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2 REDUCIONISMO E VISÃO INTEGRAL NA HISTÓRIA DO MUNDO

3.3 AS DIMENSÕES DO SER HUMANO COMO CATEGORIAS DE

3.3.3 A noção de sujeito

A história nos reserva uma gama de concepções referente ao que denominamos de „sujeito‟. Em primeiro lugar, a palavra sujeito aponta para a ideia daquilo que subjaz e que, portanto, está na raiz da construção teórica e empírica das realidades; em segundo lugar, o sujeito aponta para o aspecto ativo do homo sapiens, sobressaindo-se o potencial transformador da realidade em que ele é o próprio artífice diante de objetos passivos; e, em terceiro lugar, aponta para uma dimensão complexa, na qual a existência de um sujeito subjaz à relação existente entre realidades que não apenas personifica o conceito como também aponta para a abertura interacional entre dimensões conexas e desconexas.

A noção de sujeito para Morin extrapola o estritamente epistemológico. Tenta superar a visão dicotômica de Descartes e abraça a visão complexa na qual o sujeito é uma construção de dimensões que apontam para diferentes caminhos sem perder o seu teor identitário. É a tentativa de denunciar uma tradição filosófica e científica que ora dissolve o sujeito, ora o persegue, ora o isola e raramente o alicerça no mundo da vida. A noção de sujeito em Morin tenta encontrar um meio termo entre os dois pontos que ele considera serem os elementos que denotam a forma em que a nossa mente está dividida: o olhar reflexivo ou compreensivo do mundo e o modo científico e determinista. O sujeito sempre está permeado por uma reflexão

sobre si e possibilita um conhecimento intersubjetivo, denominado de compreensão; por outro lado, tantas vezes o sujeito desparece diante do determinismo, do objetivismo e do reducionismo.

Segundo Morin (2003b) só é possível falar do sujeito a partir de uma base bio-lógica, isto é, “de uma lógica de auto-afirmação do indivíduo vivo, pela ocupação do centro do seu mundo, o que corresponde literalmente à noção de egocentrismo. Ser sujeito implica situar-se no centro do mundo para conhecer e agir” (p. 74). Nesse sentido, é proposta uma definição de sujeito que parte da base biológica e que precisa admitir uma diversidade de ideias que se relacionam em todos os campos, incluindo o científico.

São enfatizados, aqui, dois conceitos que, junto ao de auto-organização, tornam-se basilares à noção de sujeito: os conceitos de autonomia e de indivíduo. Na perspectiva biológica, esses conceitos destoam da ideia clássica de liberdade absoluta e emancipação plena. Autônoma é toda realidade que depende do meio que a compõe, seja ele biológico, cultural ou social. Trata-se de uma autonomia que só é possível em termos relacionais e relativos; indivíduo, no entanto, compõe tanto o conceito de espécie quanto o de indivíduo propriamente dito, pois compreende o que se pode chamar de duas noções antagônicas, porém, complementares na missão de dar de conta da mesma realidade (2001, p. 119). O indivíduo muda, mas a identidade do seu Eu permanece. A qualidade do sujeito ultrapassa as transformações do ser individual, apesar de partir da própria identidade individual.

O sujeito é egocêntrico, mas o egocentrismo não conduz somente ao egoísmo. A condição de sujeito comporta, ao mesmo tempo que o princípio de exclusão, um princípio de inclusão; este nos permite nos incluirmos numa comunidade, um Nós (casal, família, partido, Igreja) e incluir esse Nós no centro do mundo (...) Portanto, o egocentrismo do sujeito favorece não somente o egoísmo, mas também o altruísmo, pois somos capazes de dedicar o nosso Eu a um Nós e a um Tu. Vemos, conforme a fórmula de Hegel, “um Ego que é Nós e um Nós que Eu”. Quando o Eu domina, o Nós é recessivo. Quando o Nós domina, o Eu é recessivo (MORIN, 2003b, p. 75-76).

