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Corroboramos a visão de Demo (1987) de que uma pesquisa científica justifica-se na medida em que permite descobrir perspectivas novas de conhecimento e prática. Assim, esta seção tratará do esclarecimento das justificativas para a realização deste trabalho, e também das contribuições que se pretende oferecer.

Conhecer uma organização que tenha mais de dois mil anos de existência, é bastante difícil. E, ainda mais raro, encontrar uma que tenha sucesso apesar de tantas vezes sofrer perseguições e dissensões. Estamos falando da Igreja Cristã, fundada – para aqueles que assim crêem – pelo próprio Deus que veio à Terra encarnado através da pessoa do seu filho Jesus6.

E esta obra foi se perpetuando pelos discípulos de Cristo. Ocorrendo através da conversão das pessoas, que após ouvirem e aceitarem a pregação da palavra de Deus, tornavam-se, conseqüentemente, novos seguidores de Jesus.

6 Como diz no evangelho de João 1.10-11. A tradução da revista e atualizada diz que O Verbo estava e veio para

o mundo. Já a nova tradução da linguagem de hoje diz que a Palavra se tornou um ser humano. Tanto o Verbo, como a Palavra diz respeito a Jesus Cristo.

Com o passar do tempo, após a Reforma Protestante – no século XVI d.c. – uma nova denominação cristã surge: primeiramente conhecida como Igreja Reformada e, posteriormente, como Presbiteriana (NICHOLS, 2004; MATOS, 2007).

Esta, fruto da idealização de Hulrico Zuinglio e, após a morte deste, continuada por João Calvino, tinha como objetivo ser uma igreja totalmente reformada em relação a então considerada Igreja Cristã Universal – a Católica. E, conseqüentemente, idealizava retornar aos mesmos princípios da igreja primitiva descrita no livro de Atos dos Apóstolos da Bíblia Sagrada.

Hoje, a Igreja Presbiteriana no Brasil está perto de completar cento e cinqüenta anos de existência. A mesma é fruto do trabalho do missionário Ashbel Green Simonton (1859), da Igreja Presbiteriana norte-americana. Ela foi a segunda Igreja Protestante Reformada a chegar a fincar raízes no país. Sendo a primeira, de denominação Congregacional, iniciada no ano de 1855.

Desse modo, percebe-se um importante ponto para a realização desta pesquisa. Ou seja, o entendimento de até que ponto a longevidade, e conseqüentemente, a tradição da IPB influencia nos aspectos administrativos organizacionais em uma das suas comunidades cristãs reformadas local, a Igreja Presbiteriana de Jardim Atlântico.

Além disso, estar-se-á pesquisando uma igreja que possui sua própria constituição desde o dia vinte de julho de 1950 (data de sua promulgação). Ao seu domínio racional-legal somam-se: um código próprio de disciplina; as crenças no Catecismo de Westminster; o Estatuto da Igreja Presbiteriana do Brasil; regimentos internos para o funcionamento das suas sociedades internas; e modelos para vários documentos escritos, como atas e relatórios, necessários para o bom funcionamento dos concílios. Corroborando isto, o artigo primeiro do capítulo um de sua Constituição diz:

A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de Igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento e como sistema de expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os catecismos Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo com as leis do Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão Executiva e exerce o seu governo por meio de Concílios e indivíduos, regularmente instalados (IPB, 1999, p. 8).

Existir uma igreja evangélica tão burocraticamente organizada é algo raro. Principalmente se formos comparar com as consideradas neo-pentecostais. É bem verdade que o novo código civil brasileiro de 2002 obrigou praticamente as entidades religiosas a

serem registradas e terem os seus estatutos. Poderíamos dizer que a Igreja Presbiteriana do Brasil já havia antecipado tal exigência há mais de meio século atrás. Porém, além disso, como já foi exposto, a IPB tem, em princípios, procedimentos burocráticos bastante rígidos (com uma forte hierarquização da sua estrutura, e rotinas, regras e diretrizes bem esquematizados através do seu Manual Presbiteriano).

Com isto, vê-se outra relevância para a realização desta pesquisa: compreender como e quais aspectos racionais-legais, contidos em especial no Manual Presbiteriano da IPB, são respeitados e seguidos na estrutura organizacional-administrativa da IPJA.

