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CAPÍTULO 2 DIREITOS HUMANOS

2.4 OS DIREITOS HUMANOS NA IDADE CONTEMPORÂNEA

A Idade Contemporânea, tal qual a sua antecessora, fora marcada pela abertura da gama dos direitos humanos.

Já no século XIX, percebe-se que os Estados que contavam com o regime democrático concretizavam, cada vez mais, os direitos civis e políticos, chamados de direitos humanos de primeira geração.

Entende-se, também, que a referida democracia, nos moldes anteriormente descritos, fora fruto do século passado e estava atrelada, quase que inquestionavelmente, ao desenvolvimento dos direitos humanos.

Ocorre que os direitos humanos até então consolidados e existentes não se demonstraram suficientes para o fim dos aclames da sociedade, uma vez que o desenvolvimento da economia de mercado se demonstrava uma constante, trazendo consigo novos problemas estruturais e novos reclames sociais, como se relata no trecho a seguir:

Assim, os primeiros setenta anos do século XIX marcaram a consolidação do Estado Liberal e o fenomenal desenvolvimento da economia capitalista urbano industrial. Por outro lado, a liberdade do mercado, a necessidade de desenvolvimento no processo produtivo para fazer frente à competição, a consolidação dos mercados nacionais nas sociedades da Europa Ocidental – principalmente na Inglaterra, – a formação do proletariado urbano, a progressiva concentração do capital, entre outras coisas, passaram a apresentar os primeiros sinais de crise da nova sociedade capitalista.140

O que ocorreu, na verdade, foi o surgimento de um novo quadro do capitalismo, advindo de uma época pós-Revolução Industrial, quando então a atitude negativa do Estado não mais correspondia às necessidades populares. Ou seja, havia a necessidade do Estado vir a agir, vir a ter uma atitude positiva perante a situação que se desenhava, a qual se demonstrava intolerável perante os valores dos direitos humanos, sendo de tal maneira descrita:

A Revolução Industrial, ao mesmo tempo que elevou a patamares nunca vistos na história humana, a capacidade de produção e a produtividade do trabalho, destruiu violentamente o modo de vida tradicional dos trabalhadores e introduziu a rígida disciplina do sistema fabril. As condições da vida dos trabalhadores eram deploráveis, com jornadas de trabalho – inclusive de crianças e mulheres – de cerca de 15 horas diárias, sem leis sociais, trabalhistas ou previdenciárias protetoras, sob condições de completa insegurança. As condições de vida nas cidades também eram terríveis, no que se refere à moradia, ao saneamento básico e à infra-estrutura necessárias para a garantia de condições dignas de vida. O resultado era uma legião de desempregados, miseráveis, e diversos problemas sociais como o alcoolismo, a prostituição, o banditismo, a loucura, etc.141

Em um contexto caótico, onde o próprio ser humano se tornou uma mercadoria quase que descartável para o capitalismo, surgiu a tese defendida por Karl Marx, atacando diretamente o liberalismo capitalista e vindo a propor o socialismo, onde todos seriam materialmente idênticos, sem qualquer distinção advinda do poder do capital.

Como fruto das críticas socialistas ao modelo capitalista e como resposta às reivindicações populares, desenvolveram e consolidaram-se, especialmente nos Estados ocidentais que já haviam superado a fase de reivindicações de liberdades individuais, os direitos chamados de segunda geração, quais sejam, os direitos sociais,

140DORNELLES, João Ricardo W. Sobre os direitos humanos, a cidadania e as práticas

democráticas no contexto dos movimentos contra-hegemônicos. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Rio de Janeiro, v.6, n.6, p.130, jun. 2005.

econômicos e culturais. Estima-se que o desenvolvimento de tais direitos se deu na esteira dos reclames socialistas, como documenta Fábio Konder Comparato:

O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente; é o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas.142

Avalia-se, ainda, que tais direitos humanos abandonam o caráter individual, característico dos direitos de primeira geração, para adotarem um caráter coletivo, quase que totalmente estruturada na dimensão da igualdade material, onde o Estado deve ter uma atitude positiva para eliminar quaisquer diferenças e tornar possível a igualdade no plano prático, não mais apenas na teoria. Nas palavras de Uadi Lâmmego Bulos:

[...] advinda logo após a Primeira Grande Guerra, compreende os direitos sociais, econômicos e culturais, as quais visam assegurar o bem-estar e a igualdade, impondo ao Estado uma prestação positiva, no sentido de fazer algo de natureza social em favor do homem. Aqui encontramos os direitos relacionados ao trabalho, ao seguro social, à subsistência digna do homem, ao amparo à doença e à velhice.143

No momento em questão, do Constitucionalismo Social, ocorrera o surgimento e a concretização da segunda geração dos direitos humanos, chamados de direitos sociais, sendo que três documentos tiveram uma importância extrema, quais sejam: a Constituição Mexicana de 1917, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e a Constituição de Weimar de 1919. Correlacionado a este tema, documenta-se o seguinte trecho:

Os direitos humanos de segunda geração são aqueles agregados mais tarde à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e elevados à condição de direitos fundamentais. São os direitos econômicos e sociais, do indivíduo

142COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, p.42. 143BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p.403.

como membro da sociedade, no seu trabalhão, em seu lazer, saúde, educação, à cultura e que o Estado tem a obrigação de garantir, pois são "direitos de crédito". Esses direitos vieram consagrados na Constituição alemã de 1919, (Constituição de Weimar), e foram incorporados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948, nos artigos 22 a 27.144

No que tange ao primeiro dos documentos, a Constituição Mexicana, promulgada em cinco de fevereiro de 1917, teve uma importância primordial, uma vez que fora a primeira Constituição a atribuir, aos direitos trabalhistas, a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos. Estabeleceu, também, a desmercantilização do trabalho, o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários, criando, em suma, as bases para o moderno Estado Social de Direito.145

A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, surgida no momento da Revolução Russa, fora adotada em quatro de janeiro de 1918, anteriormente ao término da 1.a Guerra Mundial. Em tal documento, são afirmadas algumas medidas já presentes na Constituição Mexicana de 1917, mas, diferentemente deste último, a Declaração reduz o povo russo à classe trabalhadora e oprimida, garantindo apenas a estes os referidos diretos sociais.

Por último, a Constituição de Weimar, que entrou em vigor em 31 de julho de 1919, na Alemanha, contando com diversos aspectos positivos atinentes aos direitos humanos de segunda geração: abolição das classes sociais, igualdade de direitos entre homens e mulheres, liberdade de opinião e liberdade de comércio no Estado alemão.

Após, com o advento das duas Guerras Mundiais e com o maior flagelo e destruição humana já registrados, os direitos humanos adquiriram uma nova amplitude e concepção que, agora, passam-se à analise.

144MENEZES, Wagner. Ordem global e transnormatividade, p.63.

145COMPARATO, Fábio Konder. A constituição mexicana de 1917. Disponível em: