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O pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de

No documento MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DA COSTA (páginas 110-116)

4.1. Modelo teórico inicial

4.1.2. O pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de

O modo de pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de imagens ou da construção mental de relações entre imagens (PVMM/PVR) vai abranger diferentes níveis de processamento de imagem, principalmente o prever o resultado da imagem a transformar e o visionar do percurso dessa mesma transformação. Discutirei em conjunto o modo de pensamento visual-espacial resultante da construção mental de relações entre imagens (PVR) e o modo de pensamento visual-espacial (PVMM) resultante da transformação mental de imagens visuais, que envolve a execução de manipulações mentais, pela grande similitude que antevejo entre os processos mentais que lhes estão subjacentes. Referir-me-ei pois apenas ao modo de pensamento PVMM/PVR, não cuidando da distinção entre eles.

O modo de pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de imagens ou construção de relações entre imagens é um fluxo de imagens que foram previstas (pré- vistas) ou transformadas num espaço mental, o espaço mental das transformações. Neste espaço, onde este modo de pensamento se desenvolve, as imagens são mentalmente previstas ou antecipadas, transformadas e comparadas, e ainda planeamentos mentais, construções de relações entre imagens e factos, propriedades sobre representações mentais podem também vir a ser desencadeados por vezes como iluminações súbitas. Incluirei neste modo de pensamento a imagética dinâmica e imagética padrão propostas por Presmeg (Brown e Presmeg, 1993). A imagética dinâmica envolve a capacidade de mover ou transformar uma imagem visual concreta. Imagética padrão é um tipo de imagética em que pormenores

concretos são desprezados e relações puras são apresentadas num esquema visual-espacial. Johnson (1987) usou o termo esquema imagético para descrever uma construção muito semelhante à imagética padrão de Presmeg (Presmeg, 1992).

“Esquemas imagéticos, não são imagens concretas ricas nem figuras mentais. Eles são estruturas que organizam as nossas representações mentais a um nível mais geral e abstracto do que aquele em que formamos imagens mentais particulares” (Johnson, 1987, pp. 23-24).

Este tipo de imagética padrão parece ter sido usado por Einstein que, quando se refere ao seu pensamento científico, menciona “certos sinais e imagens mais ou menos claras que podem ser ´voluntariamente´ reproduzidas e combinadas” (Brown e Presmeg, 1993, citando Hadamard, 1945, p. 142). Einstein usou tal tipo de imagética para executar transformações mentais que forneceram a base para grandes mudanças em compreensão em física e estes processos (procedimentos) permitiram-lhe ir para além do âmbito da experiência perceptual. Owens (sem data), usando o quadro conceptual de Presmeg, mostrou uma criança do pré- primário esticando um quadrado usando aparas de pão para obter um rectângulo “esguio”. Esta criança usou também imagética dinâmica ao prever (mentalmente) o resultado da transformação de um quadrado num rectângulo antes de executar (fisicamente) essa mesma transformação. Segundo Owens (1994) a imagética dinâmica permitiu que ela relacionasse uma imagem para o conceito de quadrado com outra imagem para o conceito de rectângulo. Uma outra criança, por exemplo, construiu o triângulo de tamanho médio, com os pequenos triângulos do puzzle tangram (Owens, sem data) (ver figura 4.1). A criança também usou imagética padrão porque consegue ver uma certa estrutura (triângulo) como composição de outras estruturas.

Fig. 4.1. Composição do triângulo médio do tangram.

O modo de pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de imagens ou construção de relações entre imagens, incorpora a parte do raciocínio transformativo referente à previsão e execução mental de transformações sobre objectos, postulado por Simon (1996). Simon considera, além dos raciocínios indutivo e dedutivo usados para a compreensão e validação de ideias matemáticas, um terceiro tipo de raciocínio, o raciocínio transformativo que é definido como

“uma execução física ou mental de uma operação ou conjunto de operações sobre um objecto ou conjunto de objectos que permite que sejam visionadas as transformações que esses objectos sofrem e o conjunto dos resultados dessas operações. Central para o raciocínio transformativo é a capacidade de considerar, não um estado estático, mas um processo dinâmico pelo qual são gerados um novo estado ou um contínuo de estados” (Simon 1996, p. 201).

Este raciocínio transformativo é apoiado por imagens reprodutoras de transformação e por imagens antecipadoras, termos usados por Piaget e Inhelder e retomados aqui por Simon. Imagens reprodutoras são as que evocam objectos ou acontecimentos já conhecidos e imagens antecipadoras são as que representam por imaginação figural acontecimentos não percepcionados anteriormente, quer se tratasse de movimentos ou transformações ou dos seus fins ou resultados (Piaget e Inhelder, 1977). Piaget e Inhelder ainda discriminaram as imagens reprodutoras em estáticas, cinéticas e de transformação.

