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4.2 O HUPAA: situação atual

4.2.1 Características estruturais e dispositivos de coordenação

4.2.1.3 Formalização

4.2.1.3.1 Missão, crenças e valores organizacionais

A missão do HUPAA encontra-se oficialmente divulgada em documentos internos, banners e murais da organização: “Somos um hospital universitário que se propõe a formar profissionais em saúde, num contexto acadêmico de ensino, produção do conhecimento e

assistência, com ênfase em excelência, humanização e compromisso social” (HUPAA, 2006a, p.2). Entende-se então que o objetivo principal desse hospital é a formação de pessoas, apoiada em atividades de ensino, pesquisa e assistência.

À primeira vista, tomando por base apenas a divulgação formal da missão na organização, pode-se imaginar que a mesma esteja suficientemente esclarecida. Entretanto, os dados coletados revelaram alguns aspectos de grande relevância.

Primeiramente: a percepção sobre qual é o pilar principal da missão do HUPAA é diferente entre os setores e os agentes; para alguns o hospital existe em primeiro lugar para a assistência, enquanto outros julgam que ele existe para o ensino; para a maioria, no entanto, é uniforme a percepção de que a pesquisa ainda é uma atividade a se firmar:

“Primeiro que tudo a missão do hospital é salvar vidas, gerar vidas, manter vidas” (“D”).

“A razão de existir do hospital é a assistência ao paciente [...]” (“Q”).

“[...] porque ele (o HUPAA) tem uma função: ele é formação de estudantes de várias áreas, mas principalmente a missão dele é o paciente, o usuário, sem ele não há como formar ninguém, é condição sine qua non; então para mim ele é prioridade; a formação fica em segundo lugar porque ela depende totalmente de ter paciente aqui dentro para que ela exista, para que nós existamos, para que o professor esteja aqui, para que o estudante venha” (“F”).

“[...] esse hospital tem uma coisa fundamental: primeiro ele é um hospital que ensina; e essa parte do ensino é importantíssima. Além disso, a gente tem uma parte assistencial muito grande. Se o hospital pára de funcionar, uma série de procedimentos que só se faz aqui vai deixar de ser feita no Estado. E, além disso, o hospital tem como obrigação fazer pesquisa” [...] (“K”).

“Aqui é um hospital de ensino, então o nosso primeiro e grande foco é o ensino; agora o ensino não existe sozinho; então, ele é um hospital de ensino que está ligado à assistência” (“A”).

“Esse hospital tem duas finalidades básicas: uma é o atendimento à população carente, já que é um hospital que atende gratuitamente; segunda é o ensino. As coisas são misturadas, mas o ensino não pode vir antes do atendimento” (“M”).

Não se pode afirmar que essa diversidade quanto ao entendimento da missão necessariamente decorre do lugar que o agente ocupa na estrutura ou do tipo de atividade que

desenvolve na organização, visto que, por exemplo, há técnico-administrativos que entendem que a assistência é a principal missão, enquanto para outros é o ensino, ainda que desenvolvam atividades semelhantes e estejam no mesmo nível hierárquico. Apenas entre os docentes entrevistados percebeu-se o consenso de que o ensino é o principal pilar da missão do HUPAA.

Em segundo: há um discurso formal de que esses três eixos caminham juntos — ensino, assistência e pesquisa. No entanto, as observações mostraram que no cotidiano há resistência de vários setores e agentes em efetivamente realizar o ensino, a pesquisa e a assistência juntos. A atividade de ensino ainda é vista por alguns, em especial por um parcela dos técnico-administrativos, como trabalhosa; e o estudante, como alguém que atrapalha o andamento das atividades nos setores. As atividades de pesquisa ainda sofrem várias limitações, a começar pelos prontuários — principal fonte de dados para as pesquisas na área da saúde —, que não estão sendo preenchidos adequadamente. Ora, denunciam-se então tensões permanentes entre os objetivos de ensino, os de pesquisa e os assistenciais que compõem a missão do HUPAA.

Ainda no que se refere ao ensino, há necessidade de aproximação do HUPAA com a UFAL no que diz respeito ao acompanhamento dos alunos:

“Você não vê uma reunião com os coordenadores de curso dentro do hospital para saber se efetivamente os propósitos estão sendo atendidos [...]” (“L”).

“Há a comunicação com as Faculdades de Medicina e Enfermagem, mas com as outras, Farmácia, Psicologia, Odontologia, a gente ainda está distante, a gente precisa se agrupar a eles” (“A”).

“A maior função do HU é ensinar, que deixa muito a desejar, porque eu vejo que os estudantes estão muito soltos [...]” (“B”).

E mais, encontraram-se relatos que definem a missão do hospital como sendo o atendimento aos necessitados, àqueles de baixa renda; e como tal, seria também obrigação do

HUPAA dar um retorno a essa parcela da população do Estado, cumprindo então sua função social.

Ainda sobre esse tópico, evidenciou-se que, independentemente de qual seja a compreensão acerca do pilares da missão do HUPAA, os dados mostram que ela ainda não vem sendo cumprida a contento:

“[...] de modo geral, os funcionários até têm uma noção da missão, mas se isso está sendo realizado, se está sendo cumprida, como estamos colaborando nisso, eu acredito que não haja esta clareza” (“Y”).

