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Recapitulações

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CAPÍTULO II – NARRATIVA SERIADA FICCIONAL NA TELEVISÃO

2.3 Recursos narrativos da ficção televisual

2.3.5 Recapitulações

Feita para interrupções e para a retomada, a dramaturgia televisiva usa da repetição e até da redundância para acionar constantemente a memória da audiência, de acordo com Pallottini (2012). Nesse sentido, a autora destaca que informações importantes não podem ser dadas apenas uma vez na narrativa televisiva, durante uma única cena. “Essa informação tem de ser periodicamente representada, resumida ou acrescida de novos detalhes” (PALLOTTINI,

34 “Obviamente, las elipsis dejan lagunas que pueden ser permanentes o temporales, enfocadas o difusas,

destacadas o suprimidas. Las elipsis, frecuentemente, funcionan en contra de la dilación – se salta sobre el tiempo para llegar al siguiente momento importante –, y así una narración altamente elíptica podría requerir complicadas líneas argumentales para retrasar la acción. Si el período omitido contiene información significativa, la elipsis puede crear una narración supresiva que configure nuestra actividad de formación de hipótesis”.

2012, p. 57). Assim, a narrativa seriada na TV também é caracterizada pelas recapitulações (MITTELL, 2010a; VAN EDE, 2015). Segundo Van Ede (2015), elas dão sentido aos ganchos, questões, mistérios e pontos de virada das ficções seriadas e são essenciais para que o espectador entenda a narrativa por completo. Van Ede defende que as “recapitulações na narrativa seriada da televisão precisam acomodar espectadores novos e esporádicos, além dos espectadores regulares35” (2015, p. 17).

Contudo, é preciso usar esse recurso com cuidado, pois deve-se satisfazer e não aborrecer espectadores, esclarecendo partes da narrativa, mas não repetindo informações à exaustão. Mittell (2010a) lembra que os espectadores dificilmente conseguem se dedicar à programação televisiva para acompanhar todos os episódios exibidos, então, a utilização de recapitulações é ideal para engajar espectadores erráticos, principalmente aqueles que perdem um ou mais capítulos da narrativa.

Van Ede explica que há dois tipos de recapitulações: as paratextuais, aquelas que acabam por repetir informações do texto, como o quadro “no capítulo anterior”, a vinheta de abertura da série e episódios de recapitulação/compilação; e as diegéticas, que têm a mesma função, mas costumam ser realizadas por meio de diálogos entre os personagens, uso de

flashbacks, sugestões visuais ou trechos de episódios anteriores no meio do capítulo atual (VAN

EDE, 2015, p. 19-25).

Dentre as recapitulações paratextuais, o uso de breves resumos antes do início da exibição do novo episódio é bastante comum. O recurso “no capítulo anterior”, em que são apresentados os principais acontecimentos do último episódio exibido, não é a única técnica de resumos utilizadas nas narrativas seriadas – há a transmissão também de resumos de diversos acontecimentos exibidos durante toda a temporada antes da apresentação do último capítulo, estratégia usada, por exemplo, na série Dexter (Showtime, 2006-2013), em que todos os assassinatos cometidos pelo personagem principal e pistas do grande mistério da temporada são resumidos em um breve clipe com curta duração, deixando a audiência inteirada da narrativa composta por 12 episódios. Mittell (2010a) defende ainda que as vinhetas podem ser estratégias interessantes para acionar a memória do público, compostas apenas pelo nome da série (caso de Lost e Breaking Bad) ou por uma sequência de cenas já transmitidas (Friends). As recapitulações paratextuais podem ser representadas ainda pelas reprises dos episódios, estratégia popular dos canais de TV por assinatura, ou pelos episódios de compilação, que reúnem cenas que já fizeram parte de outros episódios da narrativa.

