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CAPÍTULO 1 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

4.2 SENTENÇAS INTERNACIONAIS X SENTENÇAS ESTRANGEIRAS

Há muito se tem debatido sobre sentenças internacionais e sentenças estrangeiras, sendo que, em alguns casos, erroneamente, utilizam-se ambas as nomenclaturas como sinônimos.

Primeiramente, não se deve confundir Direito Internacional com o direito estrangeiro. Enquanto o primeiro trata da regulamentação jurídica da própria sociedade internacional, o segundo trata das jurisdições e leis advindas do interior de um determinado Estado. Valério Mazzuoli esclarece tal distinção no seguinte trecho:

Ora, sabe-se que o direito internacional não se confunde com o chamado direito estrangeiro. Aquele diz respeito à regulamentação jurídica da sociedade internacional, na maioria dos casos feita por normas internacionais. O direito internacional disciplina, pois, a atuação dos Estados, das Organizações Internacionais e também dos indivíduos no cenário internacional. Já o direito estrangeiro é aquele afeto à jurisdição de determinado Estado, como o direito italiano, o francês, o alemão e assim por diante.86

86 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O tribunal penal internacional e o direito brasileiro. 2.ed. São

Adentrando às sentenças estrangeiras, deve-se dizer que elas vêm a ser prolatadas em um Estado diferente daquele que terá que produzir sua eficácia, dependendo de homologação no Estado em que deverá produzir seus efeitos.

Também, atém-se ao fato de que as sentenças estrangeiras são prolatadas pelo judiciário de um Estado, cabendo à cooperação horizontal87 determinar seu

cumprimento na jurisdição de outro Estado, por intermédio, como acima referida, da homologação de sentenças estrangeiras. Elucida-se tal entendimento com as palavras de Vladmir Silveira:

Cada Estado dispõe de poder jurisdicional nos limites de seu território, competindo às autoridades judiciárias nacionais conhecerem das causas que nele tenham seguido. Assim sendo, o julgamento proferido no estrangeiro, via de regra, não tem eficácia em território diverso do que fora prolatado. No entanto, em decorrência da necessidade de coexistência entre os Estados soberanos, bem como para exigências de ordem prática, a maioria dos sistemas de direito positivo confere eficácia, nos territórios dos Estados quais emanam, às sentenças proferidas no exterior, seja pela extensão dos efeitos da sentença ao território, seja pela atribuição à sentença de efeitos idênticos aos quais teria uma decisão nacional de conteúdo igual.88

Nesse sentido, a referida homologação de sentença é uma aplicação indireta da lei estrangeira, uma vez que a aplicação do direito estrangeiro se deu na própria jurisdição do local, e não internamente, onde se pretende fazer executar a sentença – lembra-se que a aplicação do direito estrangeiro pode ser empregada pelo juiz do foro, na composição da lide de outro país (aplicação direta) ou pela execução de sentença proferida pela justiça estrangeira, pendente de homologação no primeiro (aplicação indireta).89

Assim sendo, deduz-se que as sentenças estrangeiras não guardam estrita relação com qualquer órgão internacional, dependendo, apenas, do relacionamento direto entre os órgãos jurisdicionais dos Estados em que foram prolatadas e

87 Diz-se ser a homologação de sentenças estrangeiras decorrente de uma cooperação horizontal

uma vez que, entre os judiciários dos Estados, não há uma sobreposição de poderes e/ou valores, estando todos eles em um mesmo patamar.

88 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. O Tribunal Penal Internacional e a garantia dos direitos humanos.

Revista Diálogo & Debates da Escola Paulista da Magistratura (EPM), São Paulo, v.7, n.1, p.20-21, 2006.

daqueles que dependem para a sua eficácia. Segundo sua conceituação, avaliam-se as sentenças estrangeiras90:

A sentença estrangeira é considerada apenas como fato perante sistemas jurídicos que não lhe admitem qualquer efeito enquanto manifestação jurisdicional, sendo, portanto, inútil um procedimento judicial destinado a sua homologação. Por outro lado, em face daqueles sistemas jurídicos nacionais em que a revisão de mérito é condição de validade para a sentença estrangeira ou ainda quando sua aceitação e reconhecimento dependem de reciprocidade, a decisão estrangeira é ato jurisdicional de eficácia reduzida, na medida em que seus efeitos dependerão diretamente de uma nova sentença a ser prolatada no foro nacional. Já naqueles sistemas jurídicos em que a sentença está sujeita a uma revisão parcial ou a um mero procedimento delibatório, a decisão estrangeira é ato jurisdicional, ou um

equivalente jurisdicional, como define Carneluti, pois atinge fim idêntico ao

objetivado pela função jurisdicional.91

Diz-se, ainda, que a homologação tende a solver e amparar as relações privadas e respeitar a ordem pública, a soberania e os bons costumes do Estado em que se requer essa primeira.

