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Funcionalidades e algoritmos de recomendação

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CAPÍTULO III – A ERA DO ON-DEMAND

3.3 Funcionalidades e algoritmos de recomendação

Ao acessar a Netflix pela primeira vez, o usuário deve escolher o plano de assinatura que mais se adequa às suas necessidades. Todo novo assinante tem direito a um mês grátis para experimentar a plataforma, proposta que pode ser encerrada a qualquer momento. Somente a partir do segundo mês a assinatura escolhida é cobrada. No Brasil, os planos em vigor atualmente são: Básico, que permite o uso de uma tela por R$ 19,90 mensal para assistência ilimitada de filmes e séries via notebook, TV, smartphone ou tablet; Padrão, com duas telas simultâneas pelo preço de R$ 27,90 e imagens HD; Premium, com direito a quatro telas simultâneas e Ultra HD disponível por R$ 37,9064.

Após a escolha do plano, o usuário utiliza seu e-mail e senha para criar uma conta exclusiva na plataforma. Em seguida, a página apresenta uma série de títulos divididos por gênero, tipo de produção (série, filme, documentário, animação etc.) e recomendações da própria plataforma, geralmente compostas pelas produções originais da empresa. Há ainda listas como Adicionados Recentemente, Populares na Netflix e Em Alta, que trazem novidades e os títulos mais visualizados, além do Continue Assistindo, que apresenta os últimos títulos assistidos pelo usuário. Todo assinante também pode montar sua lista de produções favoritas. Para maior personalização, a Netflix permite que diferentes perfis sejam criados para que a experiência de recomendação de títulos da plataforma seja individualizada – é possível ter até cinco perfis diferentes em uma única conta, possibilitando a individualização de títulos assistidos recentemente, classificação etária, configurações de produção e sugestões personalizadas de produções.

63 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/01/netflix-tem-recorde-de-assinantes-mas-receita-cresce-menos-

que-o-esperado.shtml Acesso em 18 jun. 2019.

Figura 1: Exibição de menu da série Grace and Frankie

Fonte: Netflix.com

No caso de séries, ao escolher um produto, o usuário é levado a uma página exclusiva da produção que contém cinco opções de visualização: Visão Geral (uma espécie de resumo ou capa da série, mostrando data de atualização, número de temporadas e episódios, sinopse do episódio e nomes dos criadores do produto); Episódios (lista de todos os capítulos, com sinopse e duração); Trailers e Mais (vídeos sobre a série, como resumo de temporadas passadas e trailers de novas temporadas); Títulos Semelhantes (indicações da plataforma para quem gostou do gênero/narrativa do produto); e Detalhes (dados gerais da série como nomes dos criadores, elenco, gêneros e classificação etária).

Figura 2: Lista de episódios da série Grace and Frankie

Ao selecionar um episódio da série, imediatamente o usuário é direcionado ao início do capítulo. Desde 2012, a Netflix criou a função post-play, um recurso voltado para a reprodução automática de um novo episódio. Assim que o capítulo selecionado é finalizado e se inicia a exibição dos créditos de produção daquele episódio, um algoritmo determina que aquele costuma ser o momento em que os usuários anteriores clicaram para sair daquela exibição e buscaram o próximo capítulo. Há versões da plataforma, como em smart TVs, que o post-play aparece como um pop-up em que são exibidas imagens do próximo episódio; em notebooks, o

post-play aparece como uma caixa vermelha no canto inferior direito da tela. Automaticamente,

um contador regressivo tem início para a apresentação do próximo episódio, determinando seu início entre 15 e 5 segundos. Segundo Camila Saccomori (2016, p. 87), o post-play “abrevia radicalmente o processo decisório de ‘seguir adiante’ na narrativa. Envolvido pela trama, o espectador conta com a facilidade tecnológica para consumir um conteúdo que, em épocas anteriores, seria experimentado de outra forma”. Uma das consequências do post-play apontadas por Saccomori e outros estudiosos da plataforma é que esse recurso é fundamental para que os espectadores assistam a episódios sem pausa ou realizem o binge-watching (ver item 3.3).

