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“Magazine França Contacto”

No documento A gir ,A tu ar, E xib ir (páginas 135-138)

O “Magazine França Contacto” surgiu como segmento autónomo em 2006, já que anteriormente os conteúdos referentes aos portugueses residentes em França eram integrados no “Magazine Europa Contacto”, o que, de resto, voltou a acontecer desde 2012.

O produtor do “Europa” e “França Contacto” é o mesmo desde o início do programa, sendo que ao longo dos anos, apenas a equipa (repórteres e apresentadores) tem vindo a ser alterada. No que diz respeito à construção de conteúdos, o produtor considera pouco exequível o formato biográfico, do tipo “história de vida”, devido a questões de tempo e viabilidade económica e, nesse sentido, apresenta com mais frequência reportagens temáticas – um grupo musical, um escritor, uma personalidade portuguesa de visita a França, indivíduos portugueses com destaque na vida francesa, entre outros conteúdos de circunscrição temática.

Procurar-se-á brevemente, apresentando dois exemplos empíricos, discutir os três eixos acima enunciados – produção, conteúdos, difusão - e perceber como a sua articulação enforma esta prática performativa. Discutir- se-á uma edição do segmento “França Contacto” (2011) analisada através do visionamento pelo portal da RTPI, e as reportagens sobre França de uma edição do “Europa Contacto” (2013), reportagens que integraram a pesquisa de terreno em curso. A selecção de uma edição de 2011 que não integrou

“Magazine Contacto”: Media e Performance na Construção da Identidade Nacional

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a pesquisa de terreno dá-se pela necessidade de analisar um episódio que seja na sua totalidade construído por reportagens que visam a mesma “comunidade”, neste caso, “a comunidade portuguesa em França”. No portal da RTPI o segmento é descrito como: “centrado na comunidade portuguesa em França, este magazine tem como objectivo mostrar como vive a nossa comunidade naquele país”15.

Produção

Uma das questões principais no que diz respeito à produção, passa pela selecção dos conteúdos, pela sua recolha e decisões relativas à edição e difusão, tendo presente que, tal como adverte Sapiera (2010: 110) “like mainstream media, diasporic media are subject to political-economic pressures, representational logics, and audience usages”. Simultaneamente, é necessária à construção do programa e da performance a este associada um conjunto de actos comunicacionais e técnicas de produção – “using costumes, sets, props, lighting, and other players” (Beeman, 2002: 91).

A selecção dos intervenientes - produtor, repórter, operador de câmara e som, editor, entrevistados, etc – constitui uma das etapas primeiras, etapa onde se selecciona quem pode legitimamente actuar neste contexto. No presente caso a nacionalidade, o país de origem, o domínio do português são questões centrais como se pode ver através de vários indicadores, entre eles as fichas técnicas dos programas. A relação que o produtor local tem com Portugal e nomeadamente com a RTP apresenta-se como significativa para o estabelecer do laço profissional. O produtor do “Magazine Europa Contacto” e “Magazine França Contacto” trabalhou em França em meios de comunicação social portugueses e tem relações familiares nesse meio, tanto em França como em Portugal. Nas suas palavras é ele que propõe e insiste junto do director de programação da RTP na criação de um projecto com características semelhantes ao que se vem a realizar com o “Magazine Contacto”. Nesse sentido, a sua selecção enquanto profissional com redes nos dois países apresenta-se como crucial e vai aliás ser motivo de uma crítica de um dos repórteres do programa, pois o produtor deixa de viver em França no mesmo período em que o “Magazine Contacto” é lançado e, nas palavras desse repórter, a sua ausência do terreno retira-lhe legitimidade, pois passa a delegar em terceiros a selecção de conteúdos, fazendo apenas pontualmente sugestões sobre temas a tratar.

 - (http://www.rtp.pt/play/p101/magazine-franca-contacto).

O recrutamento de repórteres no terreno não se apresenta como tarefa difícil, já que trabalhar, mesmo que indirectamente porque mediado pelo produtor, para a RTP é extremamente valorizado, conferindo autenticidade e capitais sociais e simbólicos no domínio profissional dos media comunitários. Por outro lado, como as verbas disponibilizadas pelo produtor não permitem a contratação de técnicos e de material que a qualidade de difusão televisiva obriga, alguns conteúdos não chegam a ser difundidos por falta de qualidade de broadcasting e nesse sentido não estando as questões técnicas totalmente asseguradas, podendo falhar a performance planeada na etapa das filmagens, surgem por vezes tensões e conflitos entre repórter e produtor.