Pelo fato de ser uma instituição que tem como questão principal para o seu existir: a fé na divindade, e, por se crer que Deus fala através da boca daqueles que estarão proferindo a pregação bíblica – que, na maioria das vezes, seria o próprio pastor da igreja – percebe-se, como tal ambiente organizacional lida fortemente com a questão das emoções.

A influência através do carisma – seja na figura de Jesus Cristo ou seja na figura que a posição do pastor implica – faz com que se perceba outro aspecto valorativo para efetivação de tal estudo. Explicando melhor, seria a questão de entender como e até que ponto o tipo de dominação impulsionada por ações irracionais, caracterizadas por determinantes afetivos, é preponderante na estrutura organizacional-administrativa da IPJA.

O modelo multidimensional-reflexivo (o qual será testado neste trabalho para investigar e explicar a ambiência organizacional administrativa da igreja presbiteriana) está fundamentado na pesquisa realizada por Alves (2003) e inspirada pelo legado weberiano.

Como contribuição acadêmica, este trabalho traz a possibilidade inédita de aplicar o modelo multidimensional-reflexivo para a análise de uma Igreja Cristã de orientação Reformada – a Presbiteriana. Alves (2003) sublinha que “um modelo de análise organizacional necessita de uma adequada conexão entre o pensamento teórico e a experiência, de maneira que o primeiro possa servir de guia para a segunda, bem como esta possa propiciar aperfeiçoamentos conceituais” (p.16).

É importante frisar que o referido Modelo foi originalmente proposto para análise de organizações empresariais, sendo inicialmente testado no contexto de grandes empresas brasileiras (Gerdau, Votorantin, Sadia, Weg, Odebrecht e Bradesco).

Entretanto, como já mencionado anteriormente, devido à sua base epistemológica, o modelo já foi testado tanto em campos empíricos peculiares e complexos, como em um Hospital Universitário (Hospital Universitário Professor Alberto Antunes – HUPPA – da Universidade Federal de Alagoas); em uma organização penitenciária (a Colônia Penal Feminina do Recife – CPRF); e em uma organização sem fins lucrativos (Associação dos

Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil – ADVB). Assim, neste estudo, estar-se-á tendo uma nova experiência em uma igreja cristã histórica de orientação reformada.

Dessa forma, de acordo com Alves (2003, p. 248), “[...] muito embora o modelo proposto esteja voltado para organizações empresariais privadas, ele deve também ter a sua aplicabilidade testada para a análise de organizações estatais e não-governamentais”. A partir de então, tem-se a pretensão de que este trabalho contribua para o aperfeiçoamento do OMR, visto que ele ainda necessita de pesquisas de campo e verificação na prática de sua utilidade analítica.

Assim, esta pesquisa objetiva principalmente analisar como a racionalidade, o carisma e a tradição, em suas formas hibridizadas, estão inseridos no contexto das organizações contemporâneas. Como será visto na explicação do OMR, Alves (2003) utiliza uma tipologia própria para definir o tipo estrutural existente em cada organização.

Observa-se, neste caso, como já frisado anteriormente, uma importância significativa em se estudar um segmento organizacional pouco estudado pela academia. É bem verdade que, por se tratar de um tema quase não explorado pelos estudos acadêmicos, foi necessário procurar adequar-se à pesquisa a familiaridade do pesquisador quanto ao objeto.

Mas foi imprescindível delimitar ainda mais tal campo de pesquisa por ser uma denominação cristã que possui mais cinco ramificações (como será verificado no capítulo cinco) e, desse modo, escolheu-se a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) por ser a maior e mais bem estruturada, ou seja, ela está presente em todos os estados brasileiros e possui a sua organização administrativa muito ampla.

Com tais subterfúgios, ter-se-á a oportunidade de comentar aproximações e/ou distanciamentos da organização estudada (tipo real) em relação aos tipos e subtipos definidos pelo modelo de análise de Alves (2003), como também discutir a possibilidade de propor aperfeiçoamento no Modelo Multidimensional-Reflexivo.

Há particularmente o convite para uma releitura crítica sobre o modelo, no sentido de, após concluída, tornar-se um material importante para os agentes que lidam com a configuração organizacional administrativa da Igreja Presbiteriana do Brasil. Pois é através da compreensão de exemplos vivenciados que se pode melhorar e avançar no se refere aos aspectos administrativos organizacionais de uma instituição.

Além disso, em consonância com os objetivos específicos, esta pesquisa também pode ser importante para gerar oportunidade para os referidos agentes terem uma melhor compreensão e maior perspicácia analítica na identificação e descrição de características estruturais e dispositivos de coordenação, relativos à IPB, e particularmente para a IPJA.

