• Nenhum resultado encontrado

Interacções sócio-culturais

No documento MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DA COSTA (páginas 174-181)

5.2. Dimensão sócio-cultural do pensamento visual-espacial

5.2.4. Interacções sócio-culturais

Para tentar discernir a evolução das interacções sócio-culturais vividas pelos alunos nas duas díades durante a execução da tarefa flor e a respectiva afectação aos modos de pensamento visual-espacial desses alunos, fomos examinar as transcrições para cada grupo das respostas à referida tarefa. O Quadro 5.1 querem disso mesmo dar conta. Debruçar-me-ei

em particular sobre duas sequências de interacções que ocorreram: a primeira com os alunos do grupo 1 que autonomamente executaram a tarefa e a segunda com os alunos do grupo 2 onde foi necessária a intervenção da investigadora. Com esta escolha de interacções, parece que podemos examinar ocorrências importantes para o estudo. Para não sobrecarregar este texto, decidi incluir nesta secção apenas interpretações das sequências de interacções observadas. Uma versão mais detalhada dos momentos aqui referidos encontramos no Apêndice B.

O Quadro 5.1 representa a evolução das interacções entre os alunos do grupo 1, as quais fizeram com que estes conseguissem viver os vários modos de pensamento visual- espacial que provavelmente não o fariam se cada um trabalhasse sozinho. O micromundo Tarta apoiou nestes alunos a construção interna dos significados relacionados com os movimentos rígidos que podiam movimentar o Tarta.

Vejamos detalhadamente que no momento 1, as regras de trabalhar em grupo não funcionam, os dois alunos trabalham cada um por si, depois as interacções entre eles foram sendo gradualmente feitas e cada aluno teve oportunidade de actuar na ZDP do outro, pelo menos uma vez, fazendo com que esse outro vivesse o modo PVMM (momento 2 e momento 4). Repare-se que no momento 2, o Delfim vivia o modo PVP e com a sua actuação provocou que o Abel começasse uma vivência do modo PVMM. No momento 3, o Delfim faz tudo o que o colega manda e parece que não pensa por si, contudo o Abel, para o poder ajudar, envolve-se no modo de pensar PVR. Podemos ainda dizer que o pensar de Abel envolveu a sequência PVMM→PVR (parágrafo 53). Se agora olharmos um pouco mais para o excerto seguinte da transcrição, referente ao momento 4:

(Delfim tecla o que o colega lhe mandou, db e apareceu uma nova construção T16.)

54 Abel: apa.

55 Delfim: apa (indicando com o dedo que estava a perceber). Agora sou eu que faço.

(Delfim fez a construção T17).

reparamos que O Delfim vive o modo PVP e as palavras pronunciadas pelo Abel (que vive o modo PVMM) juntas com a imagem dada pelo micromundo Tarta provocam no Delfim uma mudança no seu pensar. Assim, este excerto evidência a sequência de pensamento PVP → PVMM (ligação 1, ver 4.2) para o Delfim. Depois as regras no grupo, para se usar o

micromundo Tarta, mudam também porque os alunos a partir dessa altura trabalham em cooperação, momento 5. No momento 6, cada aluno vive o modo de pensamento visual- espacial adequado às exigências da tarefa, significados são partilhados, os comandos do micromundo Tarta já estão relembrados, coordenações podem ser feitas. O TARTA medeia o pensamento visual-espacial dos dois alunos.

Quadro 5.1. Interacções entre um par de alunos do grupo 1.

Modos de pensamento visual-espacial Momentos Descrições Abel Delfim §§ 1 Alunos isolados

Os alunos trabalham cada um por si, disputam o teclado. Gozam de igual autoridade no grupo. PVP, PVMM PVP, PVMM 1-36 2 Acções mediadas sobre o ZDP do Abel

O micromundo e o Delfim são mediadores no pensamento de Abel e actuam na ZDP do Abel.

PVMM PVP 36-37

3 Fenómenos de ventriloquismo

Abel pensa e diz (autoridade de Abel) e Delfim faz ventriloquismo.

PVMM e PVR § 53 PVP 38-54 4 Delfim adquire autoridade

Micromundo Tarta e Abel actuam na

ZDP de Delfim

PVMM PVMM 55

5 Partilha de significados

Os dois alunos começam a trabalhar em grupo. já estão desenhadas. À vez, um pensa e dita e o outro executa. A autoridade de Delfim aumenta, mas ainda precisa da concordância do Abel.

PVMM PVMM 57-71

6 Os alunos sentem-se com igual autoridade

Os alunos distribuem entre si partes da tarefa, sentem-se em pé de igualdade, têm a mesma autoridade.

