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Questão fundiária e relações de poder no território com a política do medo

1 INTRODUÇÃO

4.6 Questão fundiária e relações de poder no território com a política do medo

Com relação à questão da concentração fundiária, revela-se, no território Campos e Lagos, o binômio clássico: grandes propriedades, em número reduzido, cobrindo a maior parte da área cultivável; e grande número de pequenas propriedades respondendo pela menor parte da área.

Conforme depoimento de representante da FETAEMA, no passado, a região da Baixada sediou a grande maioria dos engenhos escravistas e conheceu o desmatamento de suas matas ciliares. O engenho e a monocultura da cana tiveram efeitos no meio ambiente e na construção das relações sociais. Com a decadência dos engenhos, houve uma fragmentação do território. A Baixada tem uma ocupação antiga, com impacto ambiental da monocultura desde o início e a minifundização presente no problema fundiário.

O pequeno produtor dispõe, em média, de lotes de dois a três hectares. Todavia, a grande maioria não possui título de posse da terra; enquanto que aqueles que possuem o título vendem para grandes proprietários, que acabam por ocupar e cercar áreas para a criação de búfalos, em muitos casos, extrapolando os limites (FIGURA 47). Há relatos de moradores locais de que os grandes proprietários, em muitos casos, não possuem títulos ou que os mesmos não estão legalizados. Mesmo assim, introduzem as cercas nos campos naturais,

reduzindo a área para o trabalhador rural plantar sua roça e dificultando a passagem para o pescador acessar os lagos, conforme ilustram os relatos que se seguem.

FIGURA 47 - Pescador indicando o avanço das cercas nos campos naturais da Baixada Maranhense (dezembro 2004).

Representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Olinda Nova: “Hoje a maioria das terras está cercada, inclusive nas margens do Lago. Nós temos um Lago, uma base de campos naturais que está toda devastada. Não tem nenhuma proteção ambiental, é tudo cercado de arame e tomada pelos búfalos. Os fazendeiros cercam e entram alguns metros dento do campo e diz que aquele pedaço é deles, e impede a passagem do pescador. Muitas vezes nem tem título; até teve caso de cartório que pegou fogo. Enquanto o governo não resolver sobre o levantamento de quem são as terras, não vamos solucionar o problema, e não adianta jogar dinheiro na mão do trabalhador porque ele não vai ter onde plantar. Precisa olhar a realidade daqui, que é agricultura e pesca”.

Médio criador de búfalo e trabalhador rural de Olinda Nova (Andson): “Nós temos o título da terra, fazemos roça. Onde estão nossas cabeças de búfalos nos campos não são terras nossas. Esses campos não são de ninguém, são propriedades da natureza. Hoje existem muitos campos cercados”.

Um ponto relevante e grave, que merece destaque ao se abordar a questão da concentração fundiária, é a política do medo e da intimidação praticada pelos grandes criadores de búfalos contra os pescadores artesanais. Ressalta-se que diversas autoridades do município e do Estado criam búfalos no sistema extensivo, nos campos naturais da região. São de notório conhecimento os casos de violência e morte na Baixada, em função de conflitos decorrentes da disputa de poder entre as atividades da bubalinocultura e pesca artesanal. Os depoimentos de pessoas de diferentes segmentos, apresentados a seguir, retratam a política do medo, na área de estudo:

Monitor do curso para pescadores artesanais IICA/SEAGRO: “No Curso, levantamos os maiores problemas, em um ranking, e o principal problema votado foi o medo que a comunidade sente. Já se constatou que houve caso de violência, alguns fazendeiros ameaçam, intimidam quem questiona, humilham e amedrontam. Os pescadores ficam sem reação diante daquelas cercas e quantidade de búfalos”.

Grande proprietário criador de búfalos: “Nosso gado búfalo ainda não acabou no campo porque têm pessoas importantes nossas amigas e são criadoras de búfalo. Comandam tudo aqui na Baixada, até a polícia. Nós temos pessoas importantes aqui que fala por nós. Eles mandam em tudo quanto é juiz vagabundo. Uma vez a gente estava escutando a palestra de um promotor e uma promotora, que estão lutando a tempo para acabar com búfalo. Mas ainda não acabaram, porque nós tem gente grande também aqui, gente que está lá fora, na cidade. Tem vários advogados criadores de búfalos aqui na Baixada que eu conheço, tem muito doutorzinho, daqueles bichos de gravata. E por detrás desses, tem aquele pessoal que mexe por detrás. Aqui eu trabalho em tudo, roça, criação, eu só não fiz foi roubar. Mas o resto tudo eu faço. Até matar se for preciso eu mato. É coisa séria. Não foi preciso, mas se for preciso, eu mato. Os criadores são tudo unido. Tem também um dos maiores criadores de búfalos, outro cabra respeitado de toda maneira, nas leis do papel, e na máquina, aquela que mata. Se alguém entrar, ele mata lá do chiqueiro. Aqui tem homem forte na Baixada, aqui tem homem que não manda recado. Ele chega e acaba com a família todinha”.

Pescador artesanal de Olinda Nova: “Os pescadores não se organizam para mudar a situação, não tem força. É cerca para todos os lados, onde tem uma enseada, se mete o arame, vira uma propriedade e o peixe vai acabando. Um dia o fazendeiro meteu a

cerca e me ameaçou de morte. Eu disse que na verdade era um absurdo, que eu não estava achando bom ele cercar os campos. Ele reagiu ao desaforo, até me afrontou a bala. Ele disse que tinha dinheiro e comprava pistoleiro e mandava me furar todinho de bala”.

Observa-se, assim, que a violência é uma das formas usada para enfrentar conflitos, obviamente a menos recomendável e cujas conseqüências refletem-se nas condições de vida dos pescadores artesanais. Uma saída para esta situação seria tratá-los por meio de mediação, e, portanto, por intermédio da participação, tendo em vista a ação conjunta, o senso de responsabilidade, a valorização da cultura local, a valorização dos conhecimentos e saberes, o processo de conscientização e a construção coletiva. Essas ações, por dever, deveriam estar sendo desenvolvidas pelo Estado. O curso IICA/SEAGRO de planejamento do desenvolvimento local para pescadores artesanais foi uma tentativa de provocar mudanças nessa direção.

Outro fator importante na análise da questão fundiária se refere ao perfil dos criadores de búfalos, pois além dos grandes criadores, há também médios e pequenos trabalhadores rurais e alguns pescadores criando esses animais de forma extensiva nos campos, gerando pressão sobre a capacidade de suporte do ambiente, bem como vários conflitos nas relações sociais entre aqueles que apóiam e os que não apóiam a criação extensiva. Há inclusive casos de pescadores que mudaram de vida, pois ganharam búfalos de proprietários rurais e venderam para construir casas de alvenaria e adquirirem eletrodomésticos; constituindo assim uma nova classe em formação de adeptos à criação extensiva, enquanto outros pescadores permanecem na pobreza total.

Percebe-se, assim, que a questão do conflito sócio-ambiental decorrente da bubalinocultura em territórios predominantemente pesqueiros tem suas raízes e está fortemente vinculada à questão fundiária.