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3. A OCUPAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS DO ALTO SOLIMÕES: O CONTEXTO

3.3. OS MARISTAS E O PROJETO RONDON

Os Irmãos Maristas chegaram em 1972, no âmbito do Projeto Rondon98, dando início ao funcionamento do Campus Avançado do Alto Solimões (CAAS) mantido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que ocupava uma área de 60.000 metros quadrados na cidade de Benjamim Constant.

Nessa sede atuavam equipes de professores e estudantes da PUCRS que, utilizando-se de barcos equipados faziam atendimentos médicos, de enfermagem e odontológicos para população ribeirinha e indígena como parte dos estágios dos cursos de Medicina e Odontologia daquela Universidade. Posteriormente, atendendo solicitação do diretor do CAAS, a Faculdade de Zootecnia e Veterinária elaborou o projeto de instalação de uma fazenda experimental na região de Benjamim Constant, com o intuito de desenvolver atividades de pesquisa com produtos regionais e exóticos que levassem à ampliação da produção de alimentos. Além do objetivo de geração de renda, havia a indicação por parte

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A aluna do curso de magistério da OGPTB Anita Vasques Firmim cursou o Normal Superior em Tabatinga e foi encaminhada, junto com a família, para fazer a formação religiosa batista no Rio de Janeiro. Posteriormente seguiu para Brasília, ingressou no mestrado da UnB e desenvolveu a dissertação: Análise Linguística de um Livro Tikúna:

Revivendo Torü duǖ’ ǖgü, defendida em 2010. Atualmente é professora da escola indígena na comunidade

Filadélfia, em Benjamim Constant.

98O Projeto Rondon foi criado pelo governo militar em 1969 tendo por lema: “integrar para não entregar”, e se propunha

a levar a educação, ciência e cultura às regiões mais “atrasadas” do país. Num primeiro momento enviava, no período

das férias escolares, grupo de jovens universitários a locais carentes para conscientizar as populações a “saírem de seu

estado de penúria e de ignorância” (João e Clemente, 1997, p. 275). Segundo Mauro Costa Rodrigues 1º Coordenador

Geral do Projeto Rondon e Secretário-geral do MEC e Sérgio Mario Pasquali Presidente da Fundação Projeto Rondon, ambos coronéis do exército e autores da publicação na Revista do Clube Militar: 40 Anos – A concepção político

estratégica dos campi avançados, numa fase posterior do Projeto os grupos de acadêmicos permaneciam de 30 a 60 dias prestando assistência a populações de regiões consideradas remotas. Objetivavam criar um “pólo de irradiação de cultura e ciência”, congregando a igreja, o exercito e a universidade e, através do “choque entre as culturas” dos

universitários e moradores locais, das regiões desenvolvidas do sul e sudeste com as atrasadas do norte e nordeste, criar uma visão de maior responsabilidade nos estudantes. Nesse contexto as universidades foram convidadas a criarem campi avançados e inserirem como atividades de extensão esses atendimentos. Envolveu ao longo dos anos, 120 mil universitários e 55 instituições de ensino em 23 campi.

dos profissionais da área médica da necessidade de melhorar a dieta local, considerada pouco nutritiva.

Figura 13 - Recreação com crianças ticunas em Belém do Solimões FONTE: CAAS99

No programa do Projeto Rondon do Campus Avançado do Alto Solimões100 constava também a criação do curso de licenciatura de 1º. Grau com formação de professores para a região. Aprovado pelo Conselho Universitário em outubro de 1973, os cursos tiveram início em janeiro de 1974, atendendo aos professores leigos das zonas rurais. O Curso de Capacitação contemplava 1080 horas e era ministrado em período de férias, com estágio e

acompanhamento na área. Ofereciam ainda cursos de “madureza” (atual EJA) e preparação

para o vestibular do Curso de Licenciatura para 1º. Grau.

O campus atendia as demandas das prefeituras do Alto Solimões através do envio de pequenas equipes às aldeias nos rios e igarapés, o que exigia contínuos e demorados

deslocamentos. Em 1975 o trabalho foi reorganizado em ações integradas de “Educação, Saúde e Alimentação”, promovendo cursos para professores, atividades agrícolas e de

criação de animais apoiadas pela Emater, destinadas a melhorar a alimentação da população local, inclusive com capacitação em agropecuária para os ticunas.

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Imagens do Campus Alto Solimões, <http://www.pucrs.br/proex/extensaocomunitaria/album/principal-campus- solimoes.htm> acessado em 19/-9/2009.

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Foto sem data, História da PUCRS 1951 – 1978. II volume, Irmãos Faustino João e Elvo Clemente. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1997.

Em 1978 o CAAS da PUCRS firmou convênio o Convênio Nº 80/78 com a Funai para oferta de Curso de Nivelamento como preparação ao Curso de Capacitação, nenhum desses com caráter específico. Objetivavam também, o estudo das características da língua ticuna, a cultura material e origem e motivo do surgimento dos movimentos messiânicos junto a esse povo, além de realizar atendimento odontológico e assistência pedagógica.

A demora no repasse dos recursos pelo órgão federal atrasou a primeira etapa do curso que teve 400 horas/aulas entre 01/11 a 18/12/78, com entrega de certificado a 23 ticunas que atuavam como professores. A avaliação do Curso de Nivelamento realizada pelo Diretor do Campus (Stein, 1978) apresentava como ponto positivo a vontade de aprender por parte dos alunos que não tiveram nenhuma falta e a boa acolhida de todos na aldeia São Leopoldo, onde se realizou o curso. As dificuldades apontadas referem-se à insegurança de alguns docentes (os quais haviam concluído recentemente o mesmo curso destinado a professores rurais leigos), o excesso de conteúdos, a falta de verbas e a dificuldade dos Ticuna em ficarem tanto tempo longe de suas famílias.

Os professores dos municípios de São Paulo de Olivença, Benjamim Constant e Santo Antônio do Içá aprovados nesse curso preparatório estavam aptos para o Curso de Capacitação que se estenderia até 1982. Segundo o projeto aprovado no referido convênio o curso se justificava porque:

Dentro do plano geral da Coordenação da Amazônia – Coama, a Funai coloca um cuidado todo especial na preparação do elemento indígena a fim de torná-lo, a ele próprio, o elemento gradativo de sua evolução, sem nada rejeitar de sua cultura milenar nem, tampouco, daquilo que a sociedade nacional hodierna tem para lhe oferecer e que esteja em suas aspirações. (Stein,1979, p.1)

O projeto explicava que, embora incipiente, o ensino bilíngue já existente em Benjamim Constant apresentava boas experiências e resultados mas que, para se expandir a todas as aldeias que o demandavam, era preciso capacitar professores. Numa primeira fase, até 1980, os conteúdos do curso eram referentes às séries iniciais do então 1º. Grau e, após avaliação, o CAAS da PUCRS prosseguiu ministrando as disciplinas correspondentes às séries finais, além, de alfabetização em língua ticuna. Os docentes eram ligados ao Campus Avançado e também à rede municipal de Benjamim Constant.

A PUCRS realizou pesquisas nas áreas de genética, etnologia, lingüística e biociências até 1990 quando se deu o fechamento do CAAS. O trabalho dos maristas teve continuidade na região através do apoio aos Kokama da aldeia Sapotal para a construção do Centro Cultural Kokama no município de Tabatinga.