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Os tumores ou neoplasias sólidas são caraterizados por um crescimento anormal de células de um tecido, que normalmente não contêm áreas líquidas. Podem ser benignos ou malignos (cancerosos).(121) Usualmente, estes tumores apresentam vantagem proliferativa e resistência à apoptose adquiridas devido a uma mutação inicial ou driver mutation. Ocorre mistura de células normais e células do tumor, em que normalmente apenas um dos alelos se encontra mutado. (102,122)

Nesta área é realizada a caracterização molecular de alguns tumores sólidos, para os quais existem marcadores moleculares com relevância clínica, quer de predição de resposta à terapêutica quer de prognóstico. Alguns destes marcadores poderão ser transversais a diferentes patologias, no entanto o significado para a decisão terapêutica poderá ser diferente. À semelhança da área de Hemato-Oncologia - Biologia Molecular, o foco do relatório nesta área é dirigido a uma patologia específica, o cancro do pulmão. A maior parte das amostras processadas é tecido tumoral fixado em formaldeído tamponado e embebido em parafina. São necessários cerca de 5 a 10 cortes de parafina com 10µm, dependendo da quantidade de células neoplásicas presentes na amostra,

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podendo esta ser peça cirúrgica ou biópsia. As amostras são caracterizadas por um anatomopatologista que determina, entre outros parâmetros, a percentagem de infiltração tumoral, permitindo ajustar os procedimentos realizados posteriormente, tal como a metodologia utilizada.

5.4.1.Cancro do pulmão

Mundialmente, o cancro do pulmão é a principal causa de morte por cancro. É composto por dois subtipos histológicos, os carcinomas de pulmão de não pequenas células (CPNPC) e os carcinomas de pulmão de pequenas células (CPPC). O CPNPC é o subtipo mais prevalente, dividindo-se em adenocarcinomas, carcinomas de células escamosas ou carcinomas de grandes células, e sendo responsável por 85% dos cancros do pulmão, onde o tabagismo representa uma das principais causas. Salienta-se, no entanto, que a prevalência deste tipo de cancro tem vindo a aumentar em não fumadores. (123–125)

Os CPNPC podem ser caracterizados a nível molecular por mutações recorrentes que ocorrem em oncogenes, EGFR, BRAF e KRAS (do inglês, Epidermal growth factor receptor, v-Raf murine sarcoma viral oncogene homolog B e Kirsten rat sarcoma viral oncogene homolog, respetivamente), entre outros. O acompanhamento do doente envolve estudos moleculares, quer a nível do diagnóstico, quer do prognóstico, seleção da terapia mais adequada ao doente e deteção de recaídas atempadamente. A gestão do doente com CPNPC pressupõe a correta caracterização dos genes, pois existem terapias dirigidas que apenas estão disponíveis em determinado contexto molecular. Foram desenvolvidos inibidores de tirosina quinase (TKIs), que adiam a progressão da doença. (124,125)

No entanto, durante o tratamento destes doentes, o tumor poderá adquirir mutações de resistência aos efeitos dos fármacos que limitam a eficácia da quimioterapia. Assume-se geralmente que os tumores que são misturas heterogéneas de células sensíveis e resistentes à quimioterapia podem responder inicialmente ao tratamento, mas depois surgem recaídas, com a predominância das células resistentes. Deste modo, é fundamental a análise mutacional dos genes em questão. (121)

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5.4.1.1.Pesquisa de mutações no gene EGFR (exões 18,19,20 e 21)

O gene EGFR codifica o recetor do fator de crescimento epidérmico representando o principal alvo terapêutico em CPNPC. Este receptor encontra-se frequentemente sobre-expresso na maioria dos CPNPC devido à presença de mutações ativadoras que resultam no crescimento do tumor, maior proliferação celular, proteção em relação à apoptose e aumento da capacidade de metastização. A presença de determinadas mutações ativadoras neste gene é preditiva de resposta aos TKIs (gefitinib, erlotinib e afatinib), fármacos que inibem o sinal proliferativo e anti-apoptótico produzido. (123)

No CPNPC, estão descritas diferentes mutações somáticas no domínio quinase do gene EGFR, que abrange os exões 18, 19, 20 e 21 e aumentam a atividade do recetor EGFR. (123,125)

As mutações mais frequentes são deleções no exão 19 e a mutação pontual L858R no exão 21, sendo que a primeira ocorre com uma frequência de aproximadamente 48% em tumores do pulmão mutados no EFGR. A mutação L858R corresponde a uma substituição de uma leucina por uma arginina no codão 858 do EGFR e ocorre com uma frequência de aproximadamente 43% nos tumores do pulmão com EGFR mutado. (123,125)

O codão 861 corresponde a outro hotspot do exão 21, apesar de ocorrer com muito menos frequência (cerca de 2%), em que uma leucina é substituída por glutamina (L861Q). No exão 18, a mutação G719A resulta da substituição de uma glicina por uma alanina (frequência de 2-3%). (125)

No entanto, nem todas as mutações no domínio de tirosina quinase conferem sensibilidade do recetor aos TKIs. Na maioria dos casos, as mutações no exão 20, que incluem inserções, estão associadas com resistência primária a estes fármacos, em particular na presença da mutação T790M, que será descrita mais à frente. (123,125)