O raciocínio transformativo não está restrito ao imaginar de transformações Uma execução física pode ser usada para examinar os resultados de uma transformação. Por exemplo, um estudante que está a explorar a validade da frase “se conheces o perímetro dum rectângulo, conheces a sua área”, podia trabalhar com um pedaço de corda observando o que acontece à área quando torna o rectângulo mais comprido e mais fino. Mas para que o estudante pudesse pensar em modelar o seu problema usando o pedaço da corda era necessário a antecipação mental, isto é, ele sabia, antes de manipular a corda, como modelaria o rectângulo e como iria usar a corda para observar os resultados da operação (Simon, 1996). Um outro exemplo desse raciocínio é quando uma criança usando miolo de pão é capaz de imaginar e construir a letra M e visualizar também a mudança para construir um W, usando agora a simetria horizontal, de uma forma dinâmica (Owens, sem data). As complexidades dos exemplos de raciocínio transformativo variam desde os relativamente triviais aos extremamente poderosos.

O que há de comum entre o raciocínio transformativo prognosticado por Simon e o modo PVMM/PVR é o facto de em ambos se poderem fazer operações mentais ou transformações sobre objectos, as quais podem ser mentalmente visionadas, bem como os seus resultados. Usando a terminologia de Piaget, diríamos que nesta forma de raciocinar podem caber pensamentos muitos complexos e a imagética pode atingir estádios superiores. Por exemplo, geómetras, recorrem a imagens antecipadoras muito elaboradas para “ver” em espaços de dimensão superior ou em espaços com estruturas matemáticas muito afastadas do senso comum.

Mas o modo de pensamento PVMM/PVR não se fica pelo que foi dito anteriormente relativo à sua comunhão com o raciocínio transformativo, onde imagens dinâmicas estão

presentes. Este envolve ainda outras formas como: o planear, o construir de relações entre imagens ou modelos ou mesmo gerar novas representações mentais, sendo esta última uma componente chave para a criatividade (Flowers e Garbin, 1989). Neste modo de pensamento, a imagética padrão, como foi anteriormente definida, contribui para o desenvolvimento do pensamento visual-espacial, gerando modelos ou sugerindo analogias.

Os processos mentais presentes no modo de pensamento visual-espacial PVMM/PVR estão sintetizados no Quadro 4.3. As intuições que estão associados ao modo de pensamento visual-espacial PVMM/PVR seguindo a terminologia de Fischbein são de dois tipos: intuições secundárias e intuições antecipatórias. As intuições secundárias são produtos desenvolvidos como resultado de uma formação intelectual sistemática (intuições afirmativas) e são interpretações de vários factos aceites como certos. O uso do conhecimento em situações dinâmicas e perceptualmente ricas, como por exemplo, usar um micromundo, parece poder originar a aquisição de intuições. “A aquisição de intuições não pode ser produzida por mera aprendizagem verbal...mas elas só podem ser conseguidas como um efeito dum envolvimento directo, empírico do sujeito numa actividade práctica ou mental” (Fischbein, 1987, p. 95). Particularmente intuições secundárias podem ser adquiridas. “Se por certos meios, por exemplo, usando a Geometria da Tartaruga baseada no Logo, formos capazes de ver directamente que a “soma dos ângulos internos de um triângulo” deve necessariamente permanecer constante (devido a compensações internas), adquirimos uma nova compreensão intuitiva – uma intuição secundária” (Fischbein, 1987, p. 68).

As intuições antecipatórias, que me parecem também caracterizar este modo de pensamento, aparecem como uma descoberta, como uma solução súbita a um problema, não estabelecendo simplesmente um dado facto. Pode-se supor que as intuições antecipatórias são inspiradas, dirigidas, estimuladas ou bloqueadas por intuições afirmativas (primárias e secundárias). As intuições antecipatórias são o efeito de uma actividade criativa em matemática, de um processo construtivo no qual procedimentos indutivos, analogias e suposições plausíveis jogam um papel fundamental. Nas intuições antecipatórias há geralmente uma certa necessidade (não subjectivamente sentida) para um controlo analítico (Fischbein, 1987).

Quadro 4.3. Processos mentais do modo de pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de imagens ou da construção mental de relações entre imagens.

Modo de pensamento visual-espacial Processos mentais associados

Pensamento visual-espacial resultante da manipulação mental de imagens e da construção mental de relações entre imagens (PVMM/PVR).

- Intuições secundárias e intuições antecipatórias. - Unificações.

-Transformações mentais (mudanças de posição e mudanças de forma).

- Modelos mentais, comparações, descoberta de relações entre imagens, de propriedades e de factos. - Abstracção reflexiva, generalização reconstrutiva. - Sintetizar.

- Estruturação espacial. - Coordenação.

- Construção visual.

