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O pensamento visual-espacial resultante da percepção

No documento MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DA COSTA (páginas 106-110)

4.1. Modelo teórico inicial

4.1.1. O pensamento visual-espacial resultante da percepção

O pensamento visual-espacial resultante da percepção (PVP) é o modo mais próximo das sensações, isto é, dos impulsos eléctricos que chegam ao cérebro. É um modo cujas operações intelectuais incidem sobre material perceptivo-sensorial e de memória. Seguindo Rudolf Arnheim (1969) a percepção é um processo cognitivo desencadeado por estímulos, e que é executado consciente ou inconscientemente, voluntária ou automaticamente, quer por centros mais elevados do cérebro quer por meros reflexos. A percepção é aqui entendida como um processo activo, não envolvendo apenas um mero registo do material estímulo que não se esgota na informação recebida através dos sentidos. O material cognitivo torna-se não perceptual no momento em que o pensamento transforma as percepções em concepções.

Vou adoptar a ideia que o pensamento visual-espacial é apoiado por sistemas cerebrais tais como os que foram identificados por Damásio (1994) onde, metaforicamente falando,

existe debaixo da mente consciente, um subterrâneo com diversos níveis. Um desses níveis é composto por imagens inconscientes. Um outro nível é composto por padrões neurais e relações entre padrões neurais que subtendem todas as imagens quer estas eventualmente se tornem conscientes ou não. Um outro nível ainda, está relacionado com a maquinaria neural necessária à manutenção de arquivos de padrões neurais na memória, o tipo de maquinaria que abrange disposições implícitas inatas e adquiridas.

O pensamento visual-espacial resultante da percepção é construído pelo sujeito partindo de estímulos sensoriais e utilizando a informação adquirida com a experiência. Este modo de pensamento envolve experiências de concentração mental, de controlo e experiências de observação. As experiências de observação envolvem percepção e interpretação, dependem da experiência passada, da memória, da motivação, das emoções, da atenção, de mecanismos neuronais individuais, do conhecimento prévio, das verbalizações, de aspectos específicos da nossa cultura e portanto o que vemos depende do que trazemos à situação. Os factores socioculturais dos quais a percepção visual depende não são menos importantes que os factores individuais que condicionam a percepção, são mesmo sentidos a ponto de condicionar o modo de ver de todos os membros de uma mesma cultura. O ocidental, por exemplo, ao contrário do aborígene, consegue ver um mundo tridimensional em representações pictóricas bidimensionais, porque é capaz de descodificar a “perspectiva“ (Calado, 1994). Um desenho e um objecto que ele representa pode gerar imagens diferentes para pessoas diferentes, dependendo da suas experiências, maturidade e cultura; factores sociais e culturais tais como a linguagem, também jogam um papel importante no desenvolvimento dos diferentes níveis ou dimensões da imagem (Sesay, 1993).

O modo de pensamento visual-espacial resultante da percepção usa frequentemente dois tipos de imagens denominadas concretas e de memória, seguindo a classificação de Presmeg (Brown e Presmeg, 1993). Imagem concreta pode ser pensada como “uma figura na mente”, mas que pode não ser a mesma para todos; imagens de memória são as produzidas ao recriar imagens da experiência. Neste modo de pensamento PVP, são também incluídas as imagens de memória que são representações memoriais de informações visuais, ligadas à percepção de movimento, por exemplo, as imagens criadas quando visualmente se verifica a aproximação de veículos, antes de atravessar a rua (Blake, Cepeda e Hiris, 1997). Os processos de pensamento envolvidos neste modo de pensamento visual-espacial estão sintetizados no Quadro 4.2.

Quadro 4.2. Processos mentais do modo de pensamento visual-espacial resultante da percepção.

Modo de pensamento visual-espacial

Processos mentais associados

Pensamento visual- espacial resultante da percepção (PVP).

- Intuições primárias, inferências intuitivas. - Construção visual.

- Re-apresentação e avaliação de imagens. - Reconhecimentos visuais.

- Identificação de objectos, modelos, formação de um “gestalt”, apreensão global de uma configuração geométrica. - Abstracção perceptual e abstracção ligada ao

reconhecimento. - Geração de conceitos.

Os primeiros processos mentais que considero associados ao modo PVP são as intuições. Usando as ideias e a terminologia de Fischbein (1987) que discuti no capítulo II, são aqui incluídas as intuições primárias, aquisições cognitivas que se desenvolvem nos seres humanos duma forma natural, antes e independente do ensino sistemático. Elas estão ligadas, por exemplo, à representatividade do espaço (relacionadas também com os movimentos do nosso corpo e suas partes), a imagens como modelos. Imagens podem injectar propriedades e relações no processo de construção de conceitos, que não pertencem propriamente à estrutura conceptual (pontos como manchas e linhas como tiras) podendo mesmo perturbar o raciocínio. Por exemplo, a aceitação de uma inferência intuitiva está patente quando uma criança vê uma bola, corre atrás dela em concordância com a posição da bola e adapta as suas reacções ao movimento da bola. A criança não só vê a bola a mover-se, mas também espera que continue a mover-se, que continue a existir, que preserve a sua forma e outras propriedades.

