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A biologia molecular e a citogenética são complementares. A citogenética convencional permite a visualização do genoma no seu todo, mas a biologia molecular é mais específica e sensível estudando o genoma ao nível do gene ou parte deste. Além disso, algumas alterações podem não ser visíveis através da citogenética; uma leucemia pode ter cariótipo normal, mas ter alterações a nível molecular, por exemplo. (115)

Muitas destas técnicas já foram referidas nas Doenças Genéticas, sendo que a Hemato-Oncologia – Biologia Molecular, pesquisa mutações somáticas em contexto tumoral, que não estão presentes em todas as células, ao contrário das mutações hereditárias.

Devido ao número elevado de procedimentos e técnicas usados na Hemato- Oncologia - Biologia Molecular, o estágio nesta área focou-se nos procedimentos utilizados para o estudo da Leucemia Mielóide Crónica.

5.3.1.Leucemia Mielóide Crónica

A LMC é uma doença mieloproliferativa e foi a primeira leucemia associada a um rearranjo cromossómico específico, o cromossoma Filadélfia (Ph). O Ph resulta da translocação recíproca entre os braços longos dos cromossomas 9 e 22, transpondo o segmento 3' do gene ABL1 para o segmento 5' do gene BCR. O gene resultante (BCR- ABL1) é transcrito e traduzido em proteínas quiméricas com atividade de tirosina-quinase aumentada, de tamanhos variados, consoante os pontos de quebra nos respetivos genes. A proteína formada pode ter 210 kDa (p210, mais comum) ou 190 kDa (p190, mais comum em pacientes com Leucemia Linfocítica Aguda (LLA)). (118,119)

O desenvolvimento de fármacos inibidores de tirosina quinase (Imatinib, por exemplo) veio modificar o tratamento desta patologia, sendo que a resposta ao tratamento é avaliada através da normalização dos valores hematológicos no sangue periférico, pela

141 análise citogenética de metafases Ph-positivas e pela resposta molecular descrita neste capítulo. (118,120)

Normalmente, a LMC inicia-se na fase crónica, podendo após alguns anos transformar-se numa fase aguda ou fase blástica, caraterizada pelo aumento do número de blastos circulantes no sangue periférico e medula óssea. (119)

5.3.2.Métodos

5.3.2.1.Separação de células mononucleadas e/ou granulócitos

Este procedimento consiste no isolamento das células mononucleadas e/ou granulócitos, de sangue periférico ou sangue medular. A primeira parte do procedimento é idêntico ao realizado na citogenética. No entanto, na biologia molecular, as células não são fixadas, mas armazenadas em TriZol ou pellet de células seco.

Após identificação dos tubos necessários, pipeta-se solução de gradiente. O volume da amostra é diluído com PBS e transferido sobre a solução de gradiente com posterior centrifugação.

O procedimento seguinte varia consoante o tipo celular que se pretende obter. Os linfócitos, monócitos e macrófagos formam um anel separado dos granulócitos e eritrócitos que se apresentam na zona inferior do tubo. Para obter as células mononucleadas, o anel formado é removido e transferido para novo tubo, onde ocorre lavagem das células com PBS. No caso do precipitado apresentar a cor vermelha, é ressuspendido em RCLB incubado a 4ºC, durante 20 minutos, promovendo a lise as células e centrifugado. Por outro lado, se os granulócitos forem necessários ao estudo a realizar, ao sedimento vermelho formado na parte inferior do tubo aquando da centrifugação adiciona-se RCLB, com incubação a 4ºC, centrifugação e posterior lavagem com tampão PBS. Após lavagem das células lisadas, o sobrenadante é removido e faz-se uma estimativa do número de células presente no precipitado celular. Esta estimativa é necessária para ressuspender as células num volume adequado de tampão PBS, sendo que cada ml de suspensão celular deve ter a concentração celular adequada ao tipo de extração a efetuar: para extração de ARN 5x106 a 10x106 células/ml e para extração de ADN até 5x106 células/ml. O número de células obtido é avaliado e registado. Para a extração de ARN, o pellet de células é lisado e preservado com solução de TriZol, que conserva o ácido nucleico. Armazenar a amostra a -80ºC ou prosseguir para extração.Para extração de ADN armazenar em pellet seco a -80ºC ou seguir para extração.

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5.3.2.2.Extração de ARN total com o reagente TriZol

Partindo do procedimento anterior, são identificados novos tubos eppendorf por amostra e é adicionado clorofórmio, para o ARN se soltar do TriZol. Após incubação à temperatura ambiente e centrifugação, a fase aquosa é transferida para tubos com isopropanol, que agrega o ARN. O precipitado obtido por centrifugação é lavado com etanol a 75%, centrifugado e o pellet de ARN após secar é ressuspendido em água RNAse-free e incubado a 56ºC, durante 10 minutos, para ocorrer hidratação. Prossegue- se para quantificação ou armazenamento a -80ºC.

A quantificação é realizada no NanoDrop® e é utilizada água RNAse-free como branco da amostra. A avaliação da qualidade da extração é feita através da medição da absorvância a 260nm e 280nm. A razão entre as absorvâncias a 260nm e 280nm (Absorvância 260/Absorvância 280) deverá originar valores entre 1,8 e 2,0 para o ARN e permite avaliar a presença de contaminantes. (103)

5.3.2.3.Síntese de (ADNc) a partir de ARN total

Para a análise do ARN é necessário converter este ácido nucleico em ADN complementar (ADNc), através da ação da transcriptase reversa. Este método é vantajoso na medida em que o ARN não contém os intrões que o ADN possui, sendo amplificada uma zona mais pequena. (104,105)

Para a síntese de ADN complementar, parte-se de 100-200 ng/µL de ARN. Antes de juntar os reagentes necessários à reação: transcriptase reversa, ditiotreitol (DTT), inibidor RNAses, dNTPs, tampão, oligonucleótidos random (de sequencia aleatória que atuam como primers), o ARN é desnaturado no termociclador, de modo a quebrar as ligações. Depois a mix é adicionada e a reação prossegue no termociclador com o programa definido para o efeito.