Diferentemente das sentenças estrangeiras, as sentenças internacionais advêm de Cortes internacionais, cujas quais um Estado submete-se, em plano internacional, materializando, de tal forma, uma cooperação vertical.92 De tal maneira, as sentenças

internacionais podem assim ser conceituadas:

Sentenças internacionais são atos judiciais emanados de organismos judiciários internacionais de cuja formação o Estado participou com o produto de sua vontade, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso do TPI, seja porque, mediante acordo especial, concordou em submeter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça. O Estado tem a faculdade de aceitar ou não a jurisdição de um tribunal internacional, mas se aceitou, mediante declaração formal, como se verifica com o caso do TPI, o país está obrigado a dar cumprimento à decisão que vier ser proferida, sob pena de responsabilidade internacional.93

90 Outra conceituação é aquela proposta por José Carlos Barbosa Moreira, a qual diz que a sentença

estrangeira seria toda decisão, seja qual for sua natureza (declaratória, constitutiva, condenatória ou outra porventura doutrinariamente admitida), que tenha conteúdo de julgamento.

91 HUCK, Hermes Marcelo. Sentenças estrangeiras e "lex mercatoria": horizontes do comércio

internacional. São Paulo: Saraiva, 1994. p.23.

92 A cooperação vertical é determinada segundo um quadro onde um Estado compartilha parte de

sua soberania e submete-se a um organismo internacional em prol de um bem comum, sendo que, quase que na totalidade dos casos, em prol da proteção e efetivação dos direitos humanos.

Nesse momento, importante vem a ser entendido que tais organismos internacionais, capazes de condenarem os Estados no referido plano, propõem seus entendimentos por intermédio de sentenças internacionais que, além de sua denominação, não guardam qualquer semelhança com sentenças estrangeiras, a não ser pelo fato de ambas serem o instrumento de uma decisão, ou seja, uma sentença. No que tange ao comprometimento dos Estados em plano internacional, precisa-se que:

Ressalta-se que o exercício desta jurisdição internacional baseia-se em ato de liberdade do Estado aderente em relação a sua soberania, pois a jurisdição é um atributo da soberania e o Estado aderente, manifestando-se soberanamente no âmbito internacional, passa uma parcela dessa soberania para a entidade supranacional, que passa a dispor de jurisdição sobre o próprio Estado, mas não deixa de exercer sua vontade de aplicar a lei e de julgar de acordo com o conjunto de leis acordadas.94

De acordo com o que se prevê sobre sentenças internacionais, cabe ressaltar que o procedimento não depende de homologação95, uma vez que os organismos

internacionais detêm jurisdição sobre o próprio Estado – segundo a vontade expressa deste –, sendo que, este último, deve vir a respeitar suas condenações, sob pena de responsabilização internacional.

Cabe ressaltar, ainda, que em território nacional, o próprio Superior Tribunal de Justiça já determinou, expressamente, que sentenças estrangeiras não se confundem com sentenças internacionais, quando o então Ministro Francisco Falcão, especificou que:

A Corte Internacional não profere decisão que se subsuma ao conceito de "sentença estrangeira", visto que é órgão supranacional. [...] A CPIJ, assim como a Corte Internacional de Justiça, não são cortes ou tribunais estrangeiros, cujos julgamentos não são decisões judiciais ou sentenças estrangeiras que requeiram qualquer tipo de exequatur ou homologação.96

94 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. O Tribunal Penal Internacional e a garantia dos direitos humanos, p.21. 95 Debate-se que, no caso brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), não possui compet^neica

para homologar sentenças proferidas por tribunais internacionais, uma vez que estes decidem acima das instâncias soberanas estatais, tendo jurisdição sobre o próprio Estado, uma vez que este reconheceu a por liberalidade própria, jurisdição daqueles tribunais internacionais.

96 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. SEC 2707/NL, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Corte

Documenta-se, ainda, que no que tange a organismos que tendem a condenar os Estados, em plano internacional, quando da violação de um determinado direito do rol dos direitos humanos – caso, obviamente, os Estados tenham reconhecido suas jurisdições –, então se está diante de uma sentença internacional. Especificamente a este trabalho, pontua-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos produz, para efeitos nacionais, sentença internacionais passíveis de responsabilização internacional ao Brasil.

Nesse momento, passa-se à análise de alguns aspectos dos direitos humanos para que seja possível o entendimento de seus sistemas de proteção e, para que se compreenda, após, o caso específico brasileiro.

CAPÍTULO 2