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MULTIMÍDIA Multi de

1.1.3 Gamificação, narrativa transmídia e os materiais didáticos

Apesar de constituírem dois conceitos distintos, é possível relacionarmos a gamificação e a narrativa transmídia. Se, por um lado, a gamificação utiliza-se de uma narrativa como elemento para motivar, envolver e promover o engajamento dos participantes, por outro, a narrativa transmídia promove imersão, pois um de seus principais pilares é a participação do público. Desse modo, um dos elementos que permite relacionar ambos os conceitos é a narrativa.

A integração das estratégias na elaboração de materiais didáticos pode potencializar suas possibilidades. A gamificação e a narrativa transmídia podem contribuir para que a proposta pedagógica seja mais significativa e que os alunos se relacionem com o material por meio de um universo narrativo significativo, criativo e referenciativo, com o objetivo de reforçar o protagonismo.

A gamificação tem sido utilizada para engajar e motivar os alunos, fazendo com que eles permaneçam em uma tarefa por um longo período de tempo e sintam-se conectados a ela, segundo McGonigal (2012). Lazzaro (2005) identificou que os usuários jogam principalmente pela experiência que essa estratégia proporciona, destacando as sensações, que podem ser semelhantes às dos jogos, dependendo da proposta, entre elas as de adrenalina, espírito de aventura, desafio mental etc.

Já o uso da narrativa transmídia pode ser complexo e dinâmico por promover a participação dos alunos por meio de sua estética multissemiótica, que promove a interação, a imersão e a identificação encarnada, proporcionando um terreno fértil para que eles possam explorar, experimentar e contribuir com a construção do universo da história.

Segundo Sharda (2010, apud GOSCIOLA, 2012), as propostas educativas e os materiais didáticos que envolvem o uso de narrativa transmídia podem potencializar aprendizagens, pois permitem a participação e o engajamento dos alunos em uma história ao mesmo tempo em que propõem atividades presentes em seus cotidianos, como, por exemplo, o trabalho colaborativo, a pesquisa e o compartilhamento de informações.

É importante reforçar que essas estratégias não propõem um modelo fechado, pois suas possibilidades são abertas. Também é relevante pensarmos que,

para que o processo de elaboração de materiais didáticos baseado nos princípios das lógicas da gamificação e da narrativa transmídia seja realmente eficiente, é preciso haver mediação e engajamento dos professores também.

De acordo com Fredricks, Blumenfeld e Paris (2004), podemos distinguir três definições para engajamento: o comportamental, o emocional e o cognitivo. O comportamental está relacionado com a participação e o envolvimento dos alunos com atividades escolares e extracurriculares, além de condutas positivas durante a resolução das atividades. Enquanto que o engajamento emocional envolve reações afetivas e emocionais diante de atividades, sujeitos e outros elementos que compõe o ambiente escolar. O cognitivo está relacionado com o investimento psicológico na aprendizagem e é marcado pelos níveis de compreensão que se podem atingir sobre determinado conteúdo ensinado.

Além de engajamento, a gamificação e a narrativa transmídia contribuem para o rompimento do modelo baseado na transmissão de conteúdos e com a inovação da educação por meio de uma mudança radical no sistema de ensino que possibilite o alinhamento da escola com a cultura digital e da convergência.

Mais especificamente em relação ao uso da gamificação na elaboração de materiais didáticos, para compreendermos um pouco mais suas possibilidades, vamos retomar alguns dos elementos de jogos segundo Kapp (2012), identificando quais deles possibilitam a aprendizagem e/ou a resolução de problemas. Comecemos pela abstração da realidade que, na maioria dos games, cria um modelo de realidade que pode ou não ter semelhança com o mundo real. Assim, é comum utilizar mundos fictícios, por exemplo.

Essa abstração tem suas vantagens, como, por exemplo, possibilitar experiências que não seriam possíveis na vida real, testar efeitos sem causar impactos desastrosos, remover fatores estranhos ou dispensáveis, como, por exemplo, ir ao hospital assim que o personagem se machucar, reduzir o tempo para entender um conceito ou processo, sem tê-la aprendido de verdade etc.

Entretanto, a abstração da realidade é diferente da narrativa. A abstração está relacionada a qualquer gênero de game, enquanto a narrativa é elaborada, utilizando uma ou mais formas narrativas combinadas dependendo do gênero: ação, estratégia, aventura, RPG, simulação etc.

A narrativa no contexto da gamificação é um elemento que faz principal correlação com a narrativa transmídia, podendo ser, inclusive, parte da grande narrativa. Por meio dela, é possível fazer com que o usuário apresente um comportamento esperado frente a um contexto. As histórias são utilizadas para propor imersão e engajar, promovendo a combinação do sistema com a história e criando uma experiência interativa para o jogador, sobretudo quando ele se transformar em um personagem ou personalizar o sistema de acordo com o seu gosto, ensejando motivação, sentimento de posse e controle sobre o sistema.