5.3.2.4.Pesquisa e caracterização do transcrito de fusão BCR-

ABL1

De modo a confirmar o diagnóstico de LMC, é feita a pesquisa e caraterização do transcrito de fusão BCR-ABL1 por reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa (RT-PCR, do inglês, reverse transcriptase polymerase chain reaction).

143 Para verificar a presença de transcrito, os produtos de PCR são analisados por eletroforese em gel de agarose. O transcrito é o marcador molecular da doença e a identificação do tipo de transcrito presente é feita pela pesquisa dos principais pontos de quebra associados à t(9;22), sendo que os transcritos que originam a proteína p190 estão mais associados às LLAs e a p210 às LMCs. (118,119)

A figura 12 representa um gel de agarose, com uma amostra positiva para o transcrito mais comum (p210).

Figura 12. Gel de agarose para pesquisa do transcrito de fusão BCR-ABL1. Os poços 1-3 correspondem a um controlo, para verificar se o ADNc amplificou. Os dois primeiros são controlos positivos e o terceiro é um controlo negativo, sem ADNc. Os poços 4 e 10 correspondem ao marcador de massas moleculares. Os poços 5- 9 pesquisam o p190 e correspondem a duas amostras, dois controlos positivos para o p190 e um controlo negativo, respetivamente. Os poços 11-15 pesquisam o p210 e correspondem a duas amostras, dois controlos positivos para o p210 e um negativo, respetivamente. A amostra no poço 12 é positiva para o transcrito mais comum (p210).

5.3.2.5.Quantificação de transcritos de fusão t(9;22) BCR-ABL1

(p210)

Saber o número de transcritos é importante para determinar como o doente está a responder à terapêutica. É também importante na monitorização da doença residual mínima (DRM), presença de células leucémicas residuais sem evidência clínica de doença e deve ser feita de 3 em 3 meses, até se atingir e confirmar a resposta molecular major (RMM). (118,120)

1 2 3 4 5 6 7

8

9 10

0

11 12

2

13 14 15

144

A resposta molecular é avaliada de acordo com a escala internacional, como a razão entre o número de transcritos BCR-ABL1 e ABL1 (gene controlo) e é expressa numa escala logarítmica através de 5 níveis de resposta. Uma expressão BCR-ABL1 ≤0,1% corresponde à resposta molecular major. Esta resposta molecular é traduzida numa resposta à terapêutica. (120)

A determinação número de transcritos é feita por reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR, do inglês, real time polymerase chain reaction) que associa a metodologia de PCR a um sistema de deteção e quantificação de fluorescência produzida durante os ciclos de amplificação. É um método quantitativo em que a quantidade de fluorescência é proporcional à quantidade de transcrito. (9,118)

O sistema utilizado usa sondas Taqman, que contêm um fluorocromo numa extremidade e um Quencher na outra extremidade que absorve essa fluorescência. Enquanto ocorre a reação, a polimerase sintetiza novas cadeias a partir dos primers e cliva as sondas correspondentes, aumentando o sinal fluorescente. (118)

A partir de certo número de ciclos, a reação atinge uma intensidade de fluorescência detetada pelo aparelho. Quanto maior a quantidade de ADNc presente, maior a fluorescência emitida e menor o número de ciclos necessários para atingir esta fase. O ciclo em que a amostra atinge este nível designa-se por Cycle Threshold.

Procedimento

É utilizada uma placa de 96 poços, em que metade da placa corresponde ao ABL e a outra metade ao transcrito de fusão, como se fossem realizados ensaios isolados, sendo utilizadas duas mix. São adicionados a todos os tubos os reagentes necessários à reação: primers, água, reagente que normaliza a fluorescência, sondas, Taq polimerase, tampão. Consoante o tubo é adicionado ainda amostra de ADNc, calibrador ou controlo. São também utilizadas amostras com concentrações conhecidas que ocorrem na reação ao mesmo tempo e nas mesmas condições da amostra, de modo a construir uma reta de calibração que permita calcular a quantidade de transcritos.

5.3.2.6.Pesquisa de mutações no gene BCR-ABL

Apesar do sucesso dos inibidores de tirosina quinase no tratamento da LMC, nalguns casos ocorre resistência ao tratamento ou mesmo recaída da doença, particularmente em doentes em fase acelerada ou fase blástica. Nestas alturas, ou quando

145 se pretende mudar de terapêutica, é feita a pesquisa de mutações que possam originar resistência a esses fármacos, sendo que o mecanismo mais frequente da reativação da atividade quinase do gene é o aparecimento de mutações pontuais no domínio quinase ABL do gene de fusão, como é o exemplo da mutação T315I, que resulta da substituição de uma treonina por uma interleucina na posição 315 da proteína. (119,120)

A metodologia utilizada é RT-PCR Nested e sequenciação direta bidirecional. O RT-PCR Nested consiste em duas reações. Usando um par de primers externos numa primeira reação (um primer desenhado para o gene ABL e outro para o BCR), obtém-se um produto que será utilizado numa segunda reação, em que se utilizam primers mais internos (a região de interesse é o domínio ABL do transcrito). Este processo permite aumentar tanto a sensibilidade, como a especificidade da reação de amplificação e é útil na amplificação de pequenas quantidades de material. (104)

Após a reação de PCR, os produtos são analisados em gel de agarose, purificados e sequenciados através do método de Sanger. Estes procedimentos são idênticos aos referidos para as Doenças Genéticas.