A operação mental unificação, designada por unitizing no mundo anglo-saxónico, que consiste em construir e coordenar unidades abstractas está presente no PVMM/PVR e é identificada como base para muita actividade matemática tanto geométrica como numérica. Wheatley (1992) diz que pavimentações no plano são uma fonte útil para desenvolver a operação unificação.

O termo transformação mental é usado para referir um tipo de processo que envolve a alteração de uma representação mental em um de dois aspectos ou numa composição dos dois: o deslocar, isto é o mudar de posição, e o transformar, onde só existe uma mudança de forma. Tal como referem Piaget e Inhelder (1977), estes dois aspectos estão relacionados e há apenas uma diferença de complexidade entre deslocamentos e transformações. Em particular, mudar a forma de um objecto pode consistir em deslocar as partes. Reciprocamente, quando deslocamos um objecto sem modificar a sua forma, este pode deslocar-se em relação a outro e a configuração do conjunto mudar. Para alguns, as transformações mentais são moduladas por transformações matemáticas e I. A Kaplunovich (citado em Gusev e Safuanov, 2003) aponta que

“a estrutura do pensamento espacial (...) é determinada pelas operações que correspondem (...) às adequadas transformações matemáticas básicas (...) Operações básicas executadas em imaginação com imagens de figuras espaciais são: a translação paralela, a rotação, a simetria central, a simetria axial, a simetria em relação a um plano, a homotetia, a projecção paralela, a projecção ortogonal, a interpretação gráfica de operação de adição de funções, a interpretação gráfica de operação de multiplicação

de uma função por um número, a compressão e a dilatação de gráficos de funções” (Gusev e Safuanov, 2003, p. 90).

Gusev e Safuanov revelaram três tipos de transformações mentais com imagens: transformações que resultam na mudança da posição espacial de uma imagem (1º tipo); transformações que mudam a estrutura de uma imagem (2º tipo); execução repetida e longa de transformações dos dois primeiros tipos (3º tipo).

A abstracção que caracteriza este modo de pensamento é do tipo reflexivo, processo essencialmente construtivo onde são construídos objectos mentais e acções sobre esses objectos. Esquemas, colecções mais ou menos coerentes de objectos e processos (acções mentais), são invocados pelo sujeito, de forma a compreender, tratar e organizar uma situação problemática ou a conhecer um conceito matemático. A compreensão da trajectória como uma coordenação de deslocamentos sucessivos para formar um todo contínuo é um exemplo de abstracção reflexiva no pensamento da criança (Dubinsky, 1991). A abstracção pseudo- empírica (no sentido de Piaget) como sub-variedade da abstracção reflexiva, está então presente neste modo, baseada nas próprias acções da criança sobre objectos e surge das suas coordenações graduais. A abstracção reflexiva difere da pseudo-empírica, porque está relacionada não tanto com as próprias acções mas com as interrelações entre as acções (Dubinsky, 1991).

A generalização construtiva é uma forma de construção de imagens que conduz a uma nova organização estrutural criando novas formas, novos modelos e novos conteúdos e está intimamente relacionada com a abstracção reflexiva (Vuyk, 1981). O processo mental sintetizar que significa combinar ou compor partes, de tal forma que elas constituam um todo uma entidade é um pre-requisito básico para a abstracção (Dreyfus,1991).

A estruturação espacial é um acto mental de construir uma organização ou forma para um objecto ou conjunto de objectos. A estruturação espacial determina a natureza ou a forma de um objecto ao identificar as suas componentes espaciais, ao combinar as componentes em compostos espaciais e ao estabelecer inter-relações entre as componentes e os compostos (Battista, 2003).

Um processo cognitivo fundamental para a compreensão do raciocínio neste modo de pensamento é a capacidade de coordenação que envolver vários aspectos, um deles é o indicado por Battista (2003, p. 79) “arranja (ordena) objectos abstractos em posições convenientes uns em relação aos outros e em relação aos todos aos quais eles pertencem”. Um outro aspecto da coordenação tem a ver com a capacidade de usar estruturas (sistemas de referência) como meio de organizar o pensamento. Assim por exemplo, um aluno adopta estruturas de referência para codificar as posições espaciais dos objectos que possam vir a ser

definidas: sistemas de referência centrados nele próprio, sistemas de referência centradas nos objectos ou em estruturas externas que são ou fornecidas pela estrutura espacial ou são impostas ao espaço mentalmente. É fundamentalmente relativamente a estes dois últimos sistemas de referência ou no uso da combinação de ambos que a capacidade de coordenação do espaço é aqui considerada.

O processo construção visual incluído neste modo de pensamento visual-espacial relaciona-se com o produzir ou modificar uma estrutura espacial por forma que esta estrutura corresponda a certos critérios geométricos pré-determinados. A capacidade de construção visual abranger capacidades tais como a antecipação e a organização lógica.

No documento MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DA COSTA (páginas 110-116)