A construção visual é um processo mental presente no modo PVP e pode ser ilustrada, por exemplo, quando se “vê” alterações de distância ou de tamanho em ilusões ópticas (ainda que a mente possa saber que a percepção é ilusória), quando nos apercebemos das flutuações figura-fundo em desenhos ambíguos. Olivier Sacks diz que a construção visual dum indivíduo pode ser avaliada de forma objectiva e reproduzível com o “ver” ou “não ver” ilusões ópticas. A incapacidade de um seu paciente que tinha sido invisual até há pouco de “ver” efeitos ópticos ilustra, diz Sacks, que as faculdades celebrais de construção visual daquele paciente eram rudimentares em resultado de quase total ausência de experiências visuais (Sacks, 1996). No modo de pensamento visual-espacial resultante da percepção, a capacidade de construção

visual parece poder envolver outras capacidades como a percepção da figura fundo e a memória visual.

O processo mental de avaliar uma imagem consiste no apresentar novamente a imagem e este acto de re-apresentar, evocar (acto mental que traz uma experiência anterior à consciência do indivíduo) é complexo e subtil (Damásio, 1994; Wheatley e Brown, 1994; Wheatley, 1998). Estas imagens re-apresentadas não são imutáveis, pois podem sofrer mudanças com o tempo. Em muitos casos a imagem representada pode ter sido modificada ou podia ser um protótipo o qual é transformado segundo as exigências dos contextos. A natureza da representação é grandemente influenciada pelas intenções do indivíduo e em muitos casos a imagem re-apresentada pode tornar-se mais elaborada. A avaliação de uma imagem resulta do confronto entre a imagem mental e a imagem real.

A informação que chega até nós através dos olhos está envolvida na percepção visual, a qual segundo Gal e Linchevski (2002) envolve duas fases, a fase de processamento de informação visual que consiste no registar de informação sensorial e a fase do reconhecimento do padrão visual que envolve interpretar formas e objectos. Gal e Linchevski dizem ainda que na primeira fase da percepção visual, formas e objectos são extraídos da cena visual. Para formar o objecto, precisamos de saber “o que é que está relacionado com o quê”. Os objectos organizam-se em grupos de acordo com o conjunto de princípios gestalt de organização: princípio de proximidade (os elementos juntos tendem a organizar-se em unidades); princípio de semelhança (objectos que se assemelham tendem a ser agrupados juntos); princípio da continuidade (percepcionamos melhor linhas que mudam continuamente do que linhas com mudanças bruscas); princípio do fecho e da boa forma (tendemos a ver formas fechadas em vez de abertas e com uma forma regular em vez de irregular) (Wertheimer, 1938). Os gestaltistas também sugerem a lei do destino comum, segundo a qual os elementos visuais que parecem mover-se e tendem a agrupar-se. A maior parte das leis formuladas pela corrente gestaltista foram derivadas do estudo de figuras bidimensionais estáticas (Eysenck e Keane, 2001).

Na segunda fase de percepção visual proposta por Gal e Linchevski, os objectos e formas são reconhecidos. O reconhecimento é o resultado da análise das componentes na qual o objecto foi segmentado em sub-objectos, como resultado do prévio processamento visual da primeira fase. Cada sub-objecto é classificado e quando as peças dos quais o objecto é composto e a sua configuração são determinadas, o objecto é reconhecido como um padrão composto destas peças (Gal e Linchevski, 2002). Assim, a designação dos processos cognitivos no Quadro 4.2, reconhecimentos visuais, identificação de objectos, modelos, formação de um gestalt, apreensão global de uma configuração geométrica seguem as ideias

acima expressas por Gal e Linchevski (2002) onde reconhecimentos visuais pertence à segunda fase da percepção visual enquanto os restantes estão incluídos na primeira fase da percepção visual.

Embora a abstracção assuma formas mais desenvolvidas nos outros modos de pensamento, existem aspectos de abstracção, que podem ser valorizados no modo PVP. Por exemplo: um aspecto básico, perceptual, aquele onde a abstracção isola algo da experiência ou da cena visual, identificando-o e compreendendo-o; um outro aspecto está ligado ao reconhecimento de uma estrutura familiar inerente a uma dada situação. A geração de conceitos é feita quando o reconhecimento de relações e ideias emergem. São fundamentalmente usadas neste modo de pensamento visual-espacial, imagens concretas, imagens de memória e intuições primárias e há grande probabilidade de as imagens dos conceitos a emergir poderem ser incompletas ou incorrectas.

4.1.2. O pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de imagens ou da

No documento MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DA COSTA (páginas 106-110)