No que diz respeito aos entrevistados, o processo de selecção e recrutamento não parece também apresentar grandes dificuldades, por um lado pelo reconhecimento imediato do nome do canal de estação televisivo português, pela projectada oportunidade de ter visibilidade em Portugal, apesar de na realidade o programa não ser transmitido no canal generalista português e, nalguns casos, pela legitimação no seio da própria “comunidade”, o que pode ser essencial para o posicionamento de indivíduos que procuram credibilizar-se no domínio da política, dos negócios, etc. Como refere um dos repórteres:

“- As pessoas, ou seja, nunca se fala do “Contacto” em concreto, as pessoas não concebem quer quando falam, quer quando perguntam o que é, para que é, eu não digo normalmente “Contacto”, digo normalmente RTP.

- É o que elas reconhecem?

– É mais imediato, é o que elas reconhecem melhor, isto entre os diversos, entre a comunidade, entre os líderes das associações já é diferente, já têm mais conhecimento do que é o “Contacto”, alguns participaram nos programas anteriores e tudo o mais.” (R2)

Em termos de produção, uma das actividades mais significativa passa pela gestão que é feita dos conteúdos a selecionar. Dois dos realizadores do programa entrevistados, contratados pelo produtor e que produziram conteúdos em diferentes momentos entre 2003 e 2013, trabalharam sempre para outros media (imprensa, televisão, rádio e agência noticiosa) quer locais (media comunitários) quer nacionais (media generalistas portugueses) o que dá origem a uma selecção de conteúdos feita frequentemente em economia

Antropologia e performance

de escala, ou seja, que permite construir reportagens para mais do que um media ou activando contactos e situações anteriores, reciclando, ajustando, articulando pontos de vista que permitam a partir de uma mesma situação construir reportagens diferentes.

“E portanto o negócio que era, tínhamos o jornal para rentabilizar e se, por exemplo, eu vou à Córsega, se for o jornal sozinho eu não consigo ir à Córsega porque é muito caro e porque se calhar o material que vou lá fazer, enquanto LusoJornal eu já fiz uns dois ou três dossiers sobre portugueses na Córsega, agora de resto posso fazer aqui pelo telefone, mas nunca é interessante, o estar lá ajuda a ir procurar outras coisas. E portanto se eu for lá e fizer uma reportagem para o “França Contacto”, uma, duas ou três, vou filmando ali durante dois ou três dias e fizer mais o programa do folclore que passava no canal aqui e podia fazer mais uma ou outra reportagem do “Mais três cinco um” da SIC, eu rentabilizava a minha ida. A estratégia era ir, filmar muitas reportagens e vir e ir montando pouco a pouco. Escolhendo, já que até tínhamos o cubo da RTP6, se filmássemos

uma reportagem era da RTP, portanto não ia passar na SIC depois, mas escolhendo logo à partida o que vai passar na SIC e o que vai passar no “Contacto” e fazíamos as coisas assim.” (R1)

“Eu trabalho para uma rádio, para uma agência de notícias e para uma televisão. Portanto como é que eu faço a gestão? É uma economia de escala, é isso que acontece. Porque a agenda é a mesma. E depois dependendo das coisas que forem acontecendo, dependendo também do tempo que eu tenho.” (R2)

Esta situação apresenta-se como significativa pois produz uma certa homogeneização nos conteúdos difundidos e consequentemente na construção da ideia de “comunidade portuguesa” com os seus atributos identitários e culturais.

Uma preocupação central de qualquer tipo de produção passa pela responsabilidade última de construir um discurso que seja legível, interpretável e reconhecido pelo público que, neste caso, incide nas lógicas específicas

 - O entrevistado refere-se ao cubo com o logotipo da RTP que é metido no mi- crofone, que aparece em frente à câmara, e que identifica o canal de televisão que se está a visionar.