Figura 3: Função post-play

Fonte: Netflix.com

Outra função da plataforma é o chamado resume playback, em que o usuário pode paralisar o produto que está assistindo a qualquer momento e o sistema memoriza exatamente o momento em que o usuário parou de assistir ao vídeo. Quando o mesmo título é acessado

novamente, ele pode continuar do mesmo ponto que parou anteriormente. Essa memorização funciona em todos os dispositivos, por conseguinte, é possível iniciar um título no smartphone e depois continuá-lo horas depois no computador. Desde 2016, é possível baixar títulos disponíveis na plataforma e assisti-los sem necessitar de conexão com a internet. Dessa forma, o usuário pode continuar a assistir conteúdo off-line, sem utilizar os dados de seu plano de internet ou em locais em que a conexão é limitada. O recurso está disponível para smartphones,

tablets e computadores. No caso dos celulares Apple, o serviço está disponível a partir do

sistema iOS 9.0; para celulares Android, o sistema precisa ser 4.4.2 ou superior. No caso de notebooks, esse recurso está presente apenas para Windows 10. Não estão disponíveis para

download, no entanto, todos os títulos do catálogo e é possível armazenar atualmente até 100

títulos simultaneamente em um único aparelho. Em 2017, o serviço lançou o botão “pular abertura”, em que o usuário pode pular os créditos iniciais para ir direto ao episódio.

A maior parte dessas funcionalidades da Netflix está ligada à inteligência algorítmica da plataforma, que sugere uma navegação personalizada e amigável e uma divisão de conteúdo que segue gêneros e avaliações de usuários. Para Massarolo e Mesquita (2016), os algoritmos sugerem produções compatíveis com o gosto do assinante devido à dedicação da plataforma para a criação de um sistema que faz recomendações a partir da geração de palavras-chave atribuídas manualmente aos títulos. O sistema de algoritmos também entende e analisa as “pegadas digitais” deixadas por cada assinante – é por conta dessa inteligência que, em muitos casos, o sistema automaticamente “pula” vinhetas ou recapitulações do tipo “no capítulo anterior”, uma vez que percebe que o assinante está assistindo um episódio atrás do outro e se lembra com clareza do que acabou de acontecer.

Em 2015, Carlos Gomez-Uribe, ex-vice-presidente de Product Innovation da Netflix, e Neil Hunt, ex-Chief Product Officer da companhia, produzem um artigo e explicam que a plataforma utiliza uma série de algoritmos de recomendação com o objetivo de ajudar os assinantes a encontrarem produções seguindo suas preferências. Em um catálogo extenso como o da Netflix, pesquisas de mercado indicam que um assinante costuma perder o interesse após usar 60 a 90 segundos para escolher um título. Calcula-se que durante esse período o usuário olhou entre 10 e 20 títulos. Assim, para impedi-lo de abandonar o serviço e escolher outra alternativa de entretenimento, esse conjunto de algoritmos que compõe o sistema de recomendação deve oferecer títulos interessantes ao usuário na primeira tela da plataforma.

Desde a fundação da Netflix, Hastings confia em equipes de matemáticos para desenhar os algoritmos, e essa equipe chegou a ter até mais importância do que o time editorial (KEATING, 2013, p. 61). Até 2015, a avaliação dos usuários sobre cada título era representada

por estrelas, e o sistema de recomendação confiava nesses ratings para sugerir títulos semelhantes e personalizar a experiência do assinante. Porém, em busca de mudanças e individualizações ainda mais profundas, a plataforma cria, em outubro de 2006, o Netflix Prize (KEATING, 2013; HALLINAN, STRIPHAS, 2014). O desafio convidava grupos e startups a auxiliar o entendimento dos algoritmos de recomendação no momento da migração das vendas de DVDs para o instant streaming. Para aquele que conseguisse melhorar os resultados dos algoritmos em 10%, o prêmio prometia US$ 1 milhão. Um ano depois, o prêmio foi dado ao time BellKor’s Pragmatic Chaos, que aprimorou o sistema em 10,06%. Atualmente, a Netflix realiza a coleta e o processamento de todo tipo de informação a respeito da navegação e da interação dos usuários com a plataforma, possibilitando a oferta de séries e filmes totalmente personalizados para cada perfil.

