão da id e n tid ad e aparece, de u m a fo rm a ou de o u tra (e ta m b ém fo ra do cotidiano: “ q uem era m esm o a q u e la personagem com quem sonhei o n te m ? ” ). Você já rep aro u com o as novelas de T V ex p lo ra m esse filão? Ê freq u en te u m a personagem viver um g rande d ra m a p o rq u e de rep en te des­ cobre e s ta r en g a n a d a a respeito da identidade de outra personagem (é seu p a i, su a m â e, seu filho, sua irm ã e tc ., e não quem p ensava que fosse); conseqüentem ente, d escobre ao m esm o tem po que ta m b ém estava e n g an a d o a respeito d a p ró p ria id e n tid ad e (afin a l, se esse desconhecido é m eu pai, então eu so u seu filho e não de quem pensava); a id e n tid a d e do o u tro reflete n a m in h a e a m in h a n a dele (afinal, ele só é m e u pai porque eu sou filho dele). O u tro exem plo: nas histó rias “ p oliciais” quase sem pre o enredo é todo m o n tad o p a ra que se d e sc u b ra a id en tid ad e do crim inoso (não só no sentido de sab er q uem com eteu o crim e, m as ta m b é m com o se to m o u “crim inoso” ); p o r vezes, a h istó ria se desenvolve de ta l m o d o que nos (os esp ecta à o res o u leitores) sa b e m o s q u e m é o crim inoso, m as as d em ais perso n ag en s d a história não sab em ; isto nos le v an ta u m a o u tra questão: pelo fato de os outros n ã o sab erem ele deixa de ser crim inoso? Q ue é ser “ crim inoso'1? É com eter um ato crim inoso? (P ense no exem plo, digam os, fictício, de poderosos cidadãos que com etem ato s q ue você considera crim in o so s m as não são p erse­ guidos p e la polícia e p ela ju s tiç a ...) P odem os fa la r n u m a id e n tid a d e o cu lta? Pense n u m a h istória de “ esp io n ag e m ” : a id e n tid ad e do “ esp ião ” e x atam e n te se caracteriza com o u m a identidade o cu lta (peio m enos p a ra os esp io n ad o s...), sen d o que suas av en tu ras p ra ti­ cam en te te rm in am ou deixam de se r a tra e n te s q u an d o essa id e n tid ad e é revelada. Até os su p er-h eró is têm sua id e n tid ad e secreta (aq u ilo de que o S uper-H om em te m m ais m edo é que

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d e sc u b ra m quem eie é n a vida co tid ian a» ., com o m uitos d e nós que escondem os algum aspecto de nossa id e n tid a d e e m orrem os de m edo que os outros d escu b ram esse nosso la d o "o c u lto ” . ..). A lite ra tu ra , o cinem a, a TV , as histó rias em q u a d rin h o s, as a rte s n u m sentido bem am plo tam bém lidam com o p ro b le m a d a id e n tid ad e e podem nos e n sin a r m uito a respeito.

V oltem os a nosso p o n to de p a rtid a . Se, com o afirm am os, estam os fala n d o de n o ssa id e n tid a d e q u a n d o respondem os à p e rg u n ta “ quem sou e u ? ’\ a p rim e ira observação a ser feita é que nossa id e n tid a d e se m o stra com o a d escrição de um a personagem (com o em um a novela de T V )t cu ja vida, cuja b io g rafia aparece n u m a n a rra tiv a (u m a h istó ria com en re d o , personagens, cenários, e tc .), ou seja, com o personagem q u e su rg e n u m discurso (nossa re sp o sta , nossa h istó ria). O ra, q u a lq u e r discurso, q u a lq u e r história co stu m a te r um a u to r, que constrói a personagem * C abe p e rg u n ta r então : você é a perso n ag em do seu discurso, o u o a u to r que cria essa p erso n ag em , ao fazer o discurso?

Se você é a p erso n ag em de u m a h istó ria , q uem é o a u to r dessa h istó ria? Se nas h istó rias d a vida real n ã o existe o a u to r d a h istória, será que não são to d as as perso n ag en s q ue m o n tam a h istória? T o d o s nós — eu, você, as pessoas com quem convivem os — som os as p erso n ag en s de u m a h istó ria que nós m esm os criam os, fazendo-nos au to re s e personagens ao m esm o tem p o . Com esta afirm ação já an tecip a m o s o q u e se p o d eria dizer caso nos considerem os o a u to r q ue c ria nossa perso n ag em ; o a u to r m esm o é personagem d a h istó ria. N a verdade, assim , p o d ería m o s a firm a r que h á u m a a u to ria coletiva d a história; aquele q u e co stu m am o s designar com o “ a u to r” seria dessa fo rm a um “ n a rra d o r” , um “ c o n tad o r” de h is­ tória!

C om isso podem os p erce b er o u tro fato curioso: n ao só a id e n tid ad e de u m a personagem constitu í a de o u tra e vice-versa (o p ai d o filho e o filho do p ai), com o ta m b é m a id e n tid ad e d as p erso n ag en s constitu i a do a u to r (ta n to q u a n to a do a u to r co n stitu i a d as personagens).