PVMM PVMM 72-80

O pensamento visual-espacial que ocorreu nas mentes dos alunos do primeiro grupo foi socialmente vivido e os modos de pensamento visual-espacial residentes nos alunos nem sempre foram os mesmos. Por exemplo, nos parágrafos 36 a 54 das transcrições, Quadro 5.1,

os dois alunos viveram modos de pensamento visual-espacial diferentes: o Abel o modo PVMM e o Delfim o modo PVP. A partir do parágrafo 56, Quadro 5.1, verifica-se que nos dois alunos existia um mesmo modo de pensar visual-espacial, ligado à manipulação mental de imagens, modo PVMM.

Consideremos agora como as interacções sócio-culturais foram vividas no grupo 2, durante a execução da tarefa flor (Quadro 5.2). Os alunos do grupo 2 depararam-se muitas vezes com obstáculos, só os ultrapassaram com o auxílio da investigadora. As dificuldades tinham a ver com a tradução de esquemas geométricos, de esquemas de acção em linguagem do micromundo, bem como com a capacidade de estruturação espacial e a capacidade de fazer antecipações. A interacção social no grupo pareceu fazer-se segundo uma sequência na qual às interacções entre os dois alunos se seguia a intervenção da investigadora para os ajudar.

No momento 1, os alunos param porque tinham dificuldade em manipular mentalmente imagens, eles não identificam o movimento adequado (rodar). Na momento 2, a investigadora, através da manipulação de um Tarta de papel, pretende que eles se apercebam dos movimentos (modo PVP) e depois antecipem imagens (modo PVMM). Reparemos com pormenor neste excerto da respectiva transcrição:

1 Inv: Aqui está um Tarta. O Tarta estava assim (manipula o Tarta de papel, pára). Por onde vais começar a tua figura?

2 Edgar: Esta (aponta um Tarta).

3 Inv: Esta? Aqui por cima? Então pronto. Então por cima... se calhar é melhor começares pela orelha? Como quizeres ... Se começares pela orelha, depois vais fazer aqui para baixo.(Compara apontando com o dedo, o Tarta da figura da folha com o que está no ecrã e

faz o movimento rodar com a mão, no ecrã, para mostrar como o Tarta se deveria movimentar.)

Isto é igual, não é?... Tens assim o teu Tarta (o de papel e manipula-o), primeiro...é melhor fazeres desfaz, (olha para o ecrã e, tecla desfaz, no ecrã aparece a figura R5).

4 Inv: Tu queres pôr o Tarta...Porque orelha queres começar? Começas por esta.

(Os alunos olham para o Tarta que a investigadora aponta)

5 Inv.: Está assim, não está? (manipula o Tarta de papel). Se eu quizer pôr assim (roda a peça ). O que faço?

6 Gil: Rodo

7 Inv: Em torno de que ponto?

8 Gil e Edgar: Este (Apontam o vértice do ângulo recto).

9 Inv: Rodo de quanto? (Roda o Tarta de papel de 90º no sentido do movimento dos ponteiros

10 Edgar: De 90º.

A investigadora começa por fomentar nos alunos o modo PVP através da manipulação do Tarta de papel e do uso de uma metáfora “orelha” tentando assim que os alunos se apercebam dos movimentos e reconheçam o Tarta na figura da folha (parágrafos de 1 a 6). Depois a investigadora tenta fazer com que os alunos antecipem imagens, modo PVMM (parágrafos de 7 a 10). A sua estratégia de intervenção assenta no fazer desenvolver nos alunos o pensar segundo a sequência PVP → PVMM, (ligação 1, ver 4.2). Usa também gestos para guiar e apoiar o pensamento dos alunos em relação às figuras do ecrã. Isso é conseguido (momento 3), mas contudo os alunos ainda não dominam bem as características do TARTA, nem os movimentos e esquecem-se de indicar a linha de viragem, o computador considera uma outra e constroi uma figura que não era a desejada. A investigadora desconhece este problema e vê no écrã uma figura que pode ser continuada para a construção da flor e diz “está bem”, o que contradiz o que os alunos estavam a sentir, momento 4 e orienta-os, a partir do que têm no ecrã na prossecução da tarefa. Os alunos constróiem mais uma figura, mas não a reconhecem na flor, momento 5. Novamente a investigadora intervém, (momento 6) no sentido de fomentar no aluno Edgar a capacidade de estruturação e a manipulação de imagens, mas é ela que vai construindo figuras. A investigadora tenta que o aluno acompanhe o seu pensar e diz e faz e o aluno vê. No momento 7, o Edgar apropria-se do modo de pensar PVMM. Depois (momento 8) a investigadora fomenta nos alunos a manipulação mental de imagens, após eles terem identificado a figura do ecrã na flor. A estratégia de intervenção da investigadora passa novamente pela sequência PVP → PVMM ajudando o Gil a traduzir em linguagem do TARTA o que os três tinham pensado em conjunto.