Muitos dos guias para roteiristas retomam a “jornada do herói”, popularizando as ideias de Campbell (2004) e designers de games são, do mesmo modo, aconselhados a sequenciar as tarefas que seus protagonistas devem desempenhar em provações físicas e espirituais semelhantes. De modo análogo, se protagonistas e antagonistas são arquétipos óbvios, e não personagens individualizados, romanescos ou complexos, são imediatamente reconhecíveis; esses arquétipos emergem no contexto de uma sociedade cada vez mais fragmentada e multicultural.

Desse modo, como forma de colocar o usuário no centro da atividade, sistema ou material gamificado, podemos convidá-lo para ser, como jogador, o herói dentro do universo construído na narrativa transmídia. Nesse contexto, o universo permanece sendo maior do que ele, mas ele faz parte daquele mundo. A criação da narrativa, portanto, pode valer-se de passos que estruturam a jornada do herói:

Figura 4 – Doze passos ou estágios da jornada do herói. Fonte: Vieira, 2015, com base em Campbell, 2004.

Relacionados à narrativa estão os desafios, que servem para orientar os jogadores sobre as missões que devem ser realizadas. Esses desafios podem estar relacionados a níveis que, segundo Kapp (2012) podem ser divididos em duas categorias: de jogo e de dificuldade.

Entre os níveis de jogo estão: o primeiro nível que é o progresso do usuário na história e o início do engajamento, o segundo nível, que é o desenvolvimento das habilidades do usuário, e o terceiro nível, que é o motivacional e a continuidade do usuário no jogo. Já os níveis de dificuldade contemplam: os níveis: fácil (iniciantes), médio (maior parte dos usuários) e difícil (experts).

Elementos como conflito, competição e cooperação devem ter suas possibilidades discutidas, uma vez que, em um game, o conflito quase sempre está presente. Ao mesmo tempo, jogos que possibilitam mais de um jogador ou simulam outros jogadores e envolvem competição também podem estimular a cooperação, isso porque requerem o trabalho coletivo e colaborativo. Há também o ranking, cujo propósito é a comparação entre os usuários e serve como uma forma de visualizar sua progressão dentro do ambiente e gera um senso de competição entre eles.

Segundo Kapp (2012, p. 153), o ranking é um elemento a que se deve ter atenção na elaboração de materiais didáticos, pois está relacionada ao tipo de metodologia que se pretende adotar e, principalmente, que tipo de alunos pretende-se formar.

Outro elemento recorrente em gamificação é o feedback, que não se trata de mensagens diretas sobre acertos e erros, como, por exemplo, "muito bom" ou "tente novamente". O feedback é, geralmente, dado de forma contínua, a partir do comportamento e das ações dos jogadores, que percebem e recebem feedbacks positivos e negativos a partir das estrutura e lógica de jogo e das próprias escolhas, mudando ou mantendo sua posição imediatamente a partir do resultado obtido.

Há, ainda, as recompensas, que podem ser apresentadas de muitas formas. Hunicke, LeBlanc e Zubek (2004, p. s/p), por sua vez, destacam alguns elementos do game por seu caráter social e de coleção, e por serem mais influentes do que outros na elaboração de uma atividade, um sistema ou um material gamificado. Segundo os autores, uma forma de recompensa, por exemplo, são os pontos, que servem para controlar um placar, determinar se o jogador está saindo dos parâmetros estabelecidos para a atividade ou sistema, podendo estar relacionados a recompensas e/ou ao progresso do usuário, fornecendo feedback etc. Os sistemas de pontos são abertos, diretos e motivacionais, o que permite o uso de diferentes pontuações, dependendo do objetivo.

Já os badges (medalhas, selos etc.) são representações visuais da conquista e uma representação mais significativa de pontuação, que indicam que o usuário atingiu um nível ou realizou um conjunto de objetivos definidos por ele ou pelo sistema gamificado. Eles são flexíveis e podem motivar comportamentos. Também indicam importância do usuário, pois seu design pode ter significado, funcionando como credenciais e podem supor coleções.

O tempo é um elemento que possui três dimensões. A primeira é em formato de relógio, com contagem progressiva ou regressiva. A segunda é relacionada a como o usuário planeja o tempo de cada ação no game. E a terceira é a representação visual da passagem do tempo, pois, nos jogos, o tempo não passa como o tempo na vida real e isso deve ser cuidadosamente pensado e planejado pelo designer, de modo que fique coerente.

A curva de interesse refere-se a quanto o jogador permanece interessado ao longo do game e é de grande utilidade na gamificação do ensino. Muitas vezes, o

usuário tem uma expectativa ou motivação que deve ser mantida. Para que isso ocorra, suas ações não podem ser extremamente fáceis ou difíceis, mas manterem um equilíbrio e certa progressão.

Portanto, esses loops estão relacionados não apenas à criação e à manutenção de emoções motivadoras no momento de uso, mas, e principalmente, de modo que faça com que ele tenha vontade de voltar a utilizar o jogo. Próximo a esse elemento está a repetição. A possibilidade de se fazer novamente uma tarefa ou ação é uma das grandes vantagens da gamificação no ensino, pois o erro é fundamental para a aprendizagem.

