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A negociação é um mecanismo intrínseco ao homem, faz parte do seu quotidiano e é utilizado no seu dia-a-dia. Assim, partindo da premissa de que “todos somos negociadores”286, a negociação

surge primeiramente nas décadas de cinquenta e sessenta para resolver os conflitos internacionais entre Estados. Nesta época, as universidades norte-americanas vêem-se obrigadas a implementar os seus métodos negociais com o objetivo de solucionar e apaziguar a situação tensa que se vivia entre os EUA e a URSS287. Desses métodos surge a primeira teoria, na Universidade de Harvard, através do

programa de investigação “Program on Negotiation on Harvard Law Schoool”288, sobre o incremento de

procedimentos e técnicas que fossem capazes de superar certos conflitos, nascendo assim a Negociação289.

Dessa teoria, foram criadas regras basilares para o uso da negociação e surgiram dois modelos de negociação – a competitiva e a cooperativa290.

285 CRUZ, Rossana Martingo, Mediação Familiar – Limites Materiais dos Acordos e o seu Controlo pelas Autoridades, ob. cit., p. 24, nota de rodapé 26: “Além destes modelos principais existem variações e ramificações destes, como:

Mini Trial (Mini Julgamento): trata-se de uma simulação de uma sessão do Tribunal. Os advogados de cada parte apresentam os seus argumentos a um painel composto pelas partes e por uma entidade neutra que avalia os méritos da questão. Não decorre deste procedimento nenhuma decisão vinculativa, contudo auxilia as partes a adquirirem uma perceção mais realista da contenda, o que leva muitas vezes à obtenção de um acordo. Se ao invés de um terceiro neutro, o caso for apresentado perante um júri simulado, este mini-julgamento passa a denominar-se Summary Jury Trial.

Early Neutral Evaluation (Avaliação prévia independente): é um processo em que um profissional neutro face á disputa (geralmente é um advogado), ouve os pontos essenciais de cada parte e emite uma opinião não vinculativa sobre o mérito da questão. Essa opinião tem como propósito testar a credibilidade das provas e prever o resultado em tribunal. Acaba, frequentemente, por impulsionar um acordo ou negociação.

Med- arb (Mediação – arbitragem): é uma combinação entre dois processos, mediação e arbitragem. As partes acordam em submeter o seu litígio a um mediador e nos pontos em que não chegam a acordo aceitam que o mediador atue como árbitro e imponha uma decisão quanto aos pontos não consensuais. Em alguns casos podem, o mediador e o árbitro, ser pessoas distintas.

Ombudsman (Provedor): esta figura surgiu nos países nórdicos e trata-se de um terceiro independente que habitualmente trata das queixas apresentadas contra a Administração Pública. No entanto, esta entidade existe noutros domínios. Investiga e torna públicas as suas recomendações.

Expert determination (Peritagem): as partes nomeiam um perito que aprecia os factos e pode emitir uma simples avaliação ou uma decisão vinculativa. Cort Annexed Arbitration: instituição especial em que qualquer das partes pode, sem que a contraparte concorde, pedir que o processo constante nos tribunais comuns seja submetido à arbitragem de um advogado nomeado pelo juiz.

Neutral Listener: as partes nomeiam alguém de confiança e com mérito reconhecido e transmitem-lhe a sua proposta. Este terceiro neutro analisa as propostas e avalia se estas são suficientemente próximas que justifiquem a realização de negociação.

Estas são apenas algumas das modalidades existentes. A este propósito cfr. BROWN, HENRY e MARRIOT, ARTHUR, ADR Principles and Practice, London, Sweet and Maxwell, 2005; CARRASCO, MARTA BLANCO, Mediación y Sistemas de Resolución de Conflictos. Una visión jurídica, Madrid Edtorial Reus, 2009, págs. 13 e segs; WILDE, ZULEMA D. e GAIBROIS, LUIS M., O que é a Mediação, Lisboa, Agora Publicações, 2003, págs. 21 e segs; D’EPINAY, PIERRE LALIVE, Les modes non judiciaires de règlement dês conflicts, Bruxelles, Bruylant, 1995, págs. 98 e segs.”

286 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2012, 2.ª Edição, p. 35. 287 União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

288 Fundado em 1983, com o objetivo de desenvolver a teoria e a prática da negociação é hoje em dia um verdadeiro instituto de formação e investigação dedicado aos meios de resolução alternativa de litígios, essencialmente à mediação e à negociação. Vide www.pon.harvard.edu.

