• Nenhum resultado encontrado

prática, acção artística e exibição de sentidos

No documento A gir ,A tu ar, E xib ir (páginas 52-54)

Jacques Rancière em a Estética e Política. A Partilha do Sensível (2010 [2000]) fala-nos da existência de um comum, dos seus lugares, das suas partes que se torna visível através da “partilha do sensível”. Nesta obra, o autor interpela a relação entre política e estética, sublinhando que as práticas artísticas são “maneiras de fazer” e “formas de inscrição do sentido da comunidade”, sublinhado:

“Estas formas definem a maneira como as obras ou as performances “fazem política”, quaisquer que sejam as intenções que lhes presidam, os modos de inserção social dos artistas ou como as formas artísticas reflectem as estruturas ou os movimentos sociais” (2010 [2000]:15).

Numa obra posterior - O Espectador Emancipado (2010 [2008]) - Rancière apresenta-nos um conjunto de ensaios. No terceiro – “Os Paradoxos da Arte Política” – aborda a acção artística, as práticas da arte, defendendo que estas se relacionam com a política, actuando numa instância de enunciação colectiva que reelabora o espaço das coisas comuns, propondo uma interlocução com o mundo (2010 [2008]:104). A partir da noção de “estética relacional” de Nicolas Borriaud (1998) afirma:

“[…] o trabalho da arte, nas suas novas formas, ultrapassou a antiga produção de objectos destinados a serem vistos. A partir de agora esse trabalho produz directamente relações com o mundo, consequentemente formas activas de comunidade […].” (2010 [2008]: 104)

Assim, para Rancière, os artistas desenvolvem estratégias visando dissipar opacidades, dar a ver, exibir o que não era visto, colocando em relação o que

antes não surgia relacionado. Estamos então perante um movimento “de ida e volta entre a saída da arte em direcção ao real das relações sociais” (2010 [2008]: 106) e a exibição que lhe assegura eficácia simbólica. Segundo o autor, a dispersão das obras de arte na multiplicidade das relações sociais só vale se for vista. As “práticas da arte” contribuem para traçar uma paisagem nova do visível, do dizível e do fazível (2010 [2008]: 113).

A “arte política” de Jacques Rancière – e a sua ênfase na ideia de prática, acção, visibilidade, comunidade – conduz-nos a James C. Scott na tarefa de enriquecer o conceito de prática artística. Nas suas diferentes obras, o autor tem vindo a mobilizar o conceito de “arte” – da resistência (1990), do disfarce político (1990), de não ser governado (2009) – referindo-se à diversidade das estratégias de resistência e à “infrapolítica” dos grupos subordinados. Com a utilização do termo “arte”, James C. Scott dirige enfaticamente a nossa atenção para as práticas, para as “maneiras de fazer” e para a sua criatividade cultural (ver Liep, 2001), isto é, para a forma como as pessoas combinam e recombinam elementos dos reportórios que consubstanciam a resistência clandestina, anónima, “fora de cena”, tornada pública em conjunturas propiciadoras à sua visibilidade.

E chegamos a Turner, explorando, em particular, alguns aspectos do conceito de performance que se entretecem com algumas ideias que pontuaram o caminho até aqui, nomeadamente a construção social do sentido e a exibição.

Em “Victor Turner’s Last Adventure”, Richard Schechner enfatiza a sua atitude “unfinishedness” e a forma como explorava os problemas que foram integrando o seu percurso, no qual se destaca o seu aturado trabalho sobre o ritual no quadro dos processos sociais (Schechner, 1988: 7). Segundo Schechner é precisamente o ritual que lhe permite a construção de um caminho sólido para indagação da performance enquanto paradigma de processo:

“every idea leds to new ideas, every proposition was a network of possibilities. I think he was so long interested in performance – theatre, dance, music, ritual and social drama – because performance is the art that is open, unfinished, decentred, liminal. Performance is a paradigm of process.”Performance is a paradigm of process.” (Schechner, 1988: 8)

Antropologia e performance

A ideia de processo, de experiência inerente à performance constitui-se, segundo Schechner, o filão da abordagem de Victor Turner, sublinhando, em particular, o interesse do “being in of art”, mais do que no seu resultado final:

“The working is as important, maybe more so, than the “work. […] Turner grew more and more deeply interested in preparatory phases of performance – workshops, rehearsals, training – how people may ready for performances- to-be” (Schechner, 1988: 8).

