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2 REDUCIONISMO E VISÃO INTEGRAL NA HISTÓRIA DO MUNDO

3.2 O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE: A MULTIDIMENSIONALIDADE DO

3.2.3 O uno e o múltiplo: caminhos de uma epistemologia complexa

3.2.3.1 Teoria da informação e cibernética

O estudo teórico dos sistemas de informação se encontra na base do coneito de complexidade. Enquanto teoria científica, a teoria da informação se ocupa da análise dos problemas à significação ou transmissão dos signos no processo da comunicação. Enfoca a relação ordem-redundância e desordem-ruído, capaz de produzir a informação em si, que é organizadora-programadora de uma máquina cibernética.

O conceito de informação é tomado por Morin no âmbito físico, que surge no campo tecnológico e com preocupações práticas. Aproxima-se do âmbito originário de um sistema de comunicação em que a mensagem é transmitida a um receptor pelo emissor e, como tal, assume os diferentes canais responsáveis por tal comunicação. Tanto o emissor quanto o receptor são detentores de um repertório comum: os códigos e categorias utilizáveis. A transmissão da mensagem codificada é efetivada pelos signos ou sinais, capazes de decompor em unidades de informação ditos “bits” (binary digitals), que são definidos como “fato que põe um fim à incerteza de um receptor colocado diante de uma alternativa cujas duas saídas são para ele equiparáveis” (MORIN, 2003a, p.364).

Figura 6 – Representação do sistema de comunicação canal

EMISSOR --- RECEPTOR

código barulho código

Fonte: (Morin, 2003a, p. 364)

O processo de informação perpassa um canal. No caminho encontra o barulho, que é constituído por uma série de perturbações aleatórias que por si já atrapalham a eficácia da emissão da mensagem. A informação fica degradada, transformando a conversação em relação de barulho, de ruídos redundantes. Os elementos abstratos de representação invariáveis são isolados do seu contexto. Gera-se, assim, a consideração de um processo generativo da informação como processo de comunicação.

Para Morin (2003a), os domínios da comunicação e da informação são os que marcam ao mesmo tempo uma continuidade evidente e uma formidável troca entre o universo biológico e o universo antropossocial. Trata-se de um processo por ele denominado de

antropossocioinformacional em que as principais características versam sobre a inovação. Na

perspectiva antropossocial, a ligação dos domínios acontece pela via de elementos que interligam os focos biológicos e sociais na compreensão do ato informacional.

Acerca do desdobramento desse processo antropossocioinformacional existem cinco características que solidificam as bases e permitem o seu acontecimento a partir do campo antropossocial. A saber: 1) a formação do aparelho cerebral de hipercomplexidade inédita; 2) a dupla articulação da linguagem; 3) a estrutura social genofenomenal, a cultura; 4) o surgimento da aparelhagem do Estado; 5) e o desenvolvimento de aglomerações urbanas, onde o processo da comunicação informacional acontece sempre mais aleatória.

Não se trata apenas de um aparelho cerebral e hipercomplexo com suas capacidades lógicas, neurológicas, imaginativas ou oníricas; muito menos se trata de um supercomputador trabalhando as informações. Refere-se, sim, a “um aparelho cujas possibilidades generativas imaginárias e ideais são potencialmente universais (...) capaz de tudo produzir e reproduzir noologicamente e, com a ajuda das mãos, tecnologicamente” (p. 406); a linguagem é apresentada sob a égide do sistema da dupla articulação, constituído historicamente na vida fora do código genético que, juntamente com a cultura, delineiam um complexo gerador/regenerador da sua própria complexidade:

as aptidões do espírito humano e as possibilidades que a linguagem oferece permitem construir infinitamente edifícios noológicos bastante variados e complexos, narrativas, discursos, mitologias, teorias, ideologias (...)

A cultura constitui um complexo generativo informacional quase que procarionte, ou seja, não dispondo de nenhum nucleus institucional; ela se propagou em todos os cérebros dos membros da sociedade, sendo que seus arcanos, mais ou menos acumulados, estão concentrados em alguns (os antigos, o rei/chefe, o padre/feiticeiro) (MORIN, 2003a, p. 407).