E, por fim, mesmo uma atividade, um sistema ou um material gamificado deve ser composto por um conjunto de regras. Essas regras servem para limitar as ações dos usuários e tornar o sistema gerenciável. As regras podem ser divididas em: operacionais, que definem como o sistema funciona; constitutivas ou fundamentais, que definem a estrutura formal da funcionalidade do ambiente e só podem ser entendidas pelo design do game; implícitas ou de comportamento, que determinam o contrato ou acordo entre dois ou mais usuários; e instrutivas, que determinam a forma de aprendizado do usuário, geralmente explicitada por meio de tutoriais.

No que diz respeito à narrativa transmídia e à elaboração de materiais didáticos, deve-se considerar a oportunidade de utilizar a estratégia desde a protogênese do projeto em prol de potencializar suas possibilidades. Conforme visto anteriormente, Jenkins (2010) revisita os sete princípios25

da narrativa transmídia e redefine-os para o contexto educacional:

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É importante ressaltar que esses princípios estão diretamente relacionados aos três pilares da narrativa transmídia, sendo, por exemplo, a performance mais relacionada à participação do usuário, enquanto a multiplicidade e a subjetividade, por exemplo, são mais relacionadas à narrativa. Já princípios como a construção do universo e a serialidade envolvem tanto a narrativa como a diversidade de mídia.

Figura 5 – Sete princípios da narrativa transmídia. Fonte: Jenkins, 2010, s/p, tradução nossa.

Esses princípios26 também devem ser considerados na elaboração de materiais27. E, nesse contexto, trata-se da oportunidade de utilizar-se de alguns deles, como, por exemplo, da multiplicidade, que propõe o uso de versões alternativas. Para adequar a proposta para a produção do material de Língua Portuguesa, uma possibilidade é focar na coletânea de textos, que geralmente apresenta textos canônicos, inserindo outros textos. Ainda nesse aspecto, um mesmo fato cotidiano ou histórico pode ser apresentado a partir de diferentes perspectivas, com o objetivo de promover a multiplicidade de olhares e pontos de vista sobre um mesmo acontecimento.

Outro exemplo que pode ser dado a partir da revisão dos princípios é o caso de imersão versus extração, no qual o autor incentiva os alunos a “mergulharem” na história, apropriando-se de todas as formas possíveis da narrativa e extrair dela recursos para utilizar no cotidiano (de forma material como imaterial), por exemplo, como parte da lição de Geografia. A construção de universos fictícios dá lugar à criação inicial de uma geografia fictícia, para, depois, a recriação de fatos históricos etc.

A partir desses princípios, dos pilares e dos conceitos de narrativa transmídia apresentados ao longo do capítulo, consideramos importantes para a construção de um universo na elaboração de materiais didáticos os seguintes passos: a estrutura e o design da narrativa; as múltiplas plataformas que serão utilizadas, de que formas elas serão utilizadas (apresentando que parte da história, com qual conteúdo) e como elas vão se relacionar; a participação das audiências e como elas serão convidadas a participar em cada uma das mídias. Os princípios podem contribuir para direcionar o emprego e uso dos pilares.

Ainda, segundo Massarolo (2011), para criar a narrativa, o universo deve ser maior do que qualquer personagem. Além disso, para criar uma estrutura e um

design próximo do que propõe a narrativa transmídia, devem-se considerar

elementos como: conflito central, eventos, personagens, objetos significativos etc.

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Jenkins faz essas propostas partindo do seu ponto de vista enquanto pesquisador e estudioso de mídias norte-americano. Por isso, é importante adequar a proposta ao utilizar um dos princípios indicados. Isso porque devem ser consideramos diferentes aspectos da educação brasileira, como as políticas públicas envolvidas, a estrutura curricular, as avaliações etc.

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No contexto do Aventuras, os princípios a serem considerados serão: dispersão, multiplicidade, serialidade e performance embora esta última nem sempre considere o interesse do aluno.

Para se levar em conta a participação das audiências, é necessário identificar aquelas em potenciais e propor possíveis gratificações, criar lacunas e mensagens (inserir sementes, buracos, contradições, silêncios, potenciais etc.). E, finalmente, pensar em recursos de interatividade, que permitam os “pontos de entrada” ou extensões da grande narrativa, que podem ser, conforme indicado por Jenkins (2012, p. 16-18): sementes, pedaços de informações introduzidos na narrativa que não são desenvolvidos na história; buracos, elementos que fazem falta e são centrais para a compreensão de uma ação ou personagem; contradições, dois ou mais elementos, intencionais ou não que possibilitam alternativas, para os personagens; silêncios, elementos excluídos da narrativa por consequências ideológicas; potenciais, projeções sobre o que poderia ter acontecido além dos limites da narrativa.

Na perspectiva educacional da narrativa transmídia, deve-se levar em conta o contexto colaborativo, fator decisivo na construção do universo. Essa construção sinergética e cooperativa representa um dos melhores sistemas de motivação para resolução de problemas, o que pode potencializar o desempenho dos alunos e tornar a dinâmica do aprendizado mais envolvente e colaborativa. Ao serem convidados a participar da resolução de problemas por meio do contexto da narrativa, os alunos, além de coautores, podem ser, também, personagens da narrativa.