“Images and Reflections: Ritual, Drama, Carnival, Film and Spectacle in Cultural Performances” constitui um dos textos da obra The Anthropology of Performance. Aqui Turner mostra-nos como a performance é, muitas vezes, crítica: “an evaluation (with lively possibilities of rejection) of the way society handles history” (Turner, 1988: 22). De facto, Turner é particularmente argutoDe facto, Turner é particularmente arguto na forma como articula a performance e a construção quotidiana do sentido (Beeman, 2002: 94). Numa imagem estilisticamente notável, afirma:

“In other words, if the contrivers of cultural performances, whether these are recognised as “individual authors”, or whether they as representatives of a collective tradition, geniuses or elders, “hold the mirror up to nature”, they do this with “magic mirrors” which made ugly or beautiful events or relationships which can not be recognised as such in continuous flow of quotidian life in which we are embedded“. (1988:22)(1988:22)

Contudo, o autor densifica a sua análise jogando com o nexo “reflective- reflexive” para perspectivar a performance cultural enquanto força de mudança:

“cultural performances are not simple reflectors or expressions of culture or even of changing culture but may themselves be active agencies of change, representing the eye by which culture sees itself and the drawing board on which creative actors sketch out what they believe to be more apt or interesting “designs for living.” As Barbara Babcock has written: “many cultural forms are not so much reflective as reflexive.” (Turner, 1988: 24)

Victor Turner coloca a tónica na experiência e nos seus modos de enunciação (Turner 1986) e, também, no trabalho do “espelho”. O autor mostra-nos como as performances culturais se constituem como modos de comunicação

linguísticos e não linguísticos, como a música, dança, representação e artes visuais (Beeman, 2002). Numa interlocução com Wilhelm Dilthey, Turner salienta precisamente esta dimensão no ensaio “Dewey, Dilthey, and Drama: An Essay in the Anthropology of Experience” (1986):

“We are social beings, and we want to tell what we have learned from experience. The arts depend on this urge to confession or declamation. The hard-won meanings should be said, painted, danced, dramatized, put into circulation” (1986: 37).

Deste modo, as propostas do autor, assumem-se como “matéria resistente” para nos ajudar a perceber as práticas artísticas na actualidade, em particular o que captam, como se posicionam, o que discutem e comunicam os artistas visuais ao mobilizarem a ideia de “nação” como plataforma crítica e de escrutínio da contemporaneidade.

A cartografia traçada permite-nos estabelecer uma linha de reflexão enriquecedora que procura explorar as artes visuais, os seus aspectos performativos e políticos. As práticas artísticas são “maneiras de fazer” cuja eficácia é garantida pela expressão de uma teia de sentidos que garantem a sua eficácia quando partilhados e exibidos.

3. Práticas artísticas: actuar e dar a ver

No Inverno de 2012, esteve patente em Lisboa a exposição “Da solidão do Lugar a um Horizonte de Fugas”3. Aqui experimentam-se relações com o real,

exercita-se uma “mnemónica colectiva”, nas palavras do seu curador Pedro Lapa (2012).

