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Século XXI: streaming e plataformas de OTT

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CAPÍTULO I – TELEVISÃO: RECEPÇÃO, BROADCASTING E STREAMING

1.5 Século XXI: streaming e plataformas de OTT

Se nos primeiros 40 anos da televisão o sistema de broadcast conseguiu levar os mesmos programas a milhões de pessoas nos Estados Unidos, a proliferação de emissoras e canais a cabo a partir da década de 1980 deu início às audiências de nicho e à fragmentação da programação. A fase analógica da televisão, até então, fez com que a grande audiência permanecesse sob controle das grandes emissoras. Contudo, em meados dos anos 1990, a

16 Para Lucia Santaella (2003), o surgimento de novas formas de consumo cultural propiciadas por tecnologias

como videocassetes, fotocopiadoras, videoclipes, controle remoto e TV a cabo, por exemplo, acabou por dificultar as distinções claras entre a cultura popular, a cultura erudita e a cultura de massa. Segundo Santaella (2003, p. 52), são “as tecnologias do disponível e do descartável”, que ajudam a instaurar a chamada cultura das mídias, distinta da cultura de massa tradicional.

evolução digital elevou quase ao infinito as possibilidades de personalização e da assistência fora da linearidade clássica da grade de programação.

A chamada Post-Network Era por Lotz (2014) ou TV III por Reeves, Rogers e Epstein (2006, 2007) reconhece a importância de romper com a dominância das grandes redes de TV e iniciar uma experiência ainda mais fragmentada e ao gosto do público que pode escolher o que assistir, onde assistir e como assistir. As emissoras tradicionais e os canais a cabo continuam presentes entre as opções de assistência para a audiência, mas a emergência das tecnologias digitais possibilita que a sociedade “veja TV” por meio da internet e de plataformas de conteúdo que funcionam não só como produtoras de conteúdo original, mas também como repositórios de produtos anteriormente veiculados no broadcasting ou no cinema.

Segundo Lotz (2014), no fim da década de 1990 não havia mais um único modo de se ver televisão ou da audiência se comportar perante a programação proposta pelas emissoras. As locadoras de VHS já eram bastante procuradas na década anterior, mas a criação do DVD (Digital Video Disc) em 1996 impulsionou empresas como a Blockbuster como mais uma fonte de arquivo de produtos audiovisuais que poderiam ser assistidos a qualquer momento mediante aluguel. O sucesso dos boxes de DVD de séries também permitia que o público acompanhasse temporadas completas dessas produções no momento mais conveniente. E com a explosão da internet e dos aparatos tecnológicos a partir do século XXI como os computadores portáteis, o

smartphone, a smart TV, os videogames conectados à internet e os tablets, a sociedade começa

a ter acesso a novas estruturas e dispositivos, assim como novas possibilidades de circulação de informações.

A Internet tem tido um índice de penetração mais veloz do que qualquer outro meio de comunicação na história: nos Estados Unidos, o rádio levou 30 anos para chegar até 60 milhões de pessoas; a TV alcançou esse índice de difusão em 15 anos; a Internet o fez apenas três anos após a criação da teia mundial (CASTELLS, 1999, p. 439).

É importante lembrarmos que essa conclusão de Castells (1999) corrobora com os panoramas apresentados por Lotz (2014) sobre a Post-Network Era, mas dizem respeito ao mercado norte-americano. No Brasil, apesar de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicarem uma explosão no acesso à internet nos domicílios entre 2005 e 2015 – número que saltou de 7,2 milhões para 39,3 milhões, um crescimento de cerca de 446%

(SANTOS, 2018)17 –, o país possui 59% de usuários conectados, segundo os dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT) (AGÊNCIA BRASIL, 2017)18. O mesmo estudo mostrou que esse número passa para 76% quando são considerados os usuários conectados nos Estados Unidos.

A expansão da internet foi uma das principais razões para que as tecnologias streaming,

Over the top (OTT) e VOD (vídeo on demand) fossem desenvolvidas, possibilitando a

distribuição e o consumo de produções audiovisuais fora da linearidade do fluxo televisivo. O

streaming permitiu que fosse iniciada uma aproximação entre a indústria do audiovisual e as

empresas de tecnologia para ampliação do acesso a esses conteúdos por meio de plataformas de distribuição on-line. Ao refletir sobre a importância do horário nobre para a televisão norte- americana, em especial do ponto de vista econômico, Nicholas Negroponte (1995) já alertava para as consequências de conteúdo televisivo “transmitido sob a forma de dados e contendo uma descrição de si próprio que um computador possa ler. Você poderia gravar tais programas orientando-se por seu conteúdo, e não pela hora, dia ou canal em que eles passam" (NEGROPONTE, 1995, p. 23). Essa é a premissa apresentada pelo vídeo sob demanda, representante do que Negroponte chama de modelo narrowcasting (difusão restrita), um contraponto ao broadcasting.

