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2 REDUCIONISMO E VISÃO INTEGRAL NA HISTÓRIA DO MUNDO

2.2 OLHARES PROSPECTIVOS DE ABERTURA À INTEGRALIDADE

2.2.1 Martin Buber: a realização humana como toque na Transcendência

Martin Buber, judeu de língua alemã. Nascido em Viena em 1878 e falecido em Jerusalém, Israel, em 1965. Viveu com o seu avô que era hebraísta, até os 14 anos. É considerado o precursor da reflexão sobre o “outro” no pensamento contemporâneo. A doutrina do humano integral de Buber não foge às suas origens religiosas, mesmo que não consista unicamente em expressão de uma fé confessional. Buber vai além disso ao afirmar:

O originalmente judaico ascendeu em mim, floresceu em pronunciamento novo e consciente da escuridão do exílio: capturar a imagem do homem na sua seme-lhança com Deus enquanto ação, enquanto vir-a-ser, enquanto tarefa. E, esse originalmente judaico foi algo originalmente humano, a essência da religiosidade mais humana. [...] A imagem da minha infância, a lembrança do tzadik e sua comunidade, ergueu-se e me iluminou: conheci a idéia do homem completo (des vollkommenen Menschen). Concomitantemente senti a minha profissão de a-clamá-la para o mundo. (apud RÖHR, 2001, p. 2).

A mística isolacionista da religião não tem lugar no pensamento da integralidade em Martin Buber. Ele traz para a sua reflexão a proposição relacional de uma religiosidade judaica mais fervorosa e existencial, uma concepção existencial do homem que questiona a lógica cientificista e mecanicista. Deus é o ponto de encontro entre o homem e a história, entre os sujeitos. Deus não pode ser um ser transcendente na indiferença. Deve ser pensado como interligação e relação dialógica. Trata-se de uma ontologia que delineia o que viria a ser mais tarde a concepção buberiana de diálogo e reciprocidade em face do humano.

Interessa em Buber afirmar a tendência humana como atividade total e movimento para o outro a desdobrar-se como plenitude e constância, como perfeita aceitação da presença. Deus é o nome da radicalização do encontro quando este é transfiguração do mundo pela presença. A fenomenologia religiosa de Buber é, pois, uma fenomenologia do encontro. Há uma reciprocidade entre o sujeito e o mundo. Cria-se, assim, a passagem da religião à religiosidade.

A situação religiosa manifesta-se como paradoxo (unidade entre necessidade e liberdade, Deus e mundo, tempo e permanência, solidão e encontro no termo de uma maturação que é espera e silêncio), como novidade, como

própria ética: o Encontro é uma responsabilidade em que cada um se constitui na reciprocidade da confirmação pelo outro (Robert Misrahi in HUISMAN, 2001, p. 175).

A significação imanente a que está orientado o homem é o que dá sentido à sua comunhão com o Transcendente. A reificação do outro implica uma dificuldade à alteridade. A palavra-princípio „eu-tu‟ é a que instaura a autêntica reciprocidade. É pelo outro que o EU

se descobre como consciência não objetificada. A relação com o OUTRO antecede a

consciência do EU.Essa relação, portanto, acontece como reciprocidade, como presença (do

OUTRO), como totalidade ativa, como encontro por graça, sem intermediários ou mediações.

Desdobra-se como presente, atitude decisória pela vida verdadeira. Daí, portanto, Buber delinear as diferentes formas de diálogo no âmbito da autenticidade e da inautenticidade:

Uma palavra-princípio é o par EU-TU. A outra é o par EU-ISSO no qual, sem que seja alterada a palavra-princípio, pode substituir ISSO por ELE ou ELA. Deste modo, o EU do homem é também duplo. Pois, o EU da palavra- princípio EU-TU é diferente daquele da palavra-princípio EU-ISSO. As palavras princípio não exprimem algo que pudesse existir fora delas, mas uma vez proferidas elas fundamentam uma existência. As palavras-princípio são proferidas pelo ser. Se se diz TU profere-se também o EU da palavra- princípio EU-TU.Se se diz ISSO profere-se também o EU da palavra-princípio EU-ISSO. A palavra-princípio EU-TU só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. A palavra-princípio EU-ISSO não pode jamais ser proferida pelo ser em sua totalidade (1979, p. 3-4).

A palavra-princípio EU-TU, para Buber, fundamenta o mundo da relação, a qual se realiza na esfera da natureza, da vida dos homens e dos seres espirituais.

A primeira é a vida com a natureza. Nesta esfera a relação realiza-se numa penumbra como que aquém da linguagem. as criaturas movem-se diante de nós sem possibilidade de vir até nós e o TU que lhes endereçamos depara-se com o limiar da palavra. A segunda é a vida com os homens. Nesta esfera a relação é manifesta e explícita: podemos endereçar e receber o TU. A terceira é a vida com os seres espirituais. Aí a relação, ainda que envolta em nuvens, se revela silenciosa mas gerando a linguagem. Nós proferimos, de todo nosso ser, a palavra-princípio sem que nossos lábios possam pronunciá-la” (Ibid. p.7).