A definição do sujeito, portanto, abre-se à ideia de centralidade, que só pode ser pensada pela capacidade computacional do indivíduo. Trata-se da dimensão cognitiva que pensa a singularidade do indivíduo no universo a partir de si mesmo, por si mesmo e para si mesmo. “É um cômputo. O cômputo é o ato pelo qual o sujeito se constitui posicionando-se no centro de seu mundo para lidar com ele, considerá-lo, realizar nele todos os atos de preservação, proteção, defesa, etc.” (MORIN, 2001, p. 120).

Nessa perspectiva, o sujeito seria definido a partir de quatro princípios identitários: o

primeiro princípio se refere ao egocentrismo, no sentido de posicionar-se no centro de seu

mundo, comportando um princípio de distinção, de diferenciação e de reunificação. Pela identidade de si, opera-se a distinção de si e do mundo exterior, caracterizando uma real possibilidade subjetiva/objetiva entre o eu afirmado e a distinção entre exterior e interior; o

segundo princípio se refere à inseparabilidade entre o “Eu” que, uma vez identificado,

continua o mesmo apesar das modificações internas do “eu” (caráter, humor) e do “si mesmo” (mudanças físicas pela idade). O sujeito continua o mesmo, possibilitando a ideia de “permanência da auto-referência, apesar das transformações e através das transformações” (Ibid., p. 121); o terceiro princípio é o da exclusão que, por sua vez, está ligado ao quarto

princípio que é o de inclusão:

O princípio de exclusão pode assim ser enunciado: se pouco importa quem possa dizer “Eu”, ninguém pode dizê-lo em meu lugar. Portanto o “Eu” é único para cada um (...) Já o princípio de inclusão é, ao mesmo tempo, complementar e antagônico. Posso inscrever um “nós” em meu “Eu”, como eu posso incluir meu “Eu” em um nós: assim, posso introduzir, em minha subjetividade e minhas finalidades, os meus, meus parentes, meus filhos, minha família, minha pátria (...) Ou seja, temos todos, em nós, este duplo princípio que pode ser diferentemente modulado, distribuído; ou seja, o

sujeito oscila entre o egocentrismo absoluto e a devoção absoluta (Ibid., p.

122).

O indivíduo sujeito não se restringe ao egoísmo, mas se abre ao altruísmo. Tal constatação só é possível na sua condição existencial, que supera a concepção “egocentrada” do sujeito e a visão que o define, antes de tudo, na relação com o outro. Trata-se de uma consideração do duplo, em que simultaneamente coabitam a autoafirmação do “Eu” e da relação com o outro.

A identidade do sujeito pressupõe a aptidão em objetivar-se: ver-se como objeto (Ego) sem deixar de ser sujeito (Eu). No exercício dessa aptidão, o indivíduo humano toma consciência de si, objetivando-se no seu duplo, pois cada sujeito humano carrega o paradoxo de ser considerado ao mesmo tempo sujeito e objeto e objetivar o outro enquanto o reconhece como sujeito (MORIN, 2003b, p. 80). Emerge desse processo a consciência das relações intersubjetivas, em que a explicação e a compreensão da própria realidade se tornam fundamentais no conhecimento do que é propriamente humano, individual, interindividual e social. Todo sujeito é, ao mesmo tempo, ator a autor, detentor da potencialidade de cognição/escolha/decisão.

O sujeito, portanto, não é uma essência ou substância, mas também não é uma ilusão. A noção de sujeito depende de uma reorganização conceitual que perpassa as concepções isoladas do determinismo clássico, do condicionamento psicológico e do cognitivismo filosófico. Urge a concepção complexa do sujeito:

egocentrismo, altruísmo, objetivação, subjetivação, tudo isso cresce ou decresce dialogicamente, com grandes diferenças conforme as épocas, as culturas, os indivíduos (...) O sujeito humano é complexo por natureza e por

definição. Sujeito engraçado, portanto, pois, ao mesmo tempo, apresenta-se como singular e comum, comunicador e incomunicável. Além disso, precisamos incorporá-lo à trindade humana, situá-lo na cultura, numa história... (MORIN, 2003b, p. 81).

3.4 INTEGRALIDADE, AUTOTRANSCENDÊNCIA E EDUCAÇÃO: A BUSCA DO