A tra m a p a re c e com plicar-se, pois é sab id o que m u itas vezes nos escondem os n aq u ilo que falam os; o a u to r se o culta p o r trás da p erso n ag em . M as, d a m esm a fo rm a com o u m au to r ac a b a se revelando através de seus p erso n ag en s, é m u ito freqüente nos revelarm os através d aq u ilo que o cultam os. Som os ocultação e reve­ lação.

AS CATEGORIAS FUNDAM ENTAIS D A PSICOLOGIA SOCIAL W A té agora falam os das pessoas com o se elas fossem de u m a d e te rm in a d a fo rm a e n ã o se m odificassem , o q ue é falso. Basta observarm os nossos próxim os, b a s ta nos observarm os. No m ínim o, as pessoas ficam m ais velhas: a crian ça se to r r a adulto; o ad u lto , ancião. No m á x im o ... o que seria no m áxim o? “ Não reconheço m ais F u lan o , é o u tra pessoa!*1 Há m u d a n ças m ais ou m enos previsíveis, m ais ou m enos desejáveis, m ais ou m en o s controláveis, m a is ou m e n o s,.. m u d an ças. O estu d an te que se to rn a um profissional depois de fo rm ad o rep resen ta u m a m u d in ç a bem m ais previsível do que a do jovem , nosso am igo de infância, q u e se to rn a um crim inoso (ê lógico q u e, im plicitam ente, estam os ta m b ém co nsiderando c e rta s condições de classe social); n um a o u tra situação social a previsi­ bilid ad e p o d e ser inv ertid a, infelizm ente. O u tro exem plo: a m oci­ n h a que se to rn a dona-de-casa, m ãe de filhos etc. vive u m a m u d a n ç a m ais desejável do que a d a q u e la que se to rn a p ro s titu ta {novam ente há algo im plícito nesse ju lg am en to : valores, etc.)* O desem pregado que se to rn a alco ó latra (ou crim inoso, etc.) sofre u m a m u d a n ça provavelm ente m enos controlável do q ue a do escritu rário que se to m a gerente (com o você consideraria a q u i a q uestão de classe» de valores* etc.?). H á m u d a n ç a s e m u d a n ç a s... quem m u d a m ais: o heterossexual que se to rn a hom ossexual o u o ad ep to de u m a religião que se to rn a a te u ? O alienado p o liticam en te que se to rn a revolucionário ou o civil q ue se to rn a m ilitar?

Nós nos to rn am o s algo que não éram o s ou nos to m am o s algo que já éram o s e estava com o q ue “ e m b u tid o ” d en tro de nós? P arece que q u a n d o se tr a ta de algo positiv am en te valorizado, a te n d ên cia nossa é a firm a r q u e estava “ e m b u tid o ” em nós ( “ sem p re tive vocação p a ra ser m édico” ); q u ando não desejável, freq ü en tem en te estava “em butido*1... nos outros ( “ sem p re achei que ele tin h a p ro p en são p a ra o crim e” , que ele tin h a u m jeito de ‘b ic h a ’ ” ).

Q u e dizer d a jovem q u e se te m a d o n a-d e-casa? E d o religioso q u e se to rn a ateu ? O escritu rário que se to rn a g eren te está realizando um a “ te n d ê n c ia ” , u m a “ v o c a ç ã o 1?

P odem os im a g in a r as m ais diversas com binações p a ra c o n ­ figurar u m a id e n tid ad e com o u m a to ta lid a d e . U m a to ta lid a d e c o n tra d itó ria, m ú ltip la e m utável, n o e n ta n to una. P o r m ais co n trad itó rio , p o r m ais m utável q ue seja, sei que sou eu q u e sou ussitn, o u seja, sou u m a unidade de c o n trá rio s, sou uno na m u ltip li­ cidade e na m u d a n ça.

Q u a n d o nossa unid ad e é p erce b id a com o am eaçada, q u a n d o correm os o risco de não saber quem som os, q u an d o nos sentim os

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desagreg an d o , tem os m au s p ressen tim en to s, tem os o p re sse n ti­ m e n to de que vam os enlouquecer; a p ren d e m o s a te r h o rro r de serm ds “ o u tro 1' (q u a n d o querem os o fe n d e r alguém can taro lam o s um re frã o bastan te conhecido: *''F u la n o não é m ais aquele. .Z1); não é à to a q ue o tipo clássico de p ia d a de louco envolve alguém que diz que é q u em não ê: “ N apoleão” , “ Jesus C risto ’’, e tc .; nestes casos, é fácil verificar que ele nào é quem diz que é. P orém , será sem pre fácil sab er q ue alguém é (ou não é) quem diz q ue é? N um certo sentido, pode-se con sid erar a c h a m a d a "d o e n ç a m e n ta l” com o um pro b lem a de id en tid ad e: o '"louco" é nosso “ o u tro ” , ta n to q u an to o “ c u ra d o ” é o o u tro do “ louco” . N ão afirm a o d ito p o p u la r que “ de m édico e de louco c a d a um tem um p o u co ” ?

D esde o início estam os jo g a n d o p e rg u n ta s em cim a de p e r­ g u n ta s, provocativam ente, p a ra u m a questão que p are c ia tão sim ples. Talvez valesse a p e n a seg u rar essas duvidas e e x a m in a r a q u estão de form a m enos in terro g ativ a. V am os te n ta r se p a ra r dois tipos de p roblem a: os de n a tu re za em p írica, p rática, e os de n a tu re z a teórica e filosófica.