“Magazine Contacto”: Media e Performance na Construção da Identidade Nacional

da produção mediática, “the assumptions and processes that inform the production of media outputs within particular media” (Siapera, 2010: 81) que, como referem Altheide e Snow (1979) incluem certos formatos e gramáticas que em conjunto apresentam uma forma distinta de entender ou construir o mundo, em interacção, modificando-o mas sendo simultaneamente modificado por este (Couldry, 2008). Neste âmbito, o programa analisado corresponde a uma gramática áudio-visual facilmente reconhecível: genérico com música e logótipo; pivot que apresenta o programa e os seus conteúdos; conteúdos divididos por separadores gráficos; mensagem de despedida do pivot; ficha técnica e publicidade. A mensagem de abertura circunscreve o público a que se destina o programa e a língua utilizada circunscreve a audiência possível, remetendo em conjunto para uma etiqueta cultural e étnica particular, facilmente reconhecível por um público específico. Como refere Beeman:

“Seeing a successful performative representation of symbolic reality requires an observer to be able to see how that performance correctly embodies a culturally recognizable form and displays it so that it can be recognized and reacted to by observers. The number and range of culturally recognizable forms are infinite and ever expanding, since members of a society can continually create new ones, provided they can constrain events in such a way that these new forms become recognizable.

Usually, the repertoire for representation is drawn from a stock of cultural material that is readily accessible to members of the public.” (Beeman, 2002: 92-93).

Este “repertório de representação” passa pela selecção dos conteúdos, sua apresentação mas igualmente a linguagem áudio-visual reconhecida num formato deste género, como podemos observar por este excerto de diálogo durante o processo de edição:

“(...) por exemplo, este senhor saí do plano e tchan entra na sala outra vez, o H... aqui não tinha cachecol, agora tem cachecol, tira o cachecol, é claro que é só se tiveres com muita atenção mas como eu já vi isto mais de duzentas mil vezes. (...) O que me falhou aqui a planificação foi que eu esperava mais pessoas (...) e não estava muita gente e o L... fez planos mas eram muito repetitivos (...) não está perfeito mas está melhor do que aquilo que estava mas tive de andar assim a procurar muitos planos.” (R2)

 

Uma outra questão que é importante referir, e que se inscreve no percurso de reflexão pós-moderno percorrido na antropologia, passa pelo seguinte questionamento: nos casos em que, no decorrer do trabalho de terreno, o antropólogo acompanhou o processo de produção, a sua própria actuação pode ser entendida como fazendo parte da performance em causa? Na realidade, o facto de estarmos perante uma equipa reduzida (repórter e operador de câmara), nas situações em que se participou no terreno, a presença e nalguns casos participação do antropólogo colocou- o como membro da equipa. A ajuda prestada a transportar material e segurar equipamento mas acima de tudo no dialogar com os entrevistados e outros indivíduos presentes no local de filmagens, contribuiu para a incorporação desse papel, pois sendo o único da equipa – equipa tal como esta era percebida pelos entrevistados apesar das explicações do repórter sobre o objectivo académico da presença desta terceira pessoa - que não tinha uma função técnica a desempenhar, principalmente nos morosos preparativos para as filmagens, acabava por ser um interlocutor privilegiado para os entrevistados, fora de câmara, que iam narrando histórias, dando explicações sobre os locais onde nos encontrávamos, etc. Esta situação permitiu ir recolhendo informações de contexto, fazer contactos, recolher excertos de histórias de vida e acima de tudo analisar o comportamento e as expectativas dos indivíduos numa situação de exposição mediática, onde são dadas coordenadas sobre o que dizer e indicações de ordem cénica: para onde dirigir o olhar; como controlar o volume da voz; ignorar a presença de terceiros; marcações no espaço indicando, em situações de movimento, por onde entrar e sair de cena, para onde olhar nesse percurso, abrir ou fechar portas, janelas, gavetas, etc. Um dos operadores de câmara numa ocasião, ao insistir mesmo na utilização de maquilhagem nos entrevistados, gerou comportamentos e comentários ainda mais inquietos da parte destes sobre a sua prestação, por esta atitude remeter para uma performance que se entendia como mais profissional pela caracterização dos rostos.

No documento A gir ,A tu ar, E xib ir (páginas 135-138)

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