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REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS): TECENDO OS FIOS TEÓRICOS

tecendo fios e construindo as redes de cuidado no SUS

REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS): TECENDO OS FIOS TEÓRICOS

A organização de redes de atenção à saúde sustenta-se na necessidade de res- ponder as demandas complexas de saúde dos brasileiros, as quais envolvem uma tripla carga de doenças manifestada em condições agudas, carecem de res- postas rápidas e reativas, condições crônicas e doenças transmissíveis de curso longo que, por sua vez, precisam de cuidados prolongados e contínuos, além de problemas relacionados à pobreza, ao estilo de vida e aos agravos decorrentes das causas externas, que necessitam de intervenções intersetoriais. (MENDES, 2010; BRASIL, 2010)

A defesa de um sistema de saúde organizado em redes justifica-se por existir um rompimento na coerência entre a situação de saúde da população, nos que- sitos demográficos e epidemiológicos, e as respostas de enfrentamento apre- sentadas pelos modelos de atenção à saúde, em escala global, que estão “volta- dos para atenção às condições agudas e às agudizações de condições crônicas” (MENDES, 2010, p. 2299), resultando em sistemas fragmentados.

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPS)1 destaca a problemática

dos sistemas fragmentados, apontando que:

1 The fragmentation of health service provision systems is the coexistence of several non-integrated units or establishments within a care network. The presence of numerous health agents operating in a disintegrated manner does not allow adequate regulation of content, quality and cost of care and lea-

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A fragmentação dos sistemas de provisão de serviços de saúde é a coe- xistência de várias unidades ou estabelecimentos não integrados dentro de uma rede assistencial. A presença de numerosos agentes de saúde que operam em forma desintegrada não permite a adequada normatização dos conteúdos, a qualidade e o custo da atenção e conduz a formação de redes de prestação de serviços que não funcionam de maneira coordena- da, coerente ou sinérgica, além disso, tendem a ignorar-se ou competir entre si, o que gera aumento dos custos de transação e promove alocação ineficiente de recursos no sistema como um todo. (OPS, 2007, p. 319, tradução nossa)

Além disso, mesmo a fragmentação não pode ser compreendida como um fenômeno possível de apreensão e de natureza única, pois, na prática, apresen- ta-se com distintas nuances a depender do amadurecimento político-institucio- nal, bem como da estrutura analisada. Assim, para Mendes (2001, p. 73), a frag- mentação pode se dar em quatro dimensões:

A fragmentação da atenção à saúde, onde cada ponto de atenção é uma peça solta de um quebra-cabeça; a fragmentação entre sistemas clínicos e os sistemas administrativos; a fragmentação entre o sistema de servi- ços de saúde e de assistência social e a fragmentação entre o sistema de serviços de saúde e outros sistemas econômicos e sociais.

As RAS, por conseguinte, são estratégias organizacionais de políticas de saúde para enfrentar e superar a fragmentação dos sistemas de serviços de saú- de. Portanto, a necessidade de superação de problemas oriundos à fragmenta- ção deu origem às propostas de redes de atenção à saúde que, numa vertente mais instrumental, ou seja, na perspectiva da estrutura da organização de ser- viços, ancoram-se na literatura e no debate internacional sob o manto genéri- co dos sistemas integrados (integrated care). Contudo, tal perspectiva represen- ta modelagens diversificadas as quais se assemelham nas estratégias utilizadas e nos arranjos organizacionais resultantes, mas que se distinguem no campo ideológico, a depender da natureza do sistema de proteção social (KUSCH- NIR; CHORNY, 204) e, sobretudo, dos sujeitos (stakeholders) envolvidos no

ds to the formation of networks that provide services that do not function in a coordinated, coherent or synergistic way, moreover , tend to ignore or compete with each other, which increases transaction costs and promotes inefficient allocation of resources in the system as a whole. (OPS, 2007).

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contexto e que desafiam toda “racionalidade gerencial contemporânea”. (CAM- POS, 2010, 2009, 2000) Para Campos (2000, p. 26), a “Racionalidade Geren- cial Hegemônica vale-se de métodos disciplinares e de controle que, em nome da produtividade e da concorrência, procuram instituir distintas expectativas quanto a felicidade, a realização pessoal e o acesso ao poder”.

Nessa óptica, a concepção das RAS apresentada neste capítulo coaduna com Mendes (2008, p. 6), no sentido de que:

São organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vin- culados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela Atenção Primária à Saúde (APS) – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa e de forma humanizada –, e com responsabilidades sanitárias e econômicas por esta população.

Segundo Mendes (2010), as redes de atenção à saúde possuem como ele- mentos constitutivos, a população, a estrutura operacional e o modelo de atenção. Para o autor, a população é o elemento central à rede, portanto, suas necessidades sociossanitárias devem ser conhecidas e mapeadas na forma de territórios sanitários (território-processo), sob a responsabilidade da APS. A estrutura operacional, por sua vez, é representada por cinco componentes: 1) A APS (o centro de comunicação); 2) outros níveis de densidade tecnológi- ca (secundário e terciário); 3) os sistemas de apoio; 4) os sistemas logísticos; e 5) sistema de governança. Por fim, o modelo de atenção é a racionalidade sis- têmica que estampa a modelagem da rede, incidindo e sendo incidida dialeti- camente nos/pelos planos político, ideológico e cognitivo-tecnológico.

Nesse sentido, entende-se que o modelo de atenção é político posto que envolve distintos atores sociais em situação, portadores de diferentes projetos devendo, para hegemonizar-se, acumular capital político. Por outro lado, tem, também, uma dimensão ideológica, uma vez que ao se estruturar na lógica da atenção às necessidades de saúde da população, implicitamente opta por nova concepção de saúde-doença e por novo paradigma sanitário, cuja implantação tem nítido caráter de mudança cultural. E, finalmente, o modelo apresenta uma dimensão cognitivo-tecnológica que exige a produção e utilização de conheci- mentos e técnicas coerentes com os supostos políticos e ideológicos do projeto da produção social da saúde. (MENDES, 1999)

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Ressalta-se, por fim, que as redes de atenção à saúde têm suas origens na década de 1920, no Reino Unido, a partir da concepção dawsoniana de sistemas públicos de saúde (Relatório Dawson). Todavia, essa estratégia toma forma, contemporaneamente, com os sistemas integrados de saúde, uma proposta sur- gida no início dos anos 1990, nos Estados Unidos. Isso significa que foi gesta- da modernamente no ambiente de um sistema segmentado, com hegemonia do setor privado. Dos Estados Unidos foi levada, com as adaptações necessárias, a sistemas de saúde públicos e privados de outros países. (MENDES, 2007)

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