• Nenhum resultado encontrado

Reflexões finais

No documento A gir ,A tu ar, E xib ir (páginas 118-120)

Talvez a condição de liminaridade seja uma condição intrínseca àqueles momentos em que já não existe futuro para o passado. Em que aquelas histórias sublimes que iluminaram antigos futuros foram consumidas pela confrontação com o tempo e já não nos fornecem acesso à versão idealizada de nós mesmos que julgávamos ser. Talvez nesses momentos precisemos destruir os palácios que erigimos fora de nós mesmos e, como sugere Eelco Runia (2007: 323), cometermos o “pecado original” de fazer algo que, supúnhamos, está em completa contradição com a nossa identidade ideal.

Talvez para que o possamos fazer tenhamos de nos voltar para nós mesmos e assumir total responsabilidade pelos traumas históricos de que participamos. Assumir responsabilidade por esses traumas não significa atribuir essa responsabilidade a “outrem” ou “banalizar” a nossa participação neles. Significa, sim, oferecer uma resposta hábil ao conjunto de tensões, contradições e perplexidades geradas por tais eventos traumáticos. Essa resposta está, em nosso entender, na criação de uma atitude de disponibilidade para ouvir aquela parte de nós mesmos que está presa nesse estado liminar

Antropologia e performance

situado entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Tal pressupõe também uma disposição existencial para nos relacionarmos com todos aqueles que participaram diretamente nesses dramas, não como vítimas nulificadas, objetos de compaixão, ou de ataque, mas como pessoas a quem é reconhecida a validade da própria experiência.

No caso do drama social tratado neste texto, essa é uma tarefa exigente. Se, por um lado, uma imagem de um colonialismo tolerante é construída à custa do esquecimento de traumas históricos e de formas de exploração racial e económica que continuam a assombrar as relações sociais no tempo presente (Domingos e Peralta, 2013), por outro, a manutenção desta mesma imagem parece ter prevenido uma excessiva politização da categoria raça no campo social e a disrupção da ordem social após a derrocada do regime e do império. Ainda assim, volvidos quase 40 anos sobre o fim das guerras coloniais em África, uma perplexidade que se cala bem fundo no seio da sociedade portuguesa, escondida sob a exemplaridade que o Monumento ao Combatente procura representar, impõe uma reflexão que extrapola o escrutínio académico: como pode esta criatura monstruosa ter sido criada por pessoas tão tolerantes como nós?

*

Agradeço ao Dr. Ricardo Varandas dos Santos, Diretor do Arquivo da Liga dos Combatentes, a disponibilização de materiais de pesquisa e as prestimosas informações que tanto enriqueceram a reflexão que se pretendeu alcançar neste texto.

bibliografia

ALEXANDER, Jeffrey C., 2004, “From the Depths of Despair: Performance, Counterperformance, and September 11”, Sociological Theory, 22 (1): 88-105. ALMEIDA, Miguel Vale de, 2002, “‘Longing for Oneself’: Hybridism and Miscegenation

in Colonial and Postcolonial Portugal”, Etnográfica, VI (1): 181-200.

BLOCH, Maurice e PARRY, Jonathan, 1982, “Introduction: Death and the regeneration of life”, in Maurice Bloch and Jonathan Parry (eds.), Death and the Regeneration of Life, Cambridge, Cambridge University Press: 1-44. BODNAR, John E., 1994, Remaking America: public memory, commemoration, and

patriotism in the twentieth century, New Jersey, Princeton University Press. BRANCO, Jorge Freitas, 1995, “Lugares para o povo: uma periodização da cultura

popular em Portugal”, Revista Lusitana (Nova Série), 13-14: 145-177. CATROGA, Fernando, 2010, “O culto dos mortos como uma poética da ausência”,

ArtCultura, Uberlândia, 12 (20): 163-182.

COHEN, Michael, DWYER, Paul e GINTERS, Laura, 2008, “Performing ‘Sorry Business’: Reconciliation and Redressive action”, in Graham St John (ed), Victor Turner And Contemporary Cultural Performance, Nova Iorque, Berghahn: 76-93.

