• Nenhum resultado encontrado

D A NECESSIDADE DE UMA TEORIA

No documento Narração oral: uma arte performativa (páginas 49-51)

A representação do estado da arte da narração oral enquanto prática contemporânea e urbana no contexto destes movimentos artísticos encontra limitações óbvias, que ainda assim devem ficar registadas. Em primeiro lugar, e no que diz respeito à produção académica, a ausência de uma tradição e a heterogeneidade disciplinar não permite uma mobilidade de conteúdos através de redes de investigação e de publicações especializadas. Em segundo lugar, a diversidade geográfica do fenómeno, atestada na literatura sobre o tema, se configura uma heterogeneidade de contextos e, muito importante neste caso, de redes de informação e de divulgação editorial, dificulta o conhecimento e o acesso a determinados títulos. Finalmente, eque não menos importante, as condicionantes linguísticas circunscrevem de forma significativa o território desta pesquisa.

De qualquer forma, é evidente a escassez de produção teórica, assim como uma certa indefinição do campo de estudo. A diversidade disciplinar desta bibliografia não significa necessariamente uma transdisciplinaridade, mas antes, como se verifica no conjunto de exemplos referidos, uma ausência de filiação comum, uma carência de

17 http://www.petecastle.co.uk/fandf/enter.htm(acedido a 15 de março de 2016). 18 http://www.sfs.org.uk/storylines(acedido a 15 de março de 2016).

19 http://www.lagrandeoreille.com/(acedido a 15 de março de 2016).

20 http://tantagora.net/category/4-edicio/revistes/(acedido a 15 de março de 2016).

edifício teórico, de espaço no seio da academia, de conceitos e metodologias específicas. Com efeito, o estudo da narração oral enquanto prática artística contemporânea encontra ainda um espaço marginal, uma orfandade que lhe permite ser acolhida ora sob o abrigo dos estudos da tradição oral, ora da teoria da literatura, ora da sociologia e da antropologia, e nunca no enquadramento da artes performativas.

Por outro lado, a reflexão existente é, como se pode constatar, normalmente limitada a um território conciso, salientando-se por isso as especificidades dos seus contextos, práticas e agentes. Estas limitações geográficas dos objetos de estudo, associadas à diversidade do fenómeno, à ausência de uma linguagem crítica comum e, finalmente, à diversidade linguística, dificultam a transposição dos conceitos e modelos de análise propostos nas diversas abordagens.

De notar, ainda, é o facto de grande parte desta teoria ser produzida por praticantes, o que não configura, do ponto de vista deste estudo, um problema, mas reflete a situação de marginalidade destas práticas. Com raríssimas exceções, como as de Anne-Sophie Haeringer (2011), o interesse académico pela narração oral não consegue ainda ultrapassar os círculos dos seus praticantes e entusiastas.

Neste sentido, este estudo reconhece a urgência de uma teoria inclusiva que permita apreender a diversidade do fenómeno e conceitos que possibilitem a comunicação entre essas realidades distintas. Com efeito, esta tem sido uma das questões essenciais na reflexão sobre o tema. Na introdução de Who Says? Essays on Pivotal

Issues in Contemporary Storytelling, afirmam as autoras:

One of the most pivotal issues in storytelling today is how to respect different models in developing a critical language for approaching and assessing contemporary story occasions with widely diverse audiences, tellers, and types of material (BIRCH e HECKLER 1996: 9).

Já no século XXI, em que estas práticas proliferaram de forma visível um pouco por toda a parte, também Marina Sanfilippo reconhece a escassez de trabalhos teóricos sobre o tema, bem como a necessidade de socorrer-se de diversas disciplinas:

a largo de mi investigación me serviré de los recursos que ofrecen la crítica literaria (en su doble vertiente narrativa y dramática), la lingüística, la teoría de la comunicación y la retórica, el folclore y la etnología, la sociología, etc., para intentar así delimitar un objeto de estudio como la narración oral artística o literaria, al que escasos estudiosos se han acercado (Sanfilippo 2007: 16).

Patrick Ryan, por sua vez, reconhece esta escassez e aponta algumas das suas razões:

The lack of a workable, critical language in contemporary storytelling arises partly because in the past cultural critics ignored storytelling, or took it and its meaning for granted. No language was established to quantify and qualify its development, neither was its history consistently considered or portrayed. Perhaps this was because of its ubiquitous nature, or because rare reports mostly describe it as the activity of women, children, and the elderly: being an activity of the marginalized, storytelling was considered unworthy of serious study (Ryan 2003: 1).

Nesta citação, Ryan reconhece dois obstáculos fundamentais à legitimação das práticas de narração oral, não apenas enquanto disciplina artística, mas também enquanto objeto de estudo. Como se referiu ao tratar-se dos problemas de definição, e como se verá de forma mais exaustiva a propósito do desenvolvimento, especialização e profissionalização das práticas de narração oral, a ubiquidade do ato de contar histórias releva-o para a esfera do quotidiano e apresenta-o enquanto prática não especializada. Por outro lado, as representações produzidas por uma cultura urbana e alfabetizada, em parte herdadas dos discursos românticos, ao conservar preconceitos relativos aos meios e agentes do fenómeno de transmissão oral de patrimónios, narrativos ou não, dificultaram a sua legitimação enquanto objeto de estudo (Bauman 1986: 1-2, Finnegan 1992: 1). Estes preconceitos contaminam de igual modo as representações das práticas contemporâneas de narração oral.

Neste sentido, e independentemente das suas possíveis causas, a escassez teórica sobre as práticas contemporâneas de narração oral torna essencial a construção de um edifício teórico, com modelos de análise e uma linguagem específica capaz de abarcar a sua diversidade de contextos, agentes e modos de fazer.

No documento Narração oral: uma arte performativa (páginas 49-51)