289 VEZZULLA, Juan, Escola e lei: a mediação de conflitos, 1.ª Edição, Lisboa, Agora Publicações, 2006, p. 71. 290 JESUÍNO, Jorge, A Negociação, 3.ª Edição, Texto Editora, 2003, p. 15.

No modelo competitivo, o objetivo é o negociador ganhar a discussão, focando-se na manipulação e no ganho, em vez de procurar situações aceitáveis para ambas as partes. Aqui visa-se que o adversário ceda ás pressões da parte contrária291.

Já o cooperativo – conhecido como a negociação de princípios – visa a resolução do problema, “evitando um processo de discussão centrado no que ambos pretendem e não pretendem fazer”292.

Para Fisher, Ury e Patton – fomentadores e profissionais da escola de negociação de Harvard e defensores da negociação de princípios – para se poder usufruir deste método, antes demais há que separar as pessoas do problema. É necessário ter consciência de que o problema em discussão é diferente da pessoa que o discute. Estes Autores defendem que os aspetos pessoais não devem ser mais importantes que o assunto sobre o qual se negoceia. Para além disto, o negociador deve ainda ter a capacidade de olhar a situação sob o ponto de vista alheio, ou seja, colocar-se na pele do outro293.

Para Mariana França Gouveia o importante é perceber que a verdade – verdade das partes – não é suficiente para resolver o conflito, tendo em conta que as partes escolhem da verdade aquilo que lhes interessa e convém294.

A par disto, a comunicação também se revela fulcral, já que sem ela não há lugar à negociação. O ouvir, tentar fazer-se perceber, não interpretar o que os outros dizem, ser objetivo e não preconceituoso, falar com um propósito são tudo aspetos que facilitam a comunicação e que devem ser utilizados para tal, segundo o modelo defendido pelos três Autores295.

Após a separação das pessoas do problema está a focagem nos interesses em detrimento das posições – que foi, sem sombra de dúvidas, a maior inovação do modelo da negociação de princípios. Contudo, esta procura dos interesses por detrás das posições nem sempre é fácil já que implica colocar questões e obriga as partes a falarem dos seus interesses. Após se descortinarem os interesses das partes pede-se flexibilidade das mesmas quanto às suas posições296 e criatividade na

criação de opções de solução297. Quantas mais opções houver mais se demonstra o interesse nas

291 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2012, 2.ª Edição, p. 35.

292 FISHER, Roger, URY, William, PATTON, Bruce, Como Conduzir uma Negociação? Tradução de Maria João Goucha, Edições Asa, 2003, p. 16. 293Idem, ibidem, pp. 30 – 42.

294 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2012, 2.ª Edição, p. 37. 295Idem, ibidem, p. 38.

296 JESUÍNO, Jorge, A Negociação, 3.ª Edição, Texto Editora, 2003, p.61.

partes em ceder e também mais são as hipóteses de se obter um acordo satisfatório para ambas as partes298.

Por último, Fisher, Ury e Patton defendem a insistência na utilização de critérios objetivos. Para

estes estudiosos ainda tínhamos como último recurso o MAPAN – Melhor Alternativa para um Acordo

Negociado299.

Vezzulla critica este método, pois, ao se atender apenas a critérios objetivos, ou seja, a conflitos que envolvam situações concretas, estaríamos a descurar os subjetivos ou seja todos os conflitos ligados às emoções e aos relacionamentos300.

Contudo, em resposta a esta crítica, penso que, o que se trata aqui, não será tanto uma despreocupação pelos conflitos subjetivos, mas sim a dificuldade inerente em descortiná-los em consequência da relutância das partes em demonstrá-los, acabando estas por partir para a negociação apenas com os conflitos objetivos evidenciados de forma a ser mais justo para todos e a melhor forma de ultrapassar os impasses baseados numa postura agressiva ou defensiva das partes.

Como diz Mariana França Gouveia, a tendência atual será aplicar uma negociação que concilie estes dois modelos, de forma a haver uma “dupla tendência à colaboração e à competição, consoante o aspeto em discussão no processo negocial”301,302.

De um modo geral, a negociação é – ou pelo menos deveria ser – a primeira técnica a ser utilizada quando surge um conflito, visto que se trata de um diálogo direto entre as partes, onde ambas expressam o seu ponto de vista com vista a chegarem a um acordo que vá de encontro às pretensões não de uma nem de outra, mas às pretensões mútuas criadas ao longo do diálogo.

Especificamente “falando”, a negociação é um processo de resolução de pleitos caracterizado por um desenrolar de contactos tendentes a modificar as exigências ou pretensões iniciais das partes até se alcançar uma solução de compromisso aceitável para ambas303.