O Estado apresenta-se nesse desdobramento como sendo elemento próprio da megassociedade histórica. Um processo transformador em relação às sociedades arcaicas. Tanto o aparelho do Estado quando os aparelhos dependentes apresentam perturbações mútuas que consequentemente permeiam as outras áreas do aspecto generacional da informação, tornando independente, portanto, uma nuvem de elementos culturais que são frutos das transformações e desenvolvimentos da sociedade histórica. A existência desses elementos faz perceber o crescimento desenvolto das aglomerações urbanas onde o jogo da comunicação informacional se efetua cada vez mais aleatória: “a evolução moderna comporta uma verdadeira arrebentação informacional: ela cria suportes e veículos cada vez mais variados, multiplica a informação de maneira quase ilimitada e instantânea por um custo de energia cada vez mais restrito” (Ibid., p. 408).

Tal processo corrobora a ideia de um processo de organização comunicacional. Surge a ideia de cibernética20, que aparece na metade do século XX para enfatizar um “novo tipo de máquina artificial e formular a teoria que corresponde à organização de natureza comunicacional própria a essas máquinas” (Ibid., p. 289). A cibernética aparece com o intuito de estudar as comunicações e os sistemas de controle dos organismos vivos e das máquinas em geral. Evoca a ideia de retroação, elemento causal, responsável pelo fato de que a causa atua sobre o efeito que, por sua vez, atua sobre a causa no universo das máquinas autônomas. “A cibernética pressupõe a existência de uma curva de retroação (feedback) que atua como um mecanismo amplificador (...) São retroações que podem ser inflacionárias ou estabilizadoras e estão presentes na vida, nos seus mais amplos e diversos aspectos” (PETRAGLIA, 2001b, p.27).

Segundo Morin (2003b), a cibernética encontra a sua importância no reconhecimento da sua originalidade. A originalidade da cibernética acontece a partir de duas atitudes: ao

20

A palavra cibernética vem do grego kybernetes, que significa piloto, condutor. O uso dessa palavra aponta para o reconhecimento de diversos significados, dentre os quais está: “teoria dos sistemas de controle baseados na transferência de informação; ciência da regulação; ciência dos mecanismos de causação circular e retroalimentação em sistemas biológicos e sociais; teoria dos atos intencionais baseados na experiência passada, na máquina e no ser vivo; teoria das máquinas; teoria das mensagens” (VASCONCELOS, 2012, p. 217).

conceber a comunicação em termos organizacionais e ao ligar comunicação e pedido informacional. A troca de sinais e a sua transmissão aponta para a ligação organizacional que constitui a comunicação que é econômica em energia e pródiga em competências: “Assegurando as inter-relações, as interações, as retroações por transmissão de sinais e signos, ela usa pouca energia; desenvolvendo a variedade e a precisão dos sinais, e multiplicando as suas intervenções, ela permite a construção de uma organização extremamente flexível, adaptável, atuante, oportunista” (p. 289).

Originada a partir da ideia de governo, a cibernética logo se afirma como teoria do comando dos sistemas comunicacionais. A informação comunicada é vista como programa, isto é, constituída de instruções ou ordens que acionam, inibem e coordenam as operações de máquinas específicas que tratam a informação, armazenando-a ou memorizando-a, realizando cálculos e operações lógicas. A partir desse processo, Morin designa pelo termo computação as operações que ultrapassam o cálculo propriamente dito. É responsabilidade do

“computador” a elaboração de estratégias condizentes com as circunstâncias variáveis, o

controle e a aplicação de programas, a tomada de decisões diante das situações problemáticas, percepção e aprendizagem. Mais que motores, que desenvolvem a potência energética, os computadores desenvolvem e se desenvolvem no âmbito da competência organizacional:

Assim, os computadores comandam máquinas a partir de suas competências informacionais, e a integração de um computador em uma máquina comportando motor constitui um autômato, um ser máquina, um automovido e, aparentemente, um autocomandado, governado, controlado. Pode-se perceber aqui a revolução que separa este autômato cibernético do autômato vaucansoniano. O antigo autômato era animado por um aparelho de relojoaria; o novo é animado por um aparelho informacional; o primeiro era regulado de uma vez por todas; o segundo é regulado por suas operações em função das circunstâncias (MORIN, 2003a, p. 290).