Esses dados e as experiências realizadas para melhorar o produto Netflix nos ensinaram que há formas muito melhores de ajudar as pessoas encontrarem vídeos para assistir do que focando somente em classificações previsíveis de estrelas. Agora, nosso sistema de recomendações consiste em uma variedade de algoritmos que definem em conjunto a experiência Netflix, os quais se mostram, em sua maioria, em nossa homepage. Essa é a primeira página que os membros da Netflix veem ao se conectarem aos seus perfis Netflix em qualquer dispositivo (TV, tablet, telefone ou browser) – e é onde se dá a principal apresentação de nossas recomendações, onde duas de cada três horas de conteúdo exibidas na Netflix é descoberta65 (GOMEZ-URIBE, HUNT,

2015, p. 2).

Gomez-Uribe e Hunt (2015) detalham alguns dos algoritmos presentes no sistema de recomendação: Personalized Video Ranker (PVR), que alinha o catálogo da plataforma de acordo com as preferências do perfil; Top-N Video Ranker, que exibe os melhores títulos do catálogo que se encaixam no perfil do usuário; Trending Now, que reúne filmes que a plataforma sabe que serão assistidos em épocas do ano específicas (como o Natal) ou diante de acontecimentos particulares (documentários sobre política próximo a eleições, por exemplo);

Continue Watching, que soma os títulos recentemente assistidos, abandonados ou concluídos; Video-Video Similarity, que traz títulos similares; e outros como Evidence, Related Work e Search, que compõem o sistema.

65 “These data and our resulting experiences improving the Netflix product have taught us that there are much

better ways to help people find videos to watch than focusing only on those with a high predicted star rating. Now, our recommender system consists of a variety of algorithms that collectively define the Netflix experience, most of which come together on the Netflix homepage. This is the first page that a Netflix member sees upon logging onto one’s Netflix profile on any device (TV, tablet, phone, or browser) — it is the main presentation of recommendations, where 2 of every 3 hours streamed on Netflix are discovered”.

Ainda segundo os autores, a Netflix economiza mais de um bilhão de dólares anualmente com a combinação de big data, algoritmos de recomendação e, consequentemente, personalização da plataforma. Para Gomez-Uribe e Hunt (2015), essa economia advém da queda do número de cancelamentos de assinaturas e também da menor necessidade de captar novos membros para substituir aqueles que abandonaram o serviço. Segundo Keating (2013) e Halinan e Striphas (2014), a combinação acima não só ajuda a Netflix a engajar sua audiência e personalizar o serviço, mas também a escolher o que será produzido ou quais títulos já conhecidos devem ser adicionados ao catálogo. Assim se deu a produção de uma nova temporada da série Arrested Development, produto inicialmente feito pela FOX, e da produção original House of Cards. Halinan e Striphas recordam que a Netflix reuniu as informações geradas por seu extenso banco há mais de dez anos para sugerir o produto House of Cards.

[...] utilizando seus algoritmos para determinar se há uma audiência presente para uma combinação de “David Fincher”, seu “estilo”, a coleção de gêneros com os quais ele já trabalhou, “Kevin Spacey”, o gênero específico de thriller político, e por aí vai. (...) A Netflix se movimenta de uma massa indiferente para um aglomerado de microaudiências altamente diferenciadas66

(HALINAN, STRIPHAS, 2014, p. 128).

Conforme Keating ressalta, todo esse cruzamento de dados indica o que pode ser produzido, mas não se o título se tornará um sucesso. Nesse caso específico, “em menos de um mês após sua estreia, House of Cards se tornou a série mais vista na plataforma” (KEATING, 2013, p. 263). A Netflix também não está de olho apenas no comportamento da audiência dentro da plataforma. Em entrevista à Folha de S. Paulo em maio de 2013, Reed Hastings afirmou que a empresa tem grande interesse no conteúdo que é mal distribuído. “Com muita frequência, nós vamos atrás daquilo que as pessoas procuram nas redes de pirataria, como o BitTorrent. A pirataria é um indicador de demandas não atendidas”67, disse o CEO da plataforma.

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