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Tempo e espaço

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CAPÍTULO II – NARRATIVA SERIADA FICCIONAL NA TELEVISÃO

2.3 Recursos narrativos da ficção televisual

2.3.2 Tempo e espaço

Sobre o tempo nas narrativas audiovisuais, autores como Marcel Martin (2003) e André Gaudreault (2009) ponderam que elas lidam com mais de uma temporalidade, pois há sempre três camadas de tempo: um relativo à diegese ou da ação, isto é, da história que está sendo contada; o da projeção, correspondente à duração do produto audiovisual (que difere, claro, da temporalidade da diegese); e o tempo da percepção do público, que é arbitrário e subjetivo porque depende de cada espectador. Para Gaudreault (2009, p. 139), como a narrativa cinematográfica é considerada uma dupla narrativa, pois trabalha imagens e falas, sua ordem temporal é complexa, combinando o que os atores representam visualmente e o que o narrador relata verbalmente. Com o objetivo de trabalhar essa noção complexa, segundo Marcel Martin (2003), de posse da câmera, o cineasta passa a dominar o tempo, podendo retardá-lo ou acelerá- lo, assim como invertê-lo ou paralisá-lo durante a narrativa.

Marcel Martin (2003) explica que o conceito de tempo nas narrativas audiovisuais implica a noção de data e de duração. A data pode ser indicada por meio de letreiros colocados durante o vídeo, pela presença de calendários, pelo aparecimento de eventos sociais ou até mesmo pela estação do ano ou maneira de vestir dos personagens. A duração, no entanto, exige um processo mais sutil, podendo indicar o escoamento do tempo, ou seja, o tempo que passa, ou uma duração indeterminada, em que o diretor não explicita o tempo transcorrido da narrativa. O autor ressalta ainda que o tempo tem como função, dentre outras, a de estruturar a narrativa cinematográfica, enquanto o espaço funciona como um “quadro de referência, secundário e anexo” (MARTIN, 2003, p. 221). Porém, mesmo assim, o espaço e o tempo acabam por se interligar nas narrativas e “se encontram intimamente ligados num continuum” (MARTIN,

30 The narrative logic of this sequence sets up the key season-long story arcs, establishes the program’s erotetic narration, and

guarantees that these arcs will not dangle unanswered. As Veronica’s final monologue asserts, “I promise this: I will find out what really happened, and I will bring this family back together again,” a statement that serves also to assure viewers that these questions do have answers that will be revealed in due time and will deliver emotionally satisfying resolutions, at least as long as the network allows the series to continue to air.

2003, p. 220). Mittell (2012, 2015) aponta que a complexidade narrativa das séries contemporâneas caracteriza-se também pela presença de temporalidades e dimensões paralelas durante a mesma trama, o que configura uma concepção espaço-temporal não convencional e intrincada. Twin Peaks, por exemplo, é um dos primeiros modelos desse tipo de concepção na TV ao unir universos paralelos, mundo onírico/sobrenatural e viagens no tempo junto com o “tempo real” da diegese.

O tempo é empregado de diversas formas para a construção narrativa audiovisual. O “tempo condensado”, explica Marcel Martin (2003), é o mais utilizado na programação textual do cinema pois é necessário quase sempre espremer os acontecimentos da história para produzir um longa-metragem. Já o “tempo respeitado” é escolhido quando o desenrolar cronológico da narrativa é o mesmo da realidade, como ações de um produto audiovisual que apresentam duração idêntica se ocorridas no real. “O tempo abolido”, por sua vez, aposta em concepções audaciosas da temporalidade, podendo explorar múltiplas temporalidades (ou dimensões de tempo) em uma mesma narrativa ou investir na coexistência de realidades diferentes em um mesmo espaço. Finalmente, o “tempo revertido” é baseado no retorno ao passado, técnica bastante utilizada na literatura.

Com o uso de flashbacks, o tempo revertido costuma, de acordo com Marcel Martin (2003), representar razões estéticas, dramáticas, psicológicas ou sociais na narrativa. Já para Bordwell (2005), a versão clássica do flashback é sempre reveladora, pois seu uso costuma evidenciar o que os personagens sabem. Por ser um recurso que interrompe a ordem cronológica da narrativa, deve ser utilizado com cuidado, pois pode confundir a audiência. Para Campos (2009), uma trama que não explica devidamente que está inserindo um flashback pode fazer com que o espectador se disperse e desista da narrativa.

O flashback cria, portanto, uma temporalidade autônoma, interior, maleável,

densa e dramatizada, que oferece à ação um acréscimo de unidade de tom e

permite, com a maior naturalidade, a introdução do relato subjetivo em primeira pessoa, porta de entrada para domínios psicológicos de grande riqueza e prestígio (MARTIN, 2003, p. 235).

É possível ainda que as produções utilizem o flashforward, ou acontecimentos no futuro, com o objetivo de mostrar a intuição e/ou um raciocínio indutivo de um personagem. Para Campos (2009) e Gaudreault (2009), o avanço no tempo costuma expressar a subjetividade de um personagem, pode antecipar um acontecimento histórico de maneira mais ou menos explícita e criar expectativa na audiência. Ao explorar imagens antecipadas em relação ao seu lugar na cronologia, sugere questões sobre como ou o porquê da situação atual da narrativa.

Lost é um dos mais frequentes exemplos usados por estudiosos para representação do uso

complexo de flashbacks e flashforwards, além de flash-sideways, em sua estrutura narrativa. No último episódio da terceira temporada (“Through the looking glass”), o espectador acredita estar acompanhando um flashback da história do personagem Jack até que, na última cena, descobre-se que todo o capítulo se trata de um flashforward. Para Mittell (2010a, p. 97), essa estratégia temporal complexa funciona por conta das normas intrínsecas da série que já estão ativadas em nossas mentes, “estabelecidas ao longo de dezenas de episódios ao longo de três temporadas, destacando o importante papel que a memória formal possui dentro da narrativa serial”31.

Marcel Martin (2003) ressalta que alguns aspectos técnicos são usuais para denunciar o

flashback. Esse recurso pode ser acionado por meio do travelling para frente, que indica a

passagem para o interior do personagem, e pela fusão, em que imagens do presente se fundem com imagens do passado. Nesse último caso, é comum que as narrativas escolham gatilhos para desencadear o uso do flashback, como quando os personagens entram em contato com espelhos, retratos, fotografias ou objetos que tenham alguma relação com sua história. Essa transição visual geralmente é acompanhada por uma trilha sonora, seja uma música, uma multiplicação de sons ou uma distorção do som. Algumas dessas mesmas técnicas visuais podem ser aplicadas à introdução do flashforward.

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