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2 A (R) EVOLUÇÃO DO PODER DE PUNIR

2.2 A ABERTURA DIALÓGICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA

2.2.4 Justiça Intersubjetiva: Uma Releitura Paradigmática

Por todos os ângulos e dinâmicas que envolvem o Direito Penal, é fato que a pena privativa de liberdade, sanção pública por excelência, não recupera os cidadãos a ela submetidos, mantendo o apenado preso ao passado, para que este relembre diariamente o que fez. Nesse sentido, complementa Aury Lopes Junior:

Devemos recordar ainda que o cárcere é um instrumento de caricaturização e potencialização de distintos aspectos da sociedade, de modo que a dinâmica do tempo também vai extremar-se no interior da instituição total, levamos ao que denominados de “patologias de natureza temporal”126

.

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SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 2, ago. 1988. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200007>. Acesso em: 21 maio 2012.

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Fundamental trazer à baila a crítica apresentada por Dworkin que defende em suas obras a ideia do Direito como forma de interpretação. Muitos doutrinadores, docentes e juristas em geral, falam em “operadores do Direito” como se o Direito fosse uma máquina que pudesse ser operada, isenta de valores, um fim em si mesmo, e não um instrumento de coesão e harmonização social. Ronald Dworkin defendeu, com razão, que não se pode analisar e aplicar o Direito, dissociando-o nas regras morais de quem o faz (principalmente quando se está diante dos casos difíceis – hard cases) que demandam um atuar político além do jurídico, já que fatos sociais defendem de uma atuação humana para existir. Nesse sentido, indispensável consultar suas obras Levando os Direitos a Sério, O

Império do Direito e Uma Questão de Princípio.

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O tempo que o encarcerado passa preso implica, necessariamente, em um período de involução, já que a privação da liberdade gera uma total perda do referencial: “pois a dinâmica intramuros é completamente desvinculada da vida extramuros, onde a sociedade atinge um nível absurdo de aceleração, em total contraste com a inercia do apenado”127

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Acrescenta, ainda, o autor, que este desperdício não é só interno (em relação ao apenado), mas, também, em relação à sociedade, que receberá, quando do retorno deste preso à vida fora da cadeia, um cidadão completamente alheio à nova dinâmica social, por isso, a pena privativa de liberdade é obsoleta e inadequada, implicando em duplo prejuízo, para o apenado e para a coletividade.

Por essas razões, a pena privativa de liberdade deve ser evitada, o máximo possível, sendo destinada para situações excepcionais.

Desta forma, apresenta-se como alternativa ao modo através do qual a sanção penal atualmente é imposta, os métodos da Justiça Restaurativa, formas negociais de tratar os conflitos jurídico-penais, espaços democráticos de resolução de controvérsias.

Trazendo, como palco, a globalização, e como marco a velocidade com que as mudanças sociais afetam a dinâmica de atuação estatal, Selma Pereira de Santana alerta que a novel necessidade de proteção a certos bens jurídicos - até então fora da incidência penal – deve ser realizada pelo Estado com cautela, pois o surgimento de novos crimes, como os econômicos, financeiros, tecnológicos, ambientais, e de pornografia infantil, além daqueles envolvendo diversas nações128, embasa uma política criminal de segurança de forma exagerada, que não pode ser aplicada de maneira instantânea à criminalidade interna, vez que tal postura implica em um esvaziamento do caráter socializador do Direito Penal e integrativo do Direito enquanto instituição de harmonização social.

Neste prisma, aduz a autora, que diante das novas necessidades, o Estado tem elegido políticas criminais que privilegiam a segurança. Por isso, as penas são endurecidas, os tipos penais são elaborados através de conceitos imprecisos - em franco desrespeito ao princípio da legalidade em sentido estrito, sacrificando, em

127

Ibid., loc. cit.

128

Cf. SANTANA, Selma Pereira de. Uma visão atualizada das vítimas de delitos diante dos modelos das ciências criminais e do processo penal. Revista do CEPEJ, Salvador, v. 1, 1998, p. 84.

nome dessa guerra contra a criminalidade, direitos e liberdades fundamentais, que são esvaziados129.

Com efeito, esta sensação de impunidade pela existência de delitos transnacionais muitas vezes não sancionados por diversas razões130, tem levado os Estados a tratarem os delitos de massa de forma inadequada e desproporcional131, devendo se tratar a criminalidade interna sem sacrificar garantias estampadas na Constituição Federal.

Para tanto, não se pode perder de vista o princípio da Intervenção Mínima, que determina a proteção subsidiária de bens jurídicos através do Direito Penal, aplicando-se esta ratio, repita-se, quando os demais ramos do ordenamento jurídico não forem suficientes para tutelar determinados bens jurídicos. Este princípio deve ser melhor utilizado, dirigindo-se a outros momentos de atuação do Direito Penal, diante da ineficácia sistêmica da atuação estatal.

Neste passo, constatada a impotência dos meios eleitos pela atual política criminal, é preciso dinamizar o sistema, trazendo para o palco das discussões os diretamente envolvidos no conflito, deixando para os delitos que não comportem tal diálogo (tema a seguir tratado) o processo tradicional, cumprindo, assim, o princípio da Intervenção Mínima, em uma perspectiva interna.

Diferenciando a criminalidade, Selma Pereira de Santana, afirma, com razão, que é chegada a hora de trilhar caminhos alternativos para a criminalidade, diversificando o sistema e apresentando opções às soluções dos problemas revelados como delituosos.

Nunca é demais lembrar a existência do Tribunal do Júri, composto por representantes do povo, que, apesar das críticas no tocante à sua dinâmica, encontra respaldo constitucional, na medida em que, efetivamente, traz os cidadãos para o palco central da solução dos conflitos.

A participação popular é absoluta e soberana. Assim, quem afirma que a sociedade não pode decidir, pois estaria imbuída de um sentimento de vingança e

129

Cf. Ibid., p. 85.

130

Como a ausência de uma regulamentação a nível transnacional.

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Importante deixar claro que não se pormenorizará a forma através da qual a doutrina vem tratando os novos delitos decorrente desse movimento mundial, diante do recorte deste trabalho, sem,

egoísmo, não encontra respaldo na Constituição Federal, que abriu, ou melhor, escancarou, as portas para a possibilidade de decisão por parte da comunidade para o julgamento dos seus pares, quando estes cometerem crime doloso contra vida.

Ora, se se admite essa possibilidade quando o crime é contra vida, bem jurídico de maior relevância, não há razão para não se possibilitar a participação popular, e, principalmente, dos diretamente envolvidos no conflito, na formação da réplica a um ilícito penal perpetrado.

Ainda sobre o Tribunal Popular, vale ressaltar os ensinamentos de Paulo Rangel: “o tribunal do júri surge com a missão de retirar das mãos do déspota o poder de decidir contrário ao interesse da sociedade da época”132

, apenas para validar constitucionalmente a participação popular na seara penal.

Essa participação popular homenageia a democracia. No ordenamento jurídico brasileiro, é real esta possibilidade, pois insculpida na carta política deste país, não havendo, portanto, qualquer questionamento a respeito da legitimidade do povo para resolução de conflitos penais diretamente.

Assim, conclui-se que outra forma de responder aos delitos é possível, adequada e necessária. Esta outra forma de tratar os comportamentos delituosos é apresentada pela Justiça Restaurativa, com seus métodos, princípios e procedimentos próprios.

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RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 17. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 54.

3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO RESPOSTA ADEQUADA A SITUAÇÃO