“Não vejo que os funcionários tenham em mente a missão do hospital quando realizam suas tarefas diárias. Percebo que o pouco do que faz em direção a ela faz parte do costume e não de uma ação deliberada. E não acho que está sendo alcançada a contento” (“C”).

“A grande maioria de nós, digo os diversos profissionais que trabalham no hospital, vem aqui, atendem um determinado número de pessoas com um único fim: vim, fiz minha obrigação e me mandei; ele não vai mais além daquilo que seria aquela missão do hospital, que é minimizar, dentro do possível, as dores não só físicas do paciente. Eu acho que a gente faz muito pouco e nós estamos pouco percebendo isso aí: a verdadeira missão do HU” (“O”).

Em suma, as três forças — ensino, pesquisa, assistência — que, à primeira vista, seriam por certo complementares, no cotidiano do HUPAA têm sido fonte de conflitos e problemas, uma vez que despertam nos múltiplos agentes do hospital interesses diferentes, os quais desdobram-se em formas peculiares de articularem-se, de aderir a normas, rotinas e protocolos, de partilhar valores organizacionais.

Apesar disso, pode ser que o atrito entre os pilares da missão do Hospital Universitário seja o esperado, tendo em vista seu caráter multiprofissional, não sendo isso algo necessariamente ruim, mas inerente ao cotidiano desse tipo de organização.

Antes de iniciar a apresentação dos dados empíricos referentes às crenças e valores organizacionais do HUPAA, faz-se necessária uma breve compreensão do significado desses termos. Segundo Alves (1997), “crença” é a compreensão que damos como certa e que serve de base para o nosso entendimento das coisas; “é um assentimento a um juízo produzido sob a

influência de alguém ou de algo em que confiamos; está relacionada com as perspectivas que temos sobre os outros, sobre o ambiente e sobre a vida” (p. 10).

Para o mesmo autor, “valores” são as noções compartilhadas que as pessoas têm do que é importante e acessível para o grupo a que pertencem; atuam como padrões quanto à forma de sentir e de agir, e como roteiros ou critérios para a escolha de objetivos ou soluções alternativas, em uma circunstância qualquer.

A coleta de dados permitiu captar que formalmente existem algumas crenças e valores compartilhados na organização e que podem ser entendidos como dispositivos de integração e de controle, para indicar e/ou corrigir as formas de atuação dos agentes na organização. São estes: envolvimento e comprometimento com a organização e com o paciente, lealdade à organização, dedicação à organização e ao paciente, responsabilidade para com o trabalho e com o atendimento ao paciente, orgulho pela credibilidade alcançada pelo hospital junto à comunidade.

Além desses, existe um outro conjunto de valores não tão nobres, mas que estão presentes no dia-a-dia do hospital e que também parecem ser compartilhados pela organização. Vários foram os relatos onde eles emergiram; contudo, a responsabilidade pela construção ou manutenção desses valores é repassada pelos agentes a ‘outros’. Os depoimentos a seguir exemplificam a que estamos nos referindo:

“O que está norteando esta gestão hoje é lealdade em parte, competição e vaidade extrema. Eu tenho que mostrar a alguém que eu posso fazer, que eu fiz. Outro não fez, mas eu fiz, esse é o valor mais forte. E eu não me identifico com isso” (“X”).

“O descompromisso das pessoas: tem gente que só quer o salário no fim do mês e pronto, não se envolve com o hospital, e é muita gente assim” (“T”); “O valor agora: a questão do recurso, não é mais fácil como antigamente quando vinha mais recurso para pesquisa e ensino, agora o hospital tem que se manter por si, tem que se preocupar com os custos. Mas aí ele não se volta para isso pensando na qualidade” (“Z”).

“[...] vejo que o hospital tem tomado um rumo político, a coisa está assim a política entrou em tudo que a gente sabe, e isto aqui não é uma instituição política” (“U”).

“Mas tem gente que usa isso aqui como política, usa para o lado financeiro próprio, existe, não vou dizer, mas existe” (“R”).

“É muito frustrante quando eu vejo os meus alunos com jalecos de outros lugares; parece até que eu não consegui passar nada para eles do meu amor pela universidade, pelo hospital, tem que valorizar a Universidade que nos formou, que nos deu a oportunidade de ser o que somos” (“I”).

“Eu percebo muito aqui dentro é a vaidade [...]” (“J”).

Tem-se novamente a impressão de haver diferentes cenários: valores formais proclamados e seguidos, ao lado de outros não formalmente definidos, mas também arraigados.

Apesar de haver uma missão formalmente definida, a sua legitimação por meio da disseminação de crenças e valores tem se mostrado ainda carente. Valores como humanização, compromisso, integração, abertura, participação, sentimento de pertencimento, parece-nos que ainda não alcançaram um patamar de homogeneidade, de disseminação por toda a organização. Enquanto isso, descompromisso, corporavitismo e dessincronia aprecem, permeando os comportamentos dos agentes e a estrutura do hospital, parecendo fazer sentido a alguns grupos.