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3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO RESPOSTA ADEQUADA A

4.2 A PROTEÇÃO PENAL ATRAVÉS DA LEI MARIA DA PENHA

4.2.3 Tratamento Dispensado às Vítimas

A legislação especial altera não apenas o processo judicial relativo a casos que envolvam violência doméstica, mas, também, o inquérito policial destinado a investigar ocorrências que envolvam a temática, bem como autoriza a autoridade policia a representar por certas medidas cautelares.

Com efeito, levando em consideração que a primeira forma de assistência à

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Cf. CUNHA; PINTO, 2007, p. 38.

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mulher vítima de violência doméstica será ofertada pelas delegacias de polícia, o legislador preocupou-se em regular esse atendimento.

E foi o que a fez Lei nos seus artigos 10, 11 e 12, ao dispor que, na hipótese da iminência ou da prática de violência contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, providências legais cabíveis, impondo garantia de proteção policial a essas vítimas, concretizadas, através de ações positivas por parte dos agentes e da autoridade policial, como o acompanhamento da mulher até sua residência para que retire seus pertences, além de encaminhá-la a local seguro, comunicando ainda, quando necessário, o fato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

Além de encaminhar a mulher ao hospital, posto médico ou ao Instituto Médico Legal, deve ainda a autoridade policial ouvir a ofendida, lavrando o boletim de ocorrência, colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias e remeter, no prazo de quarenta e oito horas o expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência elencadas na lei e seguir apresentadas.

Dispõem, ainda, os artigos relacionados, que o delegado deve determinar o exame de corpo de delito, se for o caso, ouvindo, ainda, o agressor e as testemunhas.

No tocante ao processo penal que se destina a processar e julgar os casos envolvendo violência doméstica, o legislador trouxe um rol de medidas de urgência que podem ser decretadas em conjunto ou separadamente266 pela autoridade judicial, mesmo antes de instaurado o processo penal, bastando o recebimento do pedido da ofendida que pode ter sido encaminhado pela autoridade policial ou pode ter sido protocolizado pela própria vítima no órgão judiciário responsável pelo processamento do caso.

Verifica-se, ainda, a dispensa de contraditório na concessão da medida de urgência, por expressa previsão do artigo 19 caput e seus parágrafos267.

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Cf. BRASIL, 2006. Nos termos do caput do artigo 22.

267

Cf. Ibid.

“Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

Nesse prisma, estatui a legislação especial que as medidas destinadas à proteção feminina são de duas espécies, podendo se destinar diretamente à mulher, mas também ao ofensor, com o intuito, sempre, de proteger esta mulher vítima de violência doméstica.

Assim, elegeu o legislador medidas restritiva de direitos, além da possibilidade de prisão cautelar em casos de violência doméstica, porém, sempre de modo excepcional, a seguir apresentado.

Importante deixar registrado, desde já, que as medidas elencadas pelo legislador na Lei Maria da Penha integram as chamadas Medidas Cautelares Pessoais, devendo, para serem decretadas, revestir o caráter de excepcionalidade e sempre de proporcionalidade, além de atenderem aos pressupostos inerentes à natureza da medida.

Nunca é demais alertar sobre a necessidade da presença dos requisitos para a decretação dessas medidas assecuratórias prévias à formação da culpa, pois muitas vezes, podem ser utilizadas, apenas, como instrumento de vingança por mulheres não tão frágeis e vulneráveis assim. Por isso, é importante o magistrado agir com a cautela necessária, com a prudência recomendada, verificando, com rigor, os elementos de convicção apresentados que irão embasar a medida.

Nesse prisma, não deve ser utilizada como antecipação de pena, pois, se decretada de forma irresponsável pelo magistrado, pode, violando o devido processo legal e todas as garantias decorrentes dele, fulminar o sistema acusatório, que exige formação da culpa nos estritos moldes predeterminados por lei, além dos demais direitos e garantias relacionados ao processo penal, atendendo assim a um Estado de Direito Democrático, que se baseia em pilares irrenunciáveis e inarredáveis.