Em outro plano, cabe assinalar que o Censo Demográfico Brasileiro de distribuição percentual da população no que diz respeito a crenças religiosas, realizado em 2000 pelo IBGE, constatou que mais de 90% da população se declara teísta, ou melhor, tem fé em um ser superior.

Além dos evangélicos, os católicos também são caracterizados como teístas, porém, ao contrário destes primeiros, houve uma redução da fé católica que passou de cerca de 83% da população em 1991 (em torno de cento e vinte um milhões de pessoas) para 73,6% (ou seja, cento e vinte e cinco milhões), acarretando um aumento nominal de quatro milhões de pessoas, porém um decréscimo de quase 10% (em relação à população total brasileira) daqueles que se autodenominam católicos - vê quadro 3(1) que compara a distribuição percentual da população residente no Brasil, por religião professada no censo de 1991 e 2000.

Em contrapartida, os que se denominaram evangélicos, em 1991, eram cerca de 9% da população brasileira – o que, na época, representava treze milhões de brasileiros – e no último censo passaram a figurar aproximadamente 15,4% (dobrando, em números reais, a população de evangélicos, chegando a vinte e seis milhões de pessoas).

Todavia, ainda de acordo com esses dados obtidos, do total de 15,4% dos que se declaravam evangélicos, 67,6% são de origem pentecostal ou neopentecostal (a Assembléia de Deus e a Universal do Reino de Deus são consideradas as maiores de cada uma dessas respectivas ramificações), e apenas 27,5% pertenciam ao protestantismo histórico (entre eles estão as denominações: Batista, Congregacional e Presbiteriana) e 5% declararam-se pertencentes aos outros grupos de evangélicos.

Religiões 1991 (%) 2000 (%)

Católica apostólica romana 83,0 73,6

Evangélicas 9,0 15,4

Espíritas 1,1 1,3

Umbanda e Candomblé 0,4 0,3

Outras religiosidades 1,4 1,8

Sem religião 4,7 7,4

Quadro 3(1): comparação da distribuição percentual da população residente no Brasil, por religião professada – 1991/2000 (Fonte: IBGE).

Recentemente, foi realizada uma pesquisa pelo Instituto DataFolha com dados consolidados em todas as regiões do Brasil entre os anos de 2006 e 2007, com uma amostra total de 44.642 entrevistados (verificar quadro 4(1) a seguir).

Os resultados divulgados foram: os católicos apesar de serem maioria (64%) estão diminuindo quando comparados aos dados divulgados pelo IBGE; já os que se auto denominaram evangélicos no Brasil chegaram a um percentual de 22% da população. Porém, destes, 17% se dizem pertencentes às igrejas pentecostais ou neo-pentecostais; e 5% declaram-se como membros do protestantismo histórico (estas, incluem as de orientação reformada, como a Presbiteriana do Brasil); os espíritas kadercistas ou espiritualistas vêm logo a seguir, atingindo 3% da população; 5% professaram ter outra fé religiosa; e 7% confessaram ser ateus ou sem religião.

Este ano o IBGE divulgou os mais recentes números da contagem populacional e foi constatado que o Brasil já possui cerca de cento e oitenta e três milhões e novecentas mil pessoas. Com isto percebe-se que, comparado aos dados da pesquisa realizada pela Data Folha, divulgadas no ano de 2007, o Brasil tem cerca de quarenta milhões de evangélicos (conclusão esta baseada nos dados percentuais anteriormente apresentados de 22%). Entretanto, de acordo com a estatística já mencionada, apenas 5% da população deste país se diz pertencente aos grupos dos protestantes reformados, os quais podem incluir entre eles os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil. Desse modo, embasados em tais resultados, o universo total de evangélicos pertencentes às igrejas históricas configuram nove milhões de pessoas.

Religiões 2007 (%)

Católica Apostólica Romana 64

Evangélicos Pentecostais 17

Protestantes Históricos 5

Espíritas Kadercistas ou Espiritualistas 3

Outras 5

Sem religião 7

Em pesquisa realizada no site da IPB (2007) é verificado que o total do universo populacional somados os seus membros (aqueles que têm o seu nome arrolado no rol de membresia das igrejas locais) e seus congregados (os que apenas visitam a igreja sem terem

Quadro 4(1): Resultado da pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha entre os anos de 2006 e 2007, sobre a religião confessada pelos brasileiros. (Fonte: site do DataFolha, junho de 2007).

assumido ainda o desejo de participarem das igrejas locais como membros) perfazem um total de quinhentos mil.

