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CAPÍTULO 2 DIREITOS HUMANOS

2.1 HISTÓRICO DO CASO

O Caso 12.237 trata sobre a morte do senhor Damião Ximenes Lopes, nascido em 25 de junho de 1969 e vítima de deficiência mental de origem orgânica, proveniente de alterações no funcionamento do cérebro, apresentando necessidades específicas.

Vivia com sua mãe na cidade de Varjota, situada a uma hora da cidade de Sobral, onde encontrava-se a Casa de Repouso Guararapes, centro de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.321

Já em 1995, Damião Ximenes Lopes veio a ser internado no referido centro, por um período de dois meses, sendo que, quando regressou a sua casa, apresentou feridas nos joelhos, nos tornozelos, alegando que tinha sido vítima de

321Corte Interamericana de Direitos Humanos: Caso Damião Ximenes Lopes – Sentença de 4 de jul.

violência na Casa de Repouso Guararapes322. Acontece que, nesse momento, seus

familiares acreditaram na versão dos funcionários da instituição, que relataram que o próprio paciente tinha se machucado quando tentara fugir.

Mais tarde, em 1.o outubro de 1999, em decorrência dos problemas nervosos

que estava apresentando, Damião Ximenes Lopes foi, mais uma vez, internado em tal centro, como paciente do SUS. Apresentava perfeitas condições físicas quando da sua entrada.

Dois dias após a sua chegada na clínica, o paciente desenvolveu uma crise de agressividade e estava desorientado, tendo sido, até mesmo, retirado à força por um técnico de enfermagem do banheiro, tendo, nesse episódio, sofrido uma lesão no rosto, na altura do supercílio. Ainda nesse dia, Damião Ximenes Lopes teve um novo quadro de agressividade e fora, novamente, submetido à contenção física, quando então o médico da instituição veio a determinar que lhe fosse aplicada uma medicação intramuscular.

Já no dia 4 de outubro de 1999, a mãe da vítima, pelo período da manhã, chegou à Casa de Repouso Guararapes para visitá-lo e encontrou-o em uma situação lastimável: estava sangrando, com hematomas pelo corpo, roupas rasgadas, sujo, cheirando a excremento, com as mãos amarradas, com dificuldades para respirar, agoniado e pedindo socorro à polícia.

A mãe da vítima, a senhora Albertina Ximenes Lopes, requereu que banhassem seu filho e quis entrar em contato com o médico e também diretor da clínica, Francisco Ivo de Vasconcelos, que havia receitado remédios a seu filho, sem a realização de exames. Não o encontrou e seu filho veio, mais tarde, duas horas após ter sido medicado, às 11 horas e 30 minutos, a falecer.

322Segundo os termos da própria Sentença da Corte Interamericana, "as condições de confinamento

na Casa de Repouso Guararapes eram desumanas e degradantes, a atenção médica aos pacientes era freqüentemente prestada na recepção, inclusive em presença de visitantes, já que por muito tempo o hospital não dispôs de um consultório médico, e freqüentemente faltava a medicação adequada aos pacientes. O hospital não oferecia as condições necessárias e era incompatível com o exercício ético-profissional da medicina. No contexto de violência contra os pacientes, e anteriormente à morte do senhor Damião Ximenes Lopes, ocorreram na Casa de Repouso Guararapes pelo menos duas mortes em circunstâncias violentas, que teriam incluído golpes na cabeça com objetos contundentes e em que os pacientes ingressavam na Casa de Repouso em boas condições físicas e faleciam durante o período de internação".

Nota-se que o senhor Damião Ximenes Lopes não recebeu a assistência adequada e faltavam-lhe cuidados específicos, tanto físicos, como psiquiátricos, o que acabou por causar, de maneira determinante, a sua morte.

Posteriormente à morte da vítima, o médico Francisco Ivo de Vasconcelos retornou à Casa de Repouso e, examinado o corpo, declarou, falsamente, que o cadáver não apresentava lesões externas e que a causa da morte seria uma parada cardio-respiratória, não tendo sequer ordenado a realização da necropsia do corpo.

Os familiares da vítima, então, solicitaram a realização da necropsia, transferindo o corpo para a cidade de Fortaleza, sendo que, no Instituto Médico Legal desse município, constatou-se que:

Trata-se de um corpo do sexo masculino, cor parda, cabelos negros, bigode cultivado, barba por fazer, envolto em lençol branco. Apresenta rigidez cadavérica generalizada, pupilas dilatadas, hipóstases de decúbito dorsal e ausência de quaisquer manifestações vitais. Exame externo: escoriações localizadas na região nasal, ombro direito, face anterior dos joelhos e pé esquerdo, equimoses localizadas na região orbitário esquerda, ombro homolateral e punhos (compatível com contenção). Exame interno: não observamos sinais de lesões de natureza traumática internamente; apresenta tem pulmonar e congestão, sem outras alterações macroscópicas de interesse médico legal nos demais órgãos dessas cavidades. Enviamos fragmentos de pulmão, coração, estômago, fígado e rim para o exame histopatológico, que concluiu [que se tratava de] edema e congestão pulmonar moderado, hemorragia pulmonar e discreta esteatose hepática moderada. CONCLUSÃO: […] inferimos tratar-se de morte real de causa indeterminada.323

Já em 13 de outubro de 1999, a mãe da vítima apresentou denúncia à Coordenação Municipal de Controle e Avaliação da Secretaria da Saúde e Assistência Social sobre a morte de seu filho, enquanto que a irmã da vítima apresentou denúncia à Comissão de Cidadania do Estado do Ceará.

Já em 8 de novembro de 1999, o Ministério Público solicitou a instauração de uma investigação policial para esclarecer a morte de Damião Ximenes Lopes, sendo que três dias após, a própria Comissão de Cidadania veio a solicitar celeridade no caso.

323Laudo de exame de corpo de delito – cadavérico – realizado em Damião Ximenes Lopes, no

Com provas suficientes, em 27 de março de 2000, o Ministério Público veio apresentar acusação criminal à Terceira Vara da Comarca de Sobral, contra aqueles que incidiram nos maus-tratos seguidos de morte de Damião Ximenes Lopes.

Acontece que, infelizmente, a partir de 24 de maio de 2000, a Terceira Vara da Comarca de Sobral obstruiu a justiça do processo, uma vez que, pelo período de dois anos, limitou-se à realização de audiências – as quais, ainda, vieram a ocorrer em momentos posteriores aos anteriormente agendados.

Alguns anos após, com a realização dos interrogatórios, dos devidos aditamentos e diligências processuais, um dos acusados solicitou a suspensão da apresentação das alegações finais, fato que, até a data da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2006, não havia sido julgado e, consequentemente, obstruiu a emissão de uma sentença em primeira instância.

Ocorre, ainda, que em 6 de julho de 2000, a mãe da vítima instaurou uma ação de reparação de danos, por conta da "dor, tristeza, sofrimento e humilhação que [...] passou e passará pelo resto de sua vida", em decorrência da morte de seu filho.

Como já havia uma anterior ação penal, compreendeu-se que se devia esperar a sentença desse processo para julgar a referente ação cível, suspendendo-a pelo prazo máximo de um ano. Como se sabe, até 2006, não houve sentença penal e, consequentemente, não se decidiu a ação de reparação de danos na esfera cível.

Ilustra-se, nesse breve histórico, que a justiça brasileira não ofereceu, de forma alguma, a proteção e a efetivação dos direitos humanos do senhor Damião Ximenes Lopes, motivando seus representantes legais a procurarem auxílio do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.