35 “...recaps in serial narrative television have to accommodate new or sporadic viewers, in addition to regular

Mittell (2010a) defende ainda que as vinhetas podem ser estratégias interessantes para acionar a memória do público, compostas apenas pelo nome da série (caso de Lost e Breaking

Bad) ou por uma sequência de cenas já transmitidas (Friends). Sobre vinhetas, costumeiramente

há três tipos de inserções: a de abertura, descritas anteriores, as de passagem e as de encerramento. As vinhetas de passagem, ou conhecidas por “estamos apresentando” e “voltamos a apresentar”, são inseridas para segmentar o episódio em blocos e, portanto, são consequências do fluxo televisivo. Elas estão lá para lembrar que o espectador deve retornar à narrativa após o intervalo comercial ou pode se manter no canal para continuar a narrativa. Já a vinheta de encerramento, em que são descritos os créditos de produção e execução das séries, assim como a vinheta de abertura, funciona para separar a produção da programação televisiva. Para Jaqueline Schiavoni (2015, p. 85), o uso da vinheta como evento estético tem como missão o encantamento, não a tensão, “recondicionando o sujeito diante da tela, dando-lhe condições para que, ao retornar desse momento de suspensão, possa enfrentar novamente a sequencialidade do fluxo”.

As recapitulações diegéticas, no entanto, apostam em gatilhos mais sutis para acionar a memória da audiência. Para que o público compreenda a narrativa e mantenha na memória personagens e ações importantes da trama, autores utilizam diálogos quase didáticos, em que personagens relembram acontecimentos e repetem as ligações e conclusões da história (MITTELL, 2010a). A utilização de sugestões visuais como objetos específicos e cenários também é popular, mas podem depender de um olhar mais apurado do espectador – um exemplo é a trompa azul que liga os personagens Ted e Robin na comédia How I Met Your Mother (CBS, 2005-2014). A técnica de voice-over, recurso encarado como preguiçoso por parte dos roteiristas por dar as informações facilmente ao espectador, também pode ser usada como uma recapitulação diegética em narrativas complexas. Em primeira pessoa, caso da série Veronica

Mars, a audiência acompanha as deduções e impressões da detetive e personagem principal. Já

nas séries The Twilight Zone e Pushing Daisies (Um Toque de Vida; ABC, 2007-2009), o voice-

over funciona como um narrador em terceira pessoa, onisciente. Por fim, a sitcom Arrested Development (Caindo na Real; FOX, 2003-2006; Netflix, 2013-presente) recorre a essa técnica

para preencher buracos da narrativa, fazendo com que a história avance.

O flashback, como já indicado no item 2.3.2, é o retorno ao passado. Na narrativa audiovisual, pode ser usado para repetir alguma cena já exibida, com o objetivo de ativar a memória do público, ou para apresentar uma informação do passado interessante para a história (MARTIN, 2003; BORDWELL, 2005; CAMPOS, 2009; GAUDREAULT, 2009; MITTELL, 2010a; VAN EDE, 2015; COMPARATO, 2016). Em geral, liga-se à narrativa por meio do

narrador ou de um personagem que tem uma lembrança ou faz uma associação de ideias. Mittell (2010a) e Comparato (2016) atribuem tipificações para o flashback como elemento agregador do universo diegético. O flashback evocado (COMPARATO, 2016) ou o subjetivo em primeira pessoa (MITTELL, 2010a) é aquele em que um personagem recorda o passado para explicar o presente; o tipo solicitado é usado quando um personagem percebe um acontecimento da história ao resgatar o passado, por exemplo, um crime; o tipo atípico mescla o evocado e o solicitado, utilizado geralmente como elemento surpresa; e o flashback dentro do

flashback, técnica mais ousada e complexa, pois pode promover confusão no espectador. Há

ainda o flashback usado como replay, muito comum nas transmissões de realities shows para que o público acompanhe a cronologia dos acontecimentos.

No próximo capítulo, a pesquisa introduz a era do on-demand, em que plataformas de conteúdo como a Netflix passam a disputar a atenção da audiência com a criação de narrativas seriadas de qualidade e, no caso do serviço em questão, lançadas de uma só vez e produzidas para que o público assista aos episódios um atrás do outro.

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