O processo de mediação do micromundo Tarta neste grupo desenvolveu-se a dois níveis: significados emergiram do envolvimento dos alunos no uso do micromundo, e o processo foi usado pela investigadora para guiar a evolução dos significados dentro do grupo. Repare-se que o pensamento partilhado e a participação guiada foram sendo feitos nas diferentes intervenções da investigadora com os alunos Edgar e Gil, mas isso não era garantia que eles executassem autonomamente a tarefa, se eles não estivessem a viver os mesmos modos de pensar da investigadora (não apropriação dos seus modos de pensar) ou se eles não tivessem competências ligadas à exteriorização desse mesmo pensamento, neste caso, dominassem esquemas de acção ou de programação do TARTA.

Quadro 5.2. Interacções entre alunos do grupo 2 e a investigadora. Modos de pensamento visual-espacial Momentos Descrições Investi- gadora Edgar Gil §§ 1 Alunos iniciam colaboração e experimentam comandos do TARTA

O TARTA medeia a acção e a percepção dos alunos, mas depois ficaram parados.

PVP PVP

2

A investigadora actua como suporte na ZDP dos

alunos

A investigadora manipula um Tarta de papel, faz perguntas e usa gestos. Pretendia gerar significados e fomentar transformações mentais

PVP ↓ PVMM PVP ↓ PVMM PVP ↓ PVMM 1-11 3 Indecisão e ambiguidade

Alunos em colaboração tentam traduzir em linguagem do TARTA, os seus pensares visuais-espaciais de que se tinham apropriado.

Surge um problema e o computador fez algo inesperado.

PVMM PVMM 12-19

4

A investigadora faz perguntas para apoiar a

ZDP dos alunos

A investigadora desconhece o problema que aconteceu e a sua intervenção não é adequada. Põe algumas questões para os orientar.

PVMM PVMM 20-26

5

Colaboração entre os alunos e algumas dificuldades ultrapassadas

O Edgar e o Gil resolvem o problema por tentativa e erro.

Edgar foi exprimindo a sua dinâmica mental.

Continuam a construção.

Não reconhecem a figura construída como parte da flor e não sabem continuar. PVMM PVMM 27-29 30-31 6 Intervenção da investigadora na ZDP do Edgar

A investigadora começando por construir mais um Tarta, faz perguntas por forma a que os alunos identifiquem a parte da flor que está no ecrã, e que antecipem também as

PVP ↓ PVMM

imagens a movimentar. Edgar vai respondendo bem e simultaneamente a investigadora vai construindo uma nova figura.

7

Trabalho isolado do Edgar

O Edgar apropriando-se do modo de pensar expresso pela investigadora constrói mais duas figuras. O micromundo mediou também o pensamento visual-espacial do Edgar.

PVMM 39

8 Intervenção da

investigadora

A investigadora faz perguntas tentando que identificassem a figura na flor.

Ajuda o Gil a traduzir em linguagem do TARTA o que tinham pensado em conjunto. Orienta-os para a manipulação mental de imagens.

PVP ↓ PVMM

PVP PVP 40-45

Em forma de conclusão poderemos afirmar que os modos de pensamento visual- espacial foram fortemente influenciados pela dimensão sócio-cultural nas suas diferentes vertentes. O modo PVMM emerge quando se actua na zona do desenvolvimento proximal e esta pode ser despoletada por um colega que pode ser ou não o mais capaz. A sequência PVP → PVMM esteve presente como estratégia de intervenção da investigadora para a interiorização nos alunos do grupo 2 dos modos de pensamento. Contudo nem artefactos nem a construção social sustentada pelo professor ou par na aula, bastam para fazer com que a interiorização desses modos de pensamento por vezes se faça. Há necessidade de outras competências intrinsecamente ligadas ao modo PVE. Nos alunos do grupo 1 foram evidenciadas duas sequências de modos de pensamento: a sequência PVP → PVMM e a sequência PVMM → PVMR (uma vez no aluno Abel).

Capítulo VI

O desenvolvimento dos ambientes de ensino

Neste capítulo, para satisfazer o segundo objectivo do estudo, serão descritos os itens necessários para o desenvolvimento, implementação e avaliação dos ambientes de ensino: a escolha do domínio de trabalho, o desenvolvimento do micromundo Tarta, o desenvolvimento das sessões de ensino, a sensibilização das professoras aos ambientes de ensino e a análise dos níveis de desenvolvimento geométrico para movimentos elementares manifestados pelos alunos.

No documento MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DA COSTA (páginas 174-181)