É por isso que as medidas previstas na Lei 11.340/06, designadas como cautelares de urgência, para serem decretadas precisam da serenidade e cautela por parte da autoridade judicial, que deve analisar cada caso, pormenorizadamente,

§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.”

atentando-se sempre à barreira a ser vencida do estado de não culpabilidade, para não ferir o sistema acusatório e os direitos fundamentais do cidadão, que pode estar sendo vítima, e não algoz268.

Assim, é fundamental que antes de decretar uma medida cautelar se constatem a presença da materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria269, capazes de embasar a decisão judicial de forma satisfatória. Mas não bastam tais pressupostos, é preciso que a liberdade plena do agente implique em um perigo demonstrado, não havendo como presumir que aquele que aparentemente cometeu um ato ilícito deva, simplesmente por ter sido indiciado em um procedimento administrativo de investigação, ter seus direitos restringidos.

O tema, medidas cautelares no processo penal, é de extrema relevância atualmente270, devendo o Poder Judiciário se acautelar sobre a matéria, especialmente quando as medidas forem decretadas em sede de um processo penal, que por sua própria natureza já estigmatiza e pune.

Feita a necessária ressalva, passa-se a expor as especiais medidas cautelares previstas na Lei Maria da Penha, que não excluem àquelas previstas no Código de Processo Penal.

268 É preciso ter consciência que muitas mulheres não são as “coitadinhas” que precisam da tutela

estatal como será desenvolvido a seguir. Exemplificativamente, registra-se a decisão do 2º Juizado de Gama, DF, prolatada em 12/11/2012, que aplicou medidas cautelares da Lei Maria da Penha a ex- namorada de um rapaz, para proibir que ela se aproximar do ex-namorado, após o término do relacionamento. Do posto de vista jurídico, registre-se, a decisão é completamente questionável, após a decisão, que será analisada pormenorizadamente a seguir, do Supremo Tribunal Federal que declarou a constitucionalidade da Lei 11.340/06 no tocante a não violação do princípio da igualdade. Porém, a postura do magistrado revela que, em muitos casos, seria incongruente a aplicação isolada da referida norma. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-nov-13/juiz-aplica-lei-maria-penha- proibe-aproximacao-ex-namorada. Acesso em: 15 nov. 2012.

Vale recordar, ainda, a figura da alienação parental, que vem ganhando espaço na sociedade brasileira, situação que demonstra como mulheres podem ser cruéis quando decidem se vingar daqueles que não mais desejam manter com elas uma união, vez que utilizam os filhos como instrumentos de vingança para com o homem.

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É o que a doutrina processual chama de fumus commissi delicti, ou seja, existência da

materialidade delitiva além de uma probabilidade da autoria imputada, exigindo-se mais do que mera possibilidade de ser o agente autor do delito, vez que uma medida cautelar será decretada sem, na maioria das vezes, se ouvir a parte contrária.

270

O advento da Lei 12.403 de maio de 2011, que alterou o Código de Processo Penal decantando o sistema binário existente até então entre liberdade provisória e prisão preventiva, inaugurando, destarte, um sistema polimorfo referente ao tema medidas cautelares, possibilita que o magistrado, repita-se, verificando a necessidade que autorize a restrição de direitos antes do devido processo legal, decrete outras medidas menos gravosas do que a prisão cautelar. Diante da recente alteração, o tema torna-se ainda mais importante, devendo se ter a máxima cautela quando da decisão de decretação de qualquer proibição que implique em restrição de direito antes do transito em julgado da condenação.

É o artigo 22 da Lei 11.340/06 que descreve quais as medidas que podem ser decretadas pelo magistrado, obrigações destinadas ao ofensor, visando, sempre, a proteção da mulher vítima de violência doméstica.

Ressalte-se, ainda, o caráter híbrido da legislação especial, uma vez que combina matéria penal e com matéria civil, no mesmo diploma legislativo, o quê, invariavelmente, confunde, sobremaneira, o desenrolar do processo271.

