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TV a cabo, controle remoto e videocassete

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CAPÍTULO I – TELEVISÃO: RECEPÇÃO, BROADCASTING E STREAMING

1.4 TV a cabo, controle remoto e videocassete

14 “least objectionable programing”.

As ideias clássicas de fluxo e de grade de programação se mantiveram como norma do

broadcasting até os anos 1970. Porém, a partir da década de 1980, a indústria da televisão norte-

americana deu início a um período de vinte anos de mudanças graduais em relação à produção e à recepção do meio. Categorizado como TV II por Reeves, Rogers e Epstein (2006, 2007) e como Multi-channel Transition (transição multicanal, em tradução livre) por Lotz (2014), esse período temporal entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1990 foi marcado pela naturalização da lógica televisiva para nichos. Se na Network Era os telespectadores eram obrigados a selecionar conteúdos distribuídos essencialmente pelas três grandes redes norte- americanas, já que as emissoras educacionais do país ainda estavam no início, a Multi-channel

Transition Era abriu portas para novas emissoras na TV aberta e para os primeiros canais do

sistema de televisão a cabo como a rede broadcast FOX (1986), os canais de televisão a cabo USA Network (1971) e TNT (1988) e as redes premium a cabo HBO (1972) e Showtime (1976), entre outros.

Para a produção de TV, a estrutura multicanal promoveu mudanças no equilíbrio do oligopólio das três grandes redes norte-americanas e deu impulso para o aumento da competitividade da indústria, fosse economicamente ou quanto ao conteúdo exibido. Se nos anos anteriores a grade era montada a partir da programação menos censurável para as famílias que assistiam aos programas juntos em um mesmo ambiente, o aumento da oferta de emissoras e canais possibilitou que a programação fosse pensada para satisfazer membros específicos da audiência – constatação que corrobora com as críticas de Machado (2000) já abordadas aqui sobre o conceito de fluxo que empastelaria a produção televisiva e olharia a audiência como um caldo amorfo. Tanto Reeves, Rogers e Epstein (2006, 2007) quanto Lotz (2014) ressaltam a busca crescente dos canais por audiências de nicho. É nesse cenário que surgem outros canais como a CNN (Cable News Network), fundada em 1980, especializada em notícias nacionais e internacionais, e a MTV (Music Television), datada de 1981 e voltada para cultura jovem.

Esse movimento também foi analisado por Wolton (1996) ao contrapor duas ideias: a televisão generalista, “de massa”, e a televisão fragmentada, que atende aos nichos. Para Wolton, o conceito de fragmentação é a ideia da programação levada ao limite, pois busca atender ofertas e demandas diversas, reflexo também da própria individualização da sociedade. O autor atribuiu à televisão fragmentada quatro causas: a existência de novas tecnologias como o cabo, os satélites, os receptores e a interatividade; a existência de públicos ou demandas plurais, em nome do princípio básico da liberdade individual; a existência de uma cultura audiovisual de massa; e o desgaste da televisão generalista, responsável pelo sucesso do modelo televisivo, mas que não soube, segundo ele, avançar e diversificar suas propostas de acordo

com o que o público desejava. Em suma, Wolton entende que a televisão generalista aposta no tradicional e na fácil identificação coletiva, mas a TV fragmentada ou temática oferta ao público inovação e liberdade individual.

Quanto mais sabemos quem assiste a quê, a que horas e, talvez futuramente, por que razão, e com qual “grau de satisfação”, como dizem os psicossociólogos, mais temos a sensação de que televisão de massa era a forma arcaica de uma técnica de comunicação que com o tempo sofisticou-se, surgindo o reino da individualização e da fragmentação perfeitamente sincrônicos com a afinação do ideal democrático (WOLTON, 1996, p. 110).

Ainda nesse sentido, Lotz (2014) corrobora a ideia de Wolton ao falar da fragmentação da audiência, mas destaca também sua polarização – a autora apresenta o conceito de polarização como a “capacidade de diferentes grupos de espectadores consumirem substancialmente diferentes programações e ideias, ao invés de simplesmente dispersar as audiências”15 (LOTZ, 2014, pos. 704).

Todavia, as novas emissoras e redes não estão isoladas como grandes características desse período temporal para a televisão. Além da popularização do controle remoto, a Multi-

channel Transition Era foi representada ainda pelo videocassete. Embora inventado na década

de 1950, o controle remoto se consolidou como tecnologia acessível e transformadora de fato a partir do fim dos anos 1970. Seu uso pelos telespectadores criou o chamado efeito zapping. Segundo Machado (2000), esse fenômeno ajudou a promover uma recepção seja cada vez mais fragmentada e heterogênea. Com a criação do controle remoto, esse embaralhamento dos canais fez com que nenhum programa fosse visto de maneira completa, que as histórias não fossem acompanhadas da mesma maneira e que, de certa maneira, realidade e ficção podiam se misturar. A partir desse fenômeno, autores como Machado (2000) e Esquenazi (2011) questionam a recepção televisiva fora desse tal fluxo planejado descrito por Williams (2016). Para Esquenazi (2011), o contexto descontínuo da televisão permite que o espectador escolha o que deseja ver, produzindo cortes na programação. No entanto, o próprio Williams pontuou que essa liberdade de escolha era irreal, pois o espectador, ainda assim, era obrigado a respeitar a programação.

O videocassete, também conhecido como VCR (Video Cassette Recorder), foi introduzido no mercado em 1971 com o modelo U-matic da empresa Sony, mas se tornou popular quando a marca japonesa JVC lançou em 1976 o Video Home System, o VHS, com

15 “[…] polarization refers to the ability of different groups of viewers to consume substantially different

preço acessível ao mercado16. O aparelho começou a ganhar os lares norte-americanos no final da década de 1970 e possibilitou que o telespectador flexibilizasse a assistência da programação estabelecida pelos canais, gravando programas e os assistindo posteriormente no momento mais conveniente, fora do modelo tradicional da linearidade. Essa tecnologia ainda que os telespectadores modificassem a experiência do “ao vivo” na TV, do tempo presente, uma de suas grandes características, segundo Machado (2000). O autor ressalta que a TV desenvolveu seu repertório básico de recursos quando ainda realizava todas as transmissões no ao vivo. “De fato, a operação em tempo presente constitui a principal novidade introduzida pela televisão dentro do campo das imagens técnicas” (MACHADO, 2000, p. 125).

Para Lotz (2014), a difusão do controle remoto e do videocassete estavam complexamente inter-relacionados, visto que os telespectadores não precisavam trocar seus antigos televisores por novos aparelhos para poderem obter o controle remoto, muitos que adquiriram receptores a cabo ou videocassetes já recebiam um controle remoto simultaneamente. Ao mesmo tempo, a quantidade de novos canais e as capacidades do videocassete expandiram a necessidade dos telespectadores de comprarem um controle remoto. No Brasil, tanto o controle remoto quanto o videocassete chegaram ao mercado em período semelhante ao dos Estados Unidos, ganhando popularidade nas residências durante a década de 1980. Entretanto, a abertura de novos canais para a audiência de nicho somente foi iniciada na década seguinte com os primeiros serviços de TV por assinatura. No início dos anos 1990, as Organizações Globo criaram a Globosat, enquanto o Grupo Abril criou a TVA. Contudo, o setor de TV a cabo só pode se desenvolver a partir da aprovação da Lei do Cabo, de 6 de janeiro de 1995 (BRITTOS, 1999).

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