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2 REDUCIONISMO E VISÃO INTEGRAL NA HISTÓRIA DO MUNDO

3.2 O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE: A MULTIDIMENSIONALIDADE DO

3.2.3 O uno e o múltiplo: caminhos de uma epistemologia complexa

3.2.3.2 A teoria dos sistemas

A teoria dos sistemas está entrelaçada à cibernética. Ambas tiveram um desenvolvimento paralelo no decorrer do século XX. Ludwig von Bertalanffy – biólogo austríaco considerado autor da Teoria Geral dos Sistemas e um dos teóricos pioneiros dos sistemas – distingue duas tendências que estão na base do estudo da “ciência dos sistemas”: a mecanicista e a organicista. De imediato há a tendência em associar o organicismo aos sistemas biológicos, da natureza viva e o mecanicismo com a descrição da natureza inanimada, o que acarretaria necessariamente a compartimentação entre os níveis orgânicos e

suborgânicos da natureza. O organicismo por Bertalanffy concebido refere-se à sua Teoria Geral dos Sistemas e o mecanicismo está ligado à teoria cibernética, do matemático americano Norbert Wiener.

A cibernética surgiu não com uma preocupação de descrição de natureza inanimada, mas sim como uma proposta de construção de sistemas que reproduzissem os mecanismos de funcionamento dos sistemas vivos, ou seja, com a proposta de construção dos chamados autômatos simuladores de vida ou máquinas cibernéticas (VASCONCELOS, 2012, p. 186)

Tanto a cibernética quanto a teoria dos sistemas transcendem os limites disciplinares. Ao projetar sistemas artificiais (máquinas simuladoras de vida), passam pela compreensão dos sistemas naturais, dedicando-se ao estudo do governo e comunicação no animal e na máquina. O quadro a seguir apresenta dois momentos: O primeiro, em que a teoria, mesmo sendo sistêmica, permaneceu atrelada ao paradigma tradicional de ciência; o segundo, por sua vez, que apresenta o surgimento de uma teoria nova e paradigmática.

Figura 7 – Referência para as teorias sistêmicas

Vertente dos seres vivos Vertente das máquinas

(organicista) (mecanicista)

Fonte: (VASCONCELOS, 2012, p. 189).

A partir dessas considerações, sistema é visto como um complexo de elementos em interação, componentes em estado de interação. A partir desta interação as partes do todo tornam-se interdependentes, tornando-se de tal forma relacionadas com as demais. A compreensão das partes requer levar em consideração as relações que lhe são inerentes. São essas relações que conferem ao sistema o status de totalidade ou globalidade.

O sistema é a integração de um todo em que as suas propriedades não podem ser reduzidas às propriedades das partes, e as propriedades sistêmicas são Paradigma

Tradicional

Novo Paradigma

Teoria Geral dos Sistemas Teoria Cibernética

Teoria da Autopoiese

Biologia do Conhecer

Cibernética da Cibernética

Construtivismo e Si-Cibernética

destruídas quando o sistema é dissecado. As características do todo tendem a se manter, mesmo que haja substituição de membros individuais. Os componentes não são insubstituíveis (...) as unidades individuais ou membros do sistema existem em relações e o sistema impõe coerções sobre o comportamento das partes: os graus de liberdade para o comportamento de cada elemento são restringidos pelo fato de ele integrar um sistema. Assim, um elemento não exibe todas as suas características em todos os sistemas de que possa fazer parte e, então, nesse sentido, costuma-se dizer que o todo é

menos do que a soma das partes (VASCONCELOS, 2012, p. 200).

Na sua obra Introdução ao pensamento complexo (2003a), Morin considera a teoria sistêmica a partir de três direções por ele ditas contraditórias: a fecundidade sistêmica, detentora de um princípio de complexidade; o sistemismo vago e insípido, fundamentado na repetição de alguma verdades holísticas inoperantes; a sistem analysis, correspondente sistêmico da engineering cibernética, capaz de se transformar em operações redutoras.

A partir disso, percebe-se que a virtude sistêmica consiste em três atitudes consequentes fundamentais: ter como centralidade uma unidade complexa ao invés de uma unidade elementar; ter concebido a noção de sistema como uma noção ambígua; ter se situado no plano da transdisciplinaridade, concebendo a ciência nos seus componentes de unidade e diferenciação (MORIN, 2003d, p. 29-30).

A teoria dos sistemas, apesar de colaborar na compreensão do estudo da complexidade, não cria as suas próprias bases e cai no reducionismo simplificador e mutilante que ora se condena. Morin se opõe à ideia de teoria geral ou específica dos sistemas e introduz a ideia de um paradigma sistêmico, que deveria estar presente em todas as teorias. Esse novo paradigma evoca o pensamento de Pascal, assim transliterado por Morin: “considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes” (2005, p. 259). Mais o que isolar a parte do todo ou o todo da parte, o intuito não é explicar um pelo outro, mas inaugurar um tipo superior de inteligibilidade, em que o todo e parte, mesmo nos seus antagonismos e diferenças, tornam-se complementares.

O sistema deixa o seu status de teoria para ser expressão paradigmática de uma nova inteligibilidade: a unitas multiplex. Nesta, o todo e a parte não se excluem e não precisam ser enfatizados na sua elementar identidade ou na sua absoluta totalidade. No todo está a identidade comum e a identidade própria das partes, considerando o antagonismo e a diversidade como elementos de constituição da organização sistêmica. Nesta relação acontece a integração do circuito ativo em que a diversidade organiza a unidade que, por sua vez, organiza a diversidade. O caráter complexo das relações todo/parte, uno/diverso pode ser assim apresentado:

O todo é mais do que a soma das partes (princípio bem explícito e, aliás,

intuitivamente reconhecido em todos os níveis macroscópicos), visto que em seu nível surgem não só uma macrounidade, mas também emergências, que são qualidades/propriedades novas.

O todo é menos do que a soma das partes (porque elas, sob o efeito das

coações resultantes da organização do todo, perdem ou veem inibirem-se algumas das suas qualidades ou propriedades).

O todo é mais do que o todo, porque o todo enquanto todo retroage sobre as

partes, que, por sua vez, retroagem sobre o todo (por outras palavras, o todo é mais do que uma realidade global, é um dinamismo organizacional (Ibid., p. 261).

A ideia é tomar o conceito de sistema como elemento não totalitário e não hierárquico do todo. O paradigma sistêmico que inaugura a complexidade quer superar o paradigma da simplificação. Trata-se de um olhar relacional na trilogia sistema/organização/interações, em que as relações todo-partes são compreendidas não no seu elemento identitário individual, mas nas ações entre unidades complexas, que são constituídas de interações. Forma-se, assim, um macroconceito na relação sistema/interação/organização. O sistema, explicita o caráter fenomenal do todo e a unidade complexa das relações todo-partes; a interação, explicita as relações no seu conjunto, ações e retroações tecidas num sistema; a organização, por fim, explicita o âmbito constitutivo dessa interações e que aponta para a ideia de sistema na sua constituição basilar (Ibid., p. 265).