Nenhuma dessas esferas teria sentido, no entanto, sem o vislumbramento do TU eterno: “... graças a tudo aquilo que se nos torna presente, nós vislumbramos a orla do TU eterno, nós sentimos em cada TU um sopro provindo dele, nós o invocamos a maneira própria de cada esfera” (Ibid. p. 7).

EU-TU não se restringe ao inter-humano. Há muitas maneiras de EU-TU. TU é qualquer ser que esteja presente no face a face. Assim como o ISSO pode ser qualquer ser que é

considerado um objeto de uso, de conhecimento, de experiência de um EU. “EU e TU não aceita a distinção familiar entre coisas e pessoas (...) As duas atitudes são reversíveis e convertíveis em virtude da decisão do homem como EU do significado do que acontece entre o

EU e o mundo (Newton Aquiles Von Zuben in BUBER, 1979, Introdução, p. LVI).

Assim, interessa-nos este humano que se encontra na afirmação da palavra-princípio

EU-TU enquanto afirmação antropológica, mas que também reafirma esta mesma palavra-

princípio na relação EU-TU ETERNO.A consciência em geral não é então dada em mim, mas no

OUTRO, e é pelo OUTRO que o EU se descobre como consciência não reificada. O TU eterno é

aquele que nunca poderá ser um ISSO.A essência de Deus não interessa a Buber. Interessa,

sim, a relação que o homem tem para com Ele, que é interpessoal.

O pensamento buberiano, portanto, reflete a nostalgia do humano. A vida humana para Buber é o compromisso do homem com a própria existência. De uma fase mística, Buber passou para uma fase existencial, onde o divino e o humano se encontram em relação, em in-

carnação, para falar numa nomenclatura religiosa (BUBER, 1991, p. 42-44). O humano se

diviniza na relação com o TU divino. E o divino se humaniza na relação com o TU humano. O autor encontra no Hassidismo a possibilidade real de uma mística existencial: a busca da santificação aqui na terra. Há uma união autêntica e concreta do EU humano que se encontra com o TU eterno. Deus se imanentiza. Ao invés de um panteísmo, o encontro se desdobra em panenteísmo: o mundo-em-Deus:

Se diriges a força integral de tua paixão ao destino universal de Deus, se fizeres aquilo que tens a fazer, seja o que for, simultaneamente com toda tua força e com essa intenção sagrada, a Kavaná, reúne Deus e a Schehiná, eternidade e tempo. Para tanto não precisa ser erudito,nem sábio: nada é necessário exceto uma alma humana, unida em si e dirigida indivisamente para o seu alvo divino” (Newton Aquiles Von Zuben in BUBER, 1979,

Introdução, p. XXXVIII).

Buber desenvolve, portanto, os caminhos da integralidade a partir do conceito de relação presentes numa ontologica e antropologia que lhe são próprias. Na sua obra “EU E TU”, delineia-se a sua fenomenologia da relação. Ali, o ser se manifesta ao homem que por intuição o percebe pela contemplação. É na palavra, portanto, no diálogo, onde o ser se afirma como revelação. O diálogo se afirma como o fundamento ontológico do inter-humano. A existência ou a vida em diálogo é a apresentação de uma ontologia que considera a relação como fato primeiro para Buber. Daí, a apresentação daquelas que são as principais categorias da vida em diálogo: palavra, relação, diálogo, reciprocidade como ação totalizadora,

subjetividade, pessoa, responsabilidade, decisão-liberdade, inter-humano (Newton Aquiles Von Zuben in BUBER, 1979, Introdução, p. XLIII).

Ali, portanto, encontra-se o intuito buberiano de uma educação espiritual. A educação que se quer afirmar integral, precisa ser uma educação para a Transcendência. Perceber o humano que há em relação com mundo e com o TU eterno é caminho necessário para se compreender a busca da integralidade entre os sujeitos em atos específicos que se dizem pedagógicos. A autocontemplação, enquanto prestação de contas da própria condição que se enconde em si mesmo; o encontro com o caminho específico, enquanto caminho individual de cada um; a determinação, enquanto zelo pela coerência entre o estado da alma e as metas que se quer alcançar; o começar consigo, enquanto identificação das próprias questões anteriores como forma de resolver as exteriores; o não se preocupar consigo, enquanto busca e encontro com a vontade última que não é minha, mas delineamento feito para ser encontrado por mim; e o aqui onde se está, enquanto responsabilidade pelo locus in trancendentiam são os principais passos a serem dados pelo homem no caminho da percepção de uma educação para a integralidade e, portanto, uma educação espiritual (RÖHR, 2001).