CONNERTON, Paul, 2008, “Seven types of forgetting”, Memory Studies, 1 (1): 59- 71.

DOMINGOS, Nuno e PERALTA, Elsa (eds.), 2013, Cidade e Império: dinâmicas coloniais e reconfigurações pós-coloniais, Lisboa, Edições 70.

DUNCAN, Carol, 1995, Civilizing Rituals: Inside Public Art Museums, Nova Iorque: Routledge.

FERREIRA, José Medeiros, 1994, Portugal em Transe (974-985), Volume VIII, História de Portugal, dir. José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores.José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores.

FORTUNA, Carlos, “The Show Must Go On: Why Are Old Cities Becoming Fashionable?”, Paper delivered at the International Conference on Fashion, Culture and Metropolitan Lifestyles. Universittà Cattolica del Sacro CuoreUniversittà Cattolica del Sacro Cuore (Dipartimento di Sociologia), Milan, 14-15 December 1995. http://www4.fe.uc. pt/fontes/trabalhos/citiesfashionshow.pdf. Consultado em 15 de novembro de 2013.

FRIEDMAN, D. S., 1995, “Public Things in the Modern City: Belated Notes on ‘Tilted Arc’ and the ‘Vietnam Veterans Memorial’”, Journal of Architectural Education, 49 (2): 62-78.

GATTA, Federica, 2010, “Divided Nicosia. De-scripture of liminal spaces”. http:// dividednicosia.files.wordpress.com/2010/09/de-scripture-of-limina-spaces-in- nicosia_federica-gatta-doc.pdf. Consultado em 15 de novembro de 2013.

O Monumento aos Combatentes: A Performance do Fim do Império no Espaço Sagrado da Nação

  HALBWACHS, Maurice, 1992, On Collective Memory. Chicago, The University of

Chicago Press.

JACKSON, Michael, 2013, Lifeworlds: Essays in Existencial Anthropology, Chicago, The University of Chicago Press.

KEARL, Michael C. e RINALDI, Anoel, 1983, “The political uses of the dead as symbols in contemporary civil religions”, Social Forces, 61(3): 693-708. MAGALHãES, Altino, 2007, Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lisboa:

Europress.

STORA, Benjamin (2008), “Préface”, in Pascal Blanchard e Isabelle Veyrat-Masson (dir.), Les Guerres de Mémoires: La France et son histoire, enjeux politiques, controverses historiques, stratégies médiatiques. Paris, La Découverte.Paris, La Découverte. NORA, Pierre, 1993, “Entre memória e história: a problemática dos lugares”,

Projeto História, São Paulo, 10: 7-28.

PERALTA, Elsa, 2013, “A composição de um complexo de memória imperial: O caso de Belém, Lisboa”, in Nuno Domingos e Elsa Peralta (eds), Cidade e Império: Dinâmicas coloniais e reconfigurações pós-coloniais, Lisboa, Edições 70: 361-407.

PERALTA, Elsa, 2011, “Fictions of a creole nation: (re) presenting Portugal’s imperial past”, in Helen V. Bonavita (ed.), Negotiating identities: constructed selves and others, Amsterdam/New York, Rodopi: 193-213.

RUNIA, Eelco, 2007, “Burying the dead, Creating the past”, History and Theory, 46 (3): 313-325.

SANDAGE, Scott A., 1993, “A Marble House Divided: The Lincoln Memorial, the Civil Rights Movement, and the Politics of Memory, 1939-196?”, The Journal of American History, 80 (1): 135-167.

STURKEN, Marita, 2004, “The aesthetics of absence: Rebuilding Ground Zero”, American Ethnologist, 31 (3). 311-325.

TURNER, Victor, 1967, The Forest of Symbols: Aspects of Ndembu Ritual, Nova Iorque, Cornell University Press.

TURNER, Victor, 1975, Dramas, Fields, and Metaphors: Symbolic Action in Human Society, Nova Iorque, Cornell University Press.

TURNER, Victor e Turner, Edith, 1978, Image and Pilgrimage in Christian Culture: Anthropological Perspectives, Oxford: Basil Blackwell.

No documento A gir ,A tu ar, E xib ir (páginas 118-120)

Outline

Documentos relacionados