contribuições para a formação em Saúde
REFLEXÕES FINAIS: O APRENDIZADO “REAL” A PARTIR DO “TRABALHO REAL”
A atuação sobre o território, a partir de sua concepção processual, constitui um dos pilares da ESF, devendo ser uma prática incentivada no processo de forma- ção e gestão em saúde na APS. É possível concluir que essa experiência reitera a necessidade de reflexão acerca das práticas, estratégias e ações de saúde em uma práxis local contextualizada, consonante às necessidades do território, a qual fa-
vorece a resolutividade das ações em uma equipe multiprofissional, capazes de
impactar nos determinantes sociais do processo saúde doença.
A deficiência ou inexistência de estrutura básica, como saneamento básico e abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos do- miciliares, têm impacto direto na saúde da população, revelando a necessidade dos gestores e profissionais de saúde em visualizar novas estratégias que inclu- am o mapeamento territorial, de fato, como diretriz contínua aliada às ações lo- cais no cotidiano dos serviços de saúde.
As informações levantadas por meio das visitas familiares para cadastra- mento das famílias servem para análise das situações de saúde, condições de moradia, educação do indivíduo, da família e da comunidade. É imprescindível ressaltar que as informações coletadas avaliam apenas o trabalho realizado com a população cadastrada. Contudo, esse resultado aponta que o levantamento
o “olhar” multidisciplinarre(conhecendo)possibilidadesenecessidadesdoterritório 139
dessas informações deve atingir a parcela da população ainda descoberta pela unidade de saúde e não contabilizada pela USF, ampliando a população adstrita e o acesso e utilização da população ao serviço.
Quanto à formação em saúde, ao percorrer o território “vivo”, identifican- do as fragilidades e potencialidades, e mapeando os pontos críticos em discus- sões multidisciplinares, os discentes puderam ampliar o foco de atenção que passa a ser o indivíduo inserido na coletividade dos espaços sociais, no con- texto familiar e em seu ambiente físico e social, por meio de um aprendizado significativo2. O resultado dessa experiência permitiu aos discentes dos diver-
sos cursos de graduação em saúde um aprendizado sobre o trabalho em equipe multiprofissional, considerando a lógica de atuação das equipes na identifica- ção de características sociais e epidemiológicas do território, os determinantes sociais em saúde, propiciando uma valorização do processo de trabalho como espaço de aprendizagem, a superação da dicotomia entre teoria e prática e a or- ganicidade com os princípios do SUS e da APS.
Sensibilizados pela atuação da equipe multiprofissional, do farmacêutico com seu olhar para o uso racional de medicamentos e acompanhamento far- macoterapêutico individual e coletivo, do nutricionista para a atenção dietética e a segurança alimentar e nutricional, do psicólogo sobre as relações biopsicos- sociais, do médico generalista e do enfermeiro no cuidado direto ao paciente e gestão de ações e serviços, os estudantes (re)conheceram as práticas desenvol- vidas, que visam, através da flexibilização das competências profissionais, pro- porcionar uma ação integral das necessidades em saúde da população conside- rando os atos de fala, escuta, vínculo e negociação e ressignificando a constru- ção dos saberes por meio do ato compartilhado.
A experiência permitiu a ampliação do olhar dos discentes, e a percepção de que o território, na práxis da APS, precisa ser desvelado pelos profissionais e comunidades além dos limites das áreas adscritas e dos problemas emergenciais os quais alteram a vida das pessoas.
A identificação de duas microáreas com situações distintas, sensibilizou a equipe da USF quanto à obrigatoriedade do embasamento das ações e das 2 A teoria da aprendizagem de Ausubel (1982) propõe que os conhecimentos prévios dos alunos se-
jam valorizados, para que possam construir estruturas mentais utilizando como meio mapas concei- tuais os quais permitem descobrir e redescobrir outros conhecimentos, caracterizando, assim, uma aprendizagem prazerosa e eficaz.
140 níliaprado, etnasilva, rebecaaguilar, amandalima, hellenmarinho, jéssikareis
intervenções necessárias ao cuidado à saúde, mediando às ações com informa- ções advindas de um melhor diagnóstico da situação de saúde nos territórios cobertos pela ESF. Essa situação evidenciou a necessidade de reaproximação e organização das práticas embasadas pelas necessidades sociais em saúde, com a inserção de discussões de análise de situação do território nos conselhos lo- cais de saúde, apontando para a possibilidade futura de uma maior equidade das ações no sistema local.
Vale destacar outros aspectos que apresentam relevância para reflexão, são eles: 1) o planejamento das ações em saúde, realizados com o apoio das fichas da Atenção Básica, são voltados apenas para grupos prioritários (hipertensos, dia- béticos, gestantes, crianças, mulheres em idade fértil e população idosa, dentre outros), os adolescentes e homens jovens em idade adulta não eram incluídos, no período que o estudo foi realizado; 2) as estratégias para a melhor condução dos sistemas locais de saúde terão que se adequar, necessariamente, às diferen- ças ambientais, físicas, geográficas em um mesmo território, pois não existe um padrão único e imutável; 3) para atuar junto à diversidade de grupos populacio- nais, faz-se necessário o reconhecimento dos seus contextos de vida por meio de processos de territorialização, o qual permite identificar as singularidades da vida social, observando os usos e as diferentes apropriações do território e entendendo a comunidade de forma holística; 4) avaliar alternativas para a su- peração dos processos contribuintes para a insuficiência das práticas da APS, a despeito da inclusão da avaliação das ações em saúde realizadas pela USF, com a inclusão, nos formulários oficiais, de variáveis referentes ao acesso e utilização dos serviços pelos usuários, que influenciam na organização e planejamento es- tratégico da ESF e do Nasf.