5.4.1.2.Pesquisa de mutações no gene BRAF

Já foi referido que as vias de sinalização associadas ao EGFR estão envolvidas na proliferação celular. BRAF pertence a uma família de proteínas quinases que são mediadores centrais na cascata de sinalização MAP (proteína ativada por mitogénios, do inglês, Mitogen Activated Protein) na qual são observadas com alguma frequência mutações nos genes que codificam para esta via, estando envolvidas em muitos processos

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celulares, incluindo proliferação celular, diferenciação e regulação transcricional. A presença de mutações no gene BRAF traduz-se na ativação constitutiva da via e são observadas em 1-3% dos CPNPC. (123,125)

A maioria dos casos BRAF mutados apresenta a mutação V600E no exão 15, onde a valina é substituída pelo ácido glutâmico. A pesquisa desta mutação é necessária para determinar se o paciente é elegível para terapia direcionada com inibidores do BRAF, constituindo uma alternativa quando as terapias anti-EGFR não são uma opção. (125)

5.4.1.3.Pesquisa de mutações no gene KRAS

As proteínas ‘Vírus do Sarcoma de Rato’ (RAS) são mediadores centrais a jusante da sinalização do EGFR e como tal, são críticas para a proliferação, sobrevivência e diferenciação celular. (125)

Aproximadamente 15-25% dos pacientes com adenocarcinoma do pulmão têm o gene KRAS mutado. Na maioria dos casos, correspondem a mutações missense que introduzem uma substituição de aminoácido nos codões 12 e 13 (exão 2) e codão 61 (exão 3). O resultado destas mutações é ativação constitutiva das vias de sinalização KRAS. (123,125)

Tal como no caso anterior, a deteção destas mutações em pacientes com tumor no pulmão constitui uma ferramenta para selecionar os pacientes com maior probabilidade de não responder aos fármacos disponíveis, sendo que, as mutações no gene KRAS diminuem a sensibilidade aos TKIs. Atualmente, não existem terapias direcionadas para KRAS disponíveis. (123,125)

5.4.1.4.Progressão após terapêutica com TKIs em 1ªlinha

A mutação T790M no exão 20 do gene EGFR, que resulta na troca de uma treonina por uma metionina na posição 790, para além de conferir resistência primária aos TKIs, surge como mutação de resistência adquirida em cerca de 50% dos tumores mutados no gene EGFR em diagnóstico inicial, após tratamento com TKIs (erlotinib, gefitinib ou afatinib) como primeira linha terapêutica. Normalmente, esta mutação é pesquisada quando deixa de existir resposta à terapêutica, para determinar elegibilidade para outro tipo de terapêutica. (123,125)

Para pesquisar esta mutação, a GenoMed está a testar o conceito de biópsia líquida, em que se trabalha com ADN das células tumorais presente no sangue periférico.

149 Ao contrário de biópsias de tecido tumoral, a biópsia líquida apresenta risco mínimo para o paciente, sendo um método minimamente invasivo. O laboratório está na fase de implementação deste teste.

5.4.2.Métodos

5.4.2.1.Extração de ADN

É utilizado um kit que permite a extração em coluna de ADN total de pellet seco, sangue total, tecido fresco ou conservado em parafna.

Neste caso, a amostra de partida é parafina e o processo de desparafinação é realizado através da incubação da amostra com xileno, para dissolver a parafina e recuperar os tecidos. Os restos de xileno são eliminados através de lavagens com etanol absoluto. De seguida, a amostra é incubada com enzima (proteinase K) que digere os tecidos na presença de tampão tampão de lise tecidular (ATL) em banho seco a 56ºC durante a noite. Após a primeira incubação, se já não existir tecido por digerir, adicionar tampão de lise (AL) e incubar durante 1h a 90ºC no banho seco. Se a amostra for escassa podem ser adicionados carriers de ADN (caudas poli-A que se agregam ao ADN para o tornar mais compacto). É adicionado etanol que precipita o ADN, de modo a que este fique adsorvido numa membrana sílica-gel da coluna durante a centrifugação. São adicionadas duas solução-tampão de lavagem de modo a remover quaisquer contaminantes e impurezas. De seguida, o ADN é eluído com tampão de eluição (AE).

A quantificação da amostra é feita no NanoDrop®.

5.4.2.2.Sequenciação ou PCR em tempo real

A deteção das mutações referidas anteriormente pode ser realizada por PCR e Sequenciação de Sanger ou por PCR em tempo real, sendo que a escolha da técnica a usar depende da qualidade da amostra e da percentagem de células neoplásicas presentes na amostra.

Na primeira, ocorre amplificação dos exões seguida de sequenciação a partir de ADN extraído de tecido tumoral, segundo procedimentos já descritos neste trabalho. A purificação do produto de PCR é realizada por vácuo e a purificação dos produtos para sequenciação é através do método de etanol/acetato de sódio. Utilizando esta técnica é possível detetar a maioria das mutações somáticas se a percentagem de células mutadas for superior a 20 ou 30 % da totalidade das células da amostra. É o método recomendado

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porque permite a identificação de mutações conhecidas ou não descritas em toda a região codificante testada.

A técnica de PCR em tempo real é realizada num equipamento, Idylla™ da Biocartis, que permite a deteção das mutações mais frequentes, designados por hotspots. É a melhor opção quando as amostras têm baixa infiltração tumoral (até ao mínimo de 10% de células tumorais) e/ou baixo conteúdo celular. Este aparelho totalmente automatizado, realiza a extração e genotipagem dos genes pretendidos. A amostra é colocada num cartucho e o procedimento demora apenas duas horas. No entanto, não deteta mutações raras na população do cancro do pulmão, só mutações com uma frequência >1%. (126)