De acordo com a estatística da IPB, em 1957, ela contava com seis sínodos, 41 presbitérios, 489 igrejas, 883 congregações, 369 ministros, 127 candidatos ao ministério, 89.741 membros comungantes e 71.650 não-comungantes. Ou seja, em uma época em que o Brasil possuía (de acordo com dados do censo realizado pelo IBGE) um pouco mais de cinqüenta milhões de habitantes, praticamente a representação, comparada ao percentual de população brasileira, ficou a mesma (MATOS, 2007).

Com isto, é constatado que não foi só a igreja católica que perdeu ou deixou de ganhar novos fiéis, porém também as igrejas evangélicas reformadas e, entre elas, a presbiteriana. E, assim, percebe-se uma outra importância da realização desta pesquisa. Ou seja, a oportunidade de verificar se a configuração organizacional-administrativa da IPB tem influenciado ou não em seu crescimento numérico.

Neste sentido, o presente trabalho espera também produzir conhecimentos os quais possam contribuir para indicar melhorias de eficiência e eficácia na estrutura administrativa- organizacional da IPB, porém, em especial, na Igreja Presbiteriana de Jardim Atlântico.

Ademais, o motivo predominante na escolha da IPJA como campo empírico para a realização da pesquisa consiste no fato de este pesquisador fazer parte do quadro de membros desta organização, e sobretudo ser um de seus líderes, atuando como presbíteros da mesma, e, conseqüentemente, sendo um dos representantes do seu Conselho.

Isto posto, a condição de participar do ambiente organizacional da IPJA há mais de dezoito anos (chegando na mesma quando ela ainda era congregação de sua igreja mãe (a IPO – Igreja Presbiteriana de Olinda – e o pesquisador ainda ser criança) suscitou algumas reflexões por parte deste quanto à realização desta investigação.

O fato de ser membro, como também presbítero da entidade religiosa em estudo, não foi tomado como algo que minimizasse as chances de propor questões significativas e não estudadas acerca da IPJA. Ao contrário, os anos de trabalho voluntário em diversos cargos de liderança na igreja (entre eles: presidente, vice-presidente, tesoureiro e secretário de sociedades internas; diácono; professor de escola dominical; e, atualmente presbítero) despertaram a inquietação frente a alguns aspectos da configuração administrativa da IPJA e a percepção de que realizar a análise organizacional desta igreja cristã reformada poderia ser um trabalho pioneiro e de grande contribuição para ajudá-la a evoluir em alguns de seus processos cotidianos.

Com efeito, em pertencendo ao quadro do Conselho da IPJA, do mesmo modo que facilita o acesso às informações desta organização, ao mesmo tempo gera uma angústia, fruto das condições afetivas que o pesquisador tem com seu objeto de estudo. Com isto, condiciona haver a possibilidade de tornar a pesquisa mais exeqüível, prejudicada pelo fato explanado anteriormente; posição que dificilmente seria atingida por algum pesquisador externo por não conhecerem algumas peculariedades que a igreja local possui.

Em contrapartida, reconhece-se que a visão de um pesquisador que seja membro atuante da organização investigada, exercendo inclusive cargo de liderança, traz em si aspectos resultantes da experiência vivida nesse ambiente; assim sendo, desde logo o pesquisador não deixa de reconhecer que lhe foram exigidos permanentes questionamentos da realidade estudada e um esforço extra no sentido de manter um estranhamento frente ao familiar. E, ainda, fazer com que os aspectos concernentes à fé não atravessem na observância do foco principal da pesquisa, ou seja, na análise dos aspectos organizacionais administrativas da referida entidade religiosa.

Ainda nessa perspectiva, não nos furtamos de assumir que, ao deixar de escolher uma outra comunidade local pertencente à IPB, privamo-nos de conhecer uma realidade nova e diferente daquela que nos é familiar, e que talvez fosse uma maior oportunidade de aprendizado. Todavia, neste momento, por todas as razões aqui expostas, escolhemos a IPJA como campo de aplicação do modelo multidimensional-reflexivo de Alves (2003).

Esclarecidos os motivos que impulsionaram a realização deste estudo, nos próximos capítulos apresentaremos o referencial teórico desta pesquisa.

2 Os fundamentos do modelo organizacional