Pode ser apontada, como limitação desta análise, a inclusão de apenas duas microáreas. Recomenda-se que este estudo seja ampliado com uma amostra mais robusta, a qual permita extrapolações mais significativas (estatisticamente) a outras populações. Contudo, os aspectos discutidos aqui permitem reflexões importantes para os gestores locais e contribuem com a reflexão acerca do pro- cesso de formação em saúde das Instituições de Ensino Superior (IES).
Nesse sentido, essa vivência permitiu aos discentes a compreensão integral da prática multiprofissional de saúde no SUS, e o entendimento de que esta não está concentrada somente nos conhecimentos técnicos específicos de sua área de formação, mas requer uma dimensão transdisciplinar e uma atitude crítico- -reflexivo, com valorização dos diversos saberes e práticas na perspectiva de
o “olhar” multidisciplinarre(conhecendo)possibilidadesenecessidadesdoterritório 141
uma abordagem integral e resolutiva, indicando a importância da reorientação da formação em saúde, referente à articulação precoce entre o ensino e a práti- ca profissional na área da saúde, e a imperiosidade de que o ensino no lócus da APS esteja presente, com inserções significativas de aprendizado real e a partir do trabalho.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, D. M. C. et al. Análise do território nos estudos em atenção primária e saúde ambiental: uma revisão bibliográfica. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 37, n. 1, 2013.
AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.
BARCELLOS, C.; PEREIRA, M. P. B. O território no programa saúde da família. HYGEIA Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, Uberlândia, v. 2, n. 2, p. 47-55, jun. 2006. BEZERRA, A.C.V. A consolidação das ações de campo da vigilância em saúde ambiental: heranças e desafios à territorialização. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.
BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 11. ed. São Paulo: Papirus, 2011. BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: BETRAN, 1998.
BOURDIEU, P. Pierre Bourdieu entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordenação de Saúde da Comunidade. Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília, DF, 1997.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. 4. ed. Brasília, DF, 2007.
FERNANDES, D. Território e Territorialidade: algumas contribuições de Raffestin. Perspectivas em Políticas Públicas, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 59-68 ,jul./dez. 2009.
142 níliaprado, etnasilva, rebecaaguilar, amandalima, hellenmarinho, jéssikareis
FRANCO, T. B.; MERHY, E. E. Programa de Saúde da Família (PSF): Contradições de um Programa Destinado à Mudança do Modelo Tecnoassistencial. In: MERHY, E. E. et al. (Org.). O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: Hucitec, 2003.
GIL, C. R. R. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades no contexto brasileiro. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, pp. 1171-1181, jan./jun. 2006.
GOLDSTEIN, R. A. et al. A experiência de mapeamento participativo para a construção de uma alternativa cartográfica para a ESF. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 1, p. 45-56, jan. 2013
IIZUKA, E. S.; GONCALVES-DIAS, S. L. F.; AGUERRE, P. Reflexões sobre o desenvolvimento territorial sustentável, gestão social e cidadania deliberativa: o caso da bacia do rio Almada (BA). Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 46, n. 6, 2012. MERHY, E.E. A perda da dimensão cuidadora na produção de saúde: uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: CAMPOS, C.R. (Ed.). Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998.
MERHY, E. E. Em busca de ferramentas analisadoras das tecnologias em saúde: a informação e o dia a dia de um serviço, interrogando e gerindo trabalho em saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (Org.). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; 1997.
MONKEN, M. et al. O território na saúde: construindo referências para análises em saúde e ambiente. In: MIRANDA, A.C. et al. Território, ambiente e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.
MULLER, T. M. P.; QUEIROZ, P. P. Território: perspectivas atuais. Revista da ABPN. Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), v. 3, n. 6, 2012.
PAIM, J. S. Desafios para a saúde coletiva no século XXI. Salvador: EDUFBA, 2006. PESSOA, V. M. et al. Sentidos e métodos de territorialização na atenção primária à saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 8, p. 2253-2262, ago. 2013. ROSELLINE, A. P. L. et al. Territorialização: base para a organização e planejamento em saúde. In: OHARA, E. C. C.; SAITO, R. X. S. Saúde da família: considerações teóricas e aplicabilidade. São Paulo: Martinari, 2008.
143
JOSÉ ANDRADE LOUZADO, MÔNICA VIERA SILVA ACHY,
ARINA ARIADNE FREIRE CARVALHO, ERIC SANTOS ALMEIDA, JÉSSICA NUNES MORENO, PATRÍCIA SERRA DOS REIS RIOS, YANNA ANDRADE FERRAZ
INTRODUÇÃO
A Educação Permanente em Saúde (EPS) é um conceito pedagógico no setor de saúde, o qual estabelece a relação entre ensino, ações e serviço, e entre docência e atenção à saúde, baseado na relação aprendizagem-trabalho, e tem como obje- tivo transformar as práticas dos profissionais e a gestão do cuidado para quali- ficar o sistema de saúde. A EPS promove processos formativos tomando como referência os problemas enfrentados no cotidiano do trabalho, e desenvolve so- luções com base nos conhecimentos e experiências adquiridas.
De acordo com a Portaria nº 1.996, a condução da Política Nacional da Edu- cação Permanente se dá por meio dos Colegiados de Gestão Regional (CGRs), com a participação das Comissões Permanentes de Integração Ensino-Servi- ço (Cies). O primeiro tem como função a formulação, condução e desenvolvi- mento dessa Política, enquanto o segundo tem como papel articular instituições