• Nenhum resultado encontrado

ialane monique vieira dos santos , patrícia baier krepsky , maria de lourdes freitas fontes

saúde mental em unidade de saúde da família

96 ialane monique vieira dos santos , patrícia baier krepsky , maria de lourdes freitas fontes

contexto social, excluindo-o de sua própria humanidade, sujeitando-o a humi- lhações e mortificações, produzindo intenso sofrimento mental ao invés de pro- cessos terapêuticos. (BASAGLIA, 2001) A institucionalização da “loucura” no modelo asilar é, em essência, também contraditória: exclui-se para incluir, ou seja, na tentativa de curar, acentua-se o sofrimento mental ao invés de aliviar. (AMARANTE, 2010) Diante dos modos de abordar e vivenciar a doença men- tal, fica evidente que o problema maior não é a doença em si, mas sim as relações as quais se estabelecem com a mesma, que, geralmente, assumem um sentido estigmatizante e a perda de valor social. (BASAGLIA, 2001)

O processo de reforma psiquiátrica é um movimento com influência das ideias da psiquiatria democrática em comunidade terapêutica de Franco Basa- glia. Além disso, a reforma psiquiátrica brasileira teve uma íntima relação com os ideais do movimento pela reforma sanitária, a qual levou à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), visando a reorientação do modelo de atenção também aos portadores de sofrimento mental.

O Programa de Saúde da Família (PSF), constituído com o objetivo de forta- lecer os princípios do SUS de universalidade, equidade e integralidade na aten- ção básica, promovendo recuperação, prevenção e promoção em saúde, apre- senta-se como instância apropriada para o acolhimento das pessoas em sofri- mento mental e democratização dos conhecimentos acerca do processo saúde- -doença, dos direitos de saúde e de cidadania. O programa faz parte da rede de atenção à saúde mental, contribuindo para a consolidação da reforma psiquiá- trica, pois visa a atenção centrada na família em seu contexto social, com am- pliação das práticas de atenção, compreensão do processo saúde-doença que pretende ultrapassar as práticas curativas.

Embora atualmente haja uma desvalorização do trabalho no PSF e desarticu- lação entre os diferentes níveis de atenção, o programa apresenta grande potencial de promoção da saúde, pois se configura como uma atenção continuada e holística, com possibilidades amplas de compreensão das necessidades dos usuários. Meta- foricamente podemos dizer que o PSF assemelha-se a um filme em comparação a atenção hospitalar, que, por sua vez, assemelha-se a uma fotografia por ser pontual centrada no momento do sujeito isolado do seu contexto social. (CUNHA, 2005; FRANCO et al., 2007) Pode-se considerar que uma das demandas da Atenção Bá- sica, no caso do PSF, seria acolher as pessoas em sofrimento mental de modo hu- manizado, promovendo sua inclusão na família e comunidade, e as encaminhar para outras unidades de saúde da rede de saúde mental quando necessário.

loucosporcinema 97

Basaglia (2001) argumenta a forte necessidade de negar e descristalizar os modos de violência, opressão e institucionalização do corpo e da vida das pes- soas em sofrimento mental, para a criação da corresponsabilização, indo em direção a uma atitude ética e política. Além disso, o autor defende a necessida- de de se enfrentar dialeticamente as contradições inerentes às relações sociais ao invés de ignorá-las, encobri-las, ou encarcerá-las na tentativa de mostrar um mundo ideal. Todavia, a dialética só pode existir quando há diversidade de pos- sibilidades, caso contrário, o doente torna-se prisioneiro do território psiqui- átrico e do mundo externo, aderindo a ordens preestabelecidas por códigos e rótulos os quais pretendem representar o normal e o patológico. A rede de cui- dados em saúde mental visa contribuir para inclusão da diversidade.

Diante disso, é necessária a presença de atores que possam protagonizar ações rumo à produção de novos sentidos para as ações de saúde, assim como múltiplas ferramentas conceituais e operacionais, transdisciplinares, centradas no usuário e suas necessidades, inclusive de autonomia e direito a singularidade e a ser diferente. (FRANCO et al., 2007)

Os lugares de atenção à pessoa em sofrimento mental devem ser lugares de acolhimento, vínculo de confiança, de troca e construção da subjetividade, no próprio território, usando os recursos da própria comunidade. (AMARANTE, 2007) Como ainda existe no imaginário dos familiares e da comunidade a ideia de exclusão da pessoa em sofrimento mental, de sua incapacidade de relação com o outro, ações de sensibilização para os princípios da reforma psiquiátrica precisam estar presentes em unidades de Atenção Básica, quando se deseja con- tribuir para o fortalecimento da reforma visando qualidade de vida e autonomia possível aos portadores de transtornos mentais.

A sociedade busca produzir sentidos em torno das vivências que passam a ser uma representação coletiva quando compartilhadas. (AMARANTE, 2007) Assim, a psiquiatria contribuiu muito para a representação da “loucura” como perigosa. Da mesma forma como o estigma foi construído coletivamente, é co- letivamente que se deve buscar modos de rompimento com a lógica de exclusão do portador de sofrimento mental. O recurso proposto para tal foi a exibição de filmes os quais abordam o tema sofrimento mental de diferentes formas, segui- da de discussão sobre as impressões causadas nos participantes.

Consideramos que a maneira como a pessoa em sofrimento mental é rece- bida nos dispositivos de saúde, vista e entendida pela comunidade, colabora, ou não, para a consolidação da reforma psiquiátrica e para o prolongamento do

98 ialanemoniquevieiradossantos, patríciabaierkrepsky, mariadelourdesfreitasfontes

modelo manicomial e hospitalocêntrico. Na tentativa de contribuir para a inclu- são social e promover a aceitação e o respeito à pessoa em sofrimento mental, organizamos encontros mensais na área de abrangência de uma unidade de saú- de da família de Vitória da Conquista – BA, para discussão de filmes temáticos relacionados à inserção social da pessoa em sofrimento mental.