A possibilidade de se assistir a conteúdos sob demanda por diversos aparatos tecnológicos também promoveu que os produtos televisivos pudessem ser consumidos fora das residências – a mobilidade é também uma forte característica desse período. O espectador do século XXI não quer apenas múltiplas opções e controle sobre suas escolhas, mas também mobilidade, transitando entre multitelas, conforme detalham Lipovetsky e Serroy (2009).

Por muito tempo a tela de cinema foi a única e a incomparável; agora ela se funde numa galáxia cujas dimensões são infinitas: chegamos à época da tela global. Tela em todo lugar e a todo momento, nas lojas e nos aeroportos, nos restaurantes e bares, no metrô, nos carros e nos aviões; tela de todas as dimensões, tela plana, tela cheia e mini-tela portátil; tela sobre nós, tela que carregamos conosco; tela para ver e fazer tudo. Tela de vídeo, tela em miniatura, tela gráfica, tela nômade, tela tátil: o século que começa é o da tela onipresente e multiforme, planetária e multi-midiática (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, p. 12).

17 https://exame.abril.com.br/brasil/apesar-de-expansao-acesso-a-internet-no-brasil-ainda-e-baixo/ Acesso em: 20

out. 2018.

18 https://exame.abril.com.br/tecnologia/brasil-e-o-4o-pais-em-numero-de-usuarios-de-internet/ Acesso em: 20

É nesse contexto que assistimos ao desenvolvimento da chamada cultura da convergência, teorizada por Jenkins (2009), um movimento que vai muito além das mudanças tecnológicas e altera a relação estabelecida não só entre as tecnologias, mas também entre todos os atores do sistema, como a indústria, o mercado e o público. “A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento” (JENKINS, 2009, p. 43). Como provas dessa alteração, Lotz (2014, pos. 747- 755) cita as tecnologias que permitem controle maior sobre a relação dos telespectadores com a programação televisiva; múltiplas opções de financiamento para novas produções; mais oportunidades para o surgimento e distribuição de produções amadoras, em especial o compartilhamento de vídeo; estratégias de publicidade como o merchandising e o marketing indireto e novos modelos econômicos como o pagamento de assinaturas (subscription

payment).

A questão da programação exibida em multitelas (e também mini-telas como os smartphones) também é abordada por Lotz (2014, pos. 1342), que aponta para a significância da TV mesmo diante das tecnologias digitais. No entanto, a autora reforça que esse novo tipo de distribuição e exibição exigiu que estúdios e distribuidores pensassem em novos formatos.

O aumento da fracionalização do público entre programas, canais e dispositivos de distribuição diminuiu a capacidade de uma rede de televisão ou programa de televisão individual de reforçar um certo conjunto de crenças para um público amplo da maneira que acreditávamos há tempos. Embora a televisão ainda possa funcionar como um meio de comunicação de massa, na maioria dos casos, ela faz isso agregando uma coleção de audiências de nicho19 (LOTZ, 2014, pos. 864).

Toda essa conjuntura possibilitou e impulsionou a criação de duas das plataformas de

streaming mais populares na contemporaneidade: YouTube e Netflix. Fundado em 2005, o

YouTube é uma plataforma de compartilhamento de vídeos desenvolvida pela Google que ganhou notoriedade pela divulgação de conteúdos amadores e de curta duração. Embora seu foco principal esteja na gratuidade, a plataforma oferece canais pagos mediante assinatura mensal desde 2013.

A Netflix, por sua vez, foi fundada em 1997 como um serviço de aluguel de DVDs e que migrou para o on-line em 2007. Desde 2010, a empresa atua somente no streaming e passou

19 “The increased fractionalization of the audience among shows, channels, and distribution devices has diminished

the ability of an individual television network or television show to reinforce a certain set of beliefs to a broad audience in the manner we long believed to occur. Although television can still function as a mass medium, in most cases it does so by aggregating a collection of niche audiences”.

a disponibilizar filmes, séries e outros produtos audiovisuais por um modelo de assinatura mensal. Seu grande diferencial estava no vasto catálogo de produções, especialmente de obras completas de seriados, o que só estava ao alcance no passado por meio da compra de coletâneas de DVDs ou da gravação de episódios transmitidos pela televisão. Desde 2012, atua como produtora audiovisual de séries, documentários e longas-metragens.

Mesmo que disponibilize produtos feitos por empresas do ramo da televisão, a Netflix não é um negócio pertencente à rede de broadcasting, o que lhe possibilita romper facilmente com a lógica de exibição e distribuição realizada pelos canais de televisão. Presente no

streaming, ela não possui grade de programação nem deve respeitar o fluxo televisivo, seu

catálogo pode ser acessado a qualquer momento, hora ou dia pelo usuário de sua plataforma. A Netflix também não admite intervalos publicitários, portanto, o catálogo pode ser visualizado sem interrupções. E finalmente, no caso de suas produções originais, a empresa inaugurou o

binge-publishing, estratégia de distribuição de produções em que disponibiliza todos os

episódios das temporadas de suas séries originais de uma só vez. A criação, desenvolvimento e modos de produção da Netflix serão retomados no capítulo 3.

CAPÍTULO II – NARRATIVA SERIADA FICCIONAL NA

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