Depois de percorrermos o primeiro grande corredor do espaço expositivo, acompanhados lateralmente pela peça I Cannot Remember Anything (1993) do artista escocês Douglas Gordon, chegamos à instalação Amnésia (1997) de Ângela Ferreira. A instalação desenvolve-se em dois espaços. No primeiro, confrontamo-nos com um conjunto de cadeiras de madeira estilo holandês da família da artista dispostas em semicírculo. A sua distribuição no espaço convida a determo-nos no filme Moçambique, no outro lado do tempo (1996)4

transmitido por uma televisão colocada no chão. Na parede, exibem-se três

0 0

peças de cerâmica da fábrica Rafael Bordalo Pinheiro, datadas de 1902. No segundo espaço, três troncos de madeira de Umbila dispostos em paralelo no chão são colocados em relação com uma mesa feita da mesma madeira. Neste trabalho, Ângela Ferreira constrói um comentário crítico ao seu próprio contexto, nomeadamente à relação de Portugal com o seu passado colonial articulando temporalidades heterogéneas activadas pelos diferentes objectos exibidos.

A penúltima peça que pontua o percurso por “Da solidão do Lugar a um Horizonte de Fugas” é o filme documental Sur Place (2006) de Justine Triet. Numa tela de grandes dimensões é possível observar “a dança dos corpos” de cidadãos que se confrontam nas ruas de Paris, movimento revelador dos desconfortos que emergem no espaço público europeu do século XXI. Os acontecimentos que a câmara registou a partir de uma janela desta cidade são as manifestações anti-Contrat Première Embauche ocorridas em Jussieu em 2006 (in Lapa, 2012).

Esta exposição funda um terreno fértil para introduzir a problematização das práticas artísticas enquanto performances culturais, na medida em que as revela como territórios de construção e exibição de sentidos. ComoComo afirmam Morphy e Perkins (2006): “Art has increasingly become part of cultural commentary and of political discourse, involving a reflexive critique of the artist’s own society“(2006:11).

No quadro da sua análise sobre a visualidade contemporânea, o antropólogo Néstor Garcia Canclini (2010, 2013) afirma que a antropologia tem que estar disponível “para o que vem”, escutar os actores e perscrutar a densidade intranquilizante dos factos. O antropólogo assegura, ainda, que a arte ocupa uma posição de iminência, declarando o que pode acontecer, prometendo ou modificando sentidos. Partilha com Jacques Rancière a ideia de que a arte se expandiu para além do seu próprio campo, manifestando amplas reconfigurações nas quais “todas as competências artísticas específicas tendem a sair do seu domínio próprio e trocar os respectivos lugares e poderes, misturando-se os géneros (Rancière, 2010 [2008]:33):

Deste modo, e procurando responder ao repto de Garcia Canclini, importa interpelar o que discutem os artistas, o que comunicam (Turner, 1987), como constroem imaginários partilhados (Garcia Canclini 2005 [1998]:181)

e participam na imaginação da nação (Anderson, 1991 [1983]). Os artistas desenvolvem práticas que dão a ver aquilo que não era visto, densificam o que era demasiado fácil (Rancière (2010 [2008]), construindo significados através das suas práticas, elaborando o seu sentido de cultura (MacClancy, 1997).

Analisei noutro lugar (Almeida, 2012), a forma como a arte contemporânea portuguesa explora a crítica à contemporaneidade através da ideia de nação. Os artistas elaboram-na delineando dois caminhos. No primeiro, a nação é mobilizada recorrendo-se à cultura popular como idioma principal, aproximando-se de um discurso “etno-simbólico” (Smith, 2002), num movimento de esteticização do património nacional. No segundo, as práticas artísticas envolvem ideias mais pluralistas de nação, apresentando uma reflexão sobre a experiência histórica do colonialismo português, sobre a desmontagem do quadro ideológico da ditadura e sobre a memória da Guerra Colonial.

Detenhamo-nos, agora, no trabalho de dois artistas, de gerações diferentes, que se situam precisamente nesta segunda via de abordagem à “nação”, procurando perceber como se posicionam, quais os desconfortos que manifestam, o que exibem e o que dão a ver: Manuel Botelho (Lisboa, 1950) e Pedro Barateiro (Almada, 1979) entrelaçam o artístico e o político interrogando o discurso e as relações de poder.

3.1. Manuel botelho:

No documento A gir ,A tu ar, E xib ir (páginas 52-54)

Outline

Documentos relacionados