Exemplificamente272 a Lei elenca como medida protetiva de urgência, a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, devendo o órgão competente ser comunicado a respeito da decisão. Frise-se que, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, este órgão é o Sinam.

Dispõe, ainda, o mesmo artigo, que o magistrado pode decretar o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência, com o nítido intuído de impossibilitar que as agressões, na maioria das vezes, perpetradas no interior da residência do casal, continuem. Sobre o tema, questão relevante é a necessidade ou não do imóvel ser de propriedade do casal, para que a medida seja decretada, havendo controvérsia sobre a possibilidade de tal medida ser ordenada, quando o bem for de propriedade exclusiva do agressor. Importante colacionar o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu, ao julgar o Mandado de Segurança tombado sob o número 993.08.027926-8, de relatoria do Desembargador Sérgio Rui, que entendeu que se o imóvel é apenas do agressor, este deve retornar à própria casa, e, com isso, cassou a decisão de primeiro grau que determinou o seu afastamento273.

Como medida cautelar, a Lei prevê, ainda, a proibição de determinadas condutas, entre as quais: a aproximação e/ou o contato por qualquer meio de comunicação com a ofendida, com seus familiares e com as testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor, devendo o mesmo guardar a

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Possibilitando que em uma mesma decisão o magistrado determine a prestação de alimentos e decrete prisão preventiva, questiona-se para que câmara interpor recurso, se cível ou criminal, ou se manejará dois apelos. Situações como essas denotam insegurança jurídica, violando, portanto, garantias fundamentais.

272

Conforme artigo 2º da referida lei.

273

Cf. SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mandado de Segurança nº. 993.08.027926-8. Relator: Des. Sérgio Rui. 5ª Câmara de Direito Criminal. São Paulo, 25 jun. 2008. Diário da Justiça Eletrônico, n. 260, 26 jun. 2008. Disponível em:

<https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RL000V6V30000>. Acesso em: 16 jul. 2012.

cautela de não se aproximar das pessoas indicadas na decisão, ressalvando, sempre, a necessidade de proporcionalidade quando da eleição da medida aplicada por parte do magistrado, sob o enfoque de tutelar o direito de alguém (vítima) sem decantar de forma injustificada o direito do outro (suposto agressor).

Pode, ainda, o magistrado proibir que o suposto agressor frequente determinados lugares, sempre com o objetivo de preservar a integridade física e psicológica da ofendida.

Do mesmo modo, a Lei autoriza que se restrinja, ou se suspenda, o direito do suposto agressor de visitar os dependentes menores, fazendo a ressalva da necessidade de ser ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar, ou serviço similar.

Entendendo necessária, o magistrado pode, ainda, decretar a prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Tudo isso sempre com a mais estrita observância da proporcionalidade, demonstrando, sempre, a necessidade da decretação da medida, já que se trata de medida cautelar, logo, restritiva de direitos, antes de condenação.

Ainda, referindo-se ao tratamento dispensado à vítima pela Lei 11.340/06, importante a apresentação das medidas previstas que se direcionam à agredida, nos termos do quanto disposto no artigo 23 desta Lei. São as designadas Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida, que autorizam o encaminhamento da ofendida, e seus dependentes, a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, além da possibilidade de ordem de recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor.

Prevê, ainda, a legislação em análise à possibilidade de o magistrado determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos, bem como determinar a separação de corpos.

Sempre visando a tutela da mulher, em situação de violência doméstica, o legislador elencou as medidas cautelares específicas, ora apresentadas.

Importante, ainda, trazer à baila a determinação contida no artigo 21 do diploma legal, que dispõe que a ofendida será notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída do

cárcere.

Apresentados os principais contornos da Lei 11.340/06, algumas ponderações, sobre os efeitos da legislação vigente desde 2006, precisam ser feitas, a fim de verificar se os objetivos foram alcançados, saber, se após a edição da Lei batizada como Lei Maria da Penha, os casos de violência doméstica diminuíram e o que mudou na sociedade brasileira, para, após as constatações, propor novas formas de atendimento desses sujeitos vítimas de diversas formas de violência.