298 JESUÍNO, Jorge, A Negociação, 3.ª Edição, Texto Editora, 2003, p. 61.

299 FISHER, Roger, URY, William, PATTON, Bruce, Como Conduzir uma Negociação? Tradução de Maria João Goucha, Edições Asa, 2003, p. 152. 300 CRUZ, Rossana Martingo, Mediação Familiar – Limites Materiais dos Acordos e o seu Controlo pelas Autoridades, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2011, p. 27.

301 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2012, 2.ª Edição, p. 40. Vide também neste sentido CUNHA, Pedro, Conflito e Negociação, 2001, p. 85.

302 Vide também o modelo de observação proposto por SOUSA, José Vasconcelos, Para Maior Eficácia como Mediador: Conhecer a Negociação!, 2006, p. 197 e ss. Influenciado pelo modelo cooperativo o autor propõe a preparação, análise e execução do processo negocial com base em três elementos ou pontos de vista: conteúdo, pessoas e processo.

Na negociação não há a intervenção de um terceiro imparcial a auxiliar na resolução da disputa. Só as partes, que podem intervir diretamente ou sob representação dos seus advogados, que em nada se assemelham a um mediador ou conciliador pois agem - apenas e só - de acordo com os interesses do seu cliente, sem prejuízo de servirem também para auxiliar as partes na busca de um consenso. Já na conciliação e na mediação aparece um terceiro imparcial.

De acordo com Mariana França Gouveia, há quem defenda, por esta razão, que a negociação não deveria ser autonomizada como um meio de resolução alternativa de litígios, enquadrando-o antes como uma componente de um qualquer destes outros meios de resolução já que a mesma se encontra “presente em todos os que não terminam por uma decisão de tipo jurisdicional proveniente de um tribunal estadual ou de um tribunal arbitral”304. Por sua vez, é de entendimento geral que o

conhecimento, estudo e entendimento das técnicas e estilos da negociação são fulcrais para qualquer profissional da área305.

A negociação é entendida como um processo colaborativo, voluntário – desde a sua participação até à aceitação do acordo – e informal no sentido em que as partes comunicam, sem influências externas, de modo a alcançarem um resultado satisfatório para ambas. Este método é amplamente utilizado em áreas muito distintas, como processos judiciais, divórcios ou situações de reféns306.

Quanto à organização, as técnicas de negociação podem ser distributivas ou integrativas307.

Na negociação distributiva, o conflito é abordado pelos dois, de maneira a maximizar a satisfação de ambos. Um excelente exemplo pode ser um divórcio em que as partes têm de se sentar para dividir os bens que possuem, não querendo nenhum deles ficar a perder308.

Quanto à negociação integrativa, o problema pode ter mais soluções do que as aparentemente possíveis ou visíveis. Aqui os interesses das partes são postos em cima da mesa, com o objetivo de maximizar o valor em disputa e tentar-se obter a maior parcela desse valor por cada uma das partes

304 GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2.ª Edição, 2012, p. 36. 305 BROWN, Henry e MARRIOT, Arthur, ADR Principles and Practice, 1999, p. 104.

306 GOUVEIA, Mariana França, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2.ª Edição, 2012, pp. 41 e 42.

307 CARNEIRO, Davide, NOVAIS, Paulo, NEVES, José, Conflict Resolution and its Context, From the Analysis of Behavioural Patterns to Efficient Decision- Making, Springer, 2014, pp. 22-23.

em conflito. Esta abordagem é sobretudo utilizada nos casos em que as partes têm entre si uma relação de continuidade, trazendo-lhes mais-valias no futuro309.

Utilizando a negociação num conflito laboral e considerando os sindicatos o negociador entre as partes - Empregado e Empregador, que tentam defender os interesses dos trabalhadores, tentando maximizar as receitas e otimizar as condições de trabalho, ao passo que, os Empregadores tentam maximizar o lucro da empresa, o objetivo desta negociação passa, portanto, por chegar a uma situação ótima para ambas as partes. Parte-se, portanto, da ideia comum que a empresa precisa dos trabalhadores e os trabalhadores necessitam do trabalho e do equilíbrio que tem de haver entre o aumento do salário dos trabalhadores e o lucro que esse aumento pode ou não vir a ter para a empresa de modo a chegar-se a uma situação que satisfaça ambas as partes310.

É o método mais célere e económico de resolução de conflitos, mas também o mais difícil de se efetivar.