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1.7 Contrato individual de trabalho

1.7.1 Noção e caraterísticas

Para o Direito do Trabalho e para a relação individual só releva o trabalho humano dependente, assalariado, subordinado e prestado por conta de outrem. O mecanismo através do qual se realiza este trabalho é o contrato individual de trabalho.

Atendendo ao art. 11.º do CT, o contrato de trabalho define-se como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito da organização e sob autoridade destas”140.

Da definição legal é possível apurar que o contrato individual de trabalho é um negócio jurídico de direito privado, causal, bilateral ou sinalagmático, oneroso, patrimonial, obrigacional, duradouro, pessoal, infungível e fiduciário.

O contrato de trabalho é uma figura negocial de direito privado141 onde há liberdade de

celebração e de estipulação de negócios jurídicos, estando por isso subordinado ao princípio da autonomia privada. Não obstante, no que concerne à liberdade de estipulação existem algumas normas – as designadas normas injuntivas142– que surgem para limitar esta liberdade contratual, com

o intuito de proteger o trabalhador, tendo em conta as desigualdades factuais existentes entre ele e o empregador, salvaguardando uma efetiva igualdade jurídica. De acordo com o art. 11.º do CT, o contrato de trabalho está ainda subordinado ao princípio do consensualismo, ou seja, não carece de forma especial, salvo em sede de regimes especiais143. O consensualismo vem facilitar a celeridade

140 O contrato de trabalho também se encontra definido no art. 1152.º do CC, contudo no CC apenas se alude à prestação de uma atividade intelectual ou normal, ao passo que no CT não há essa distinção. Outra diferença é que no CT ao contrário do CC admite um contrato de trabalho que vincule um trabalhador a vários empregadores.

141 Vide CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1999, p. 518; XAVIER, Bernardo da Gama Lobo, Manual de Direito do Trabalho, 2.ª Edição revista e atualizada, verbo, 2014, p. 306.

142 Normas que impõem condutas por ação ou omissão, impõem-se à autonomia que a ordem jurídica reconhece aos seres humanos.

143 Exige-se forma escrita na promessa de contrato de trabalho (art. 103.º, n.º 1, do CT), no contrato de trabalho de adesão (art. 104.º do CT), na condição e termos suspensivos (art. 135.º do CT), nos pactos de não concorrência e permanência (arts. 136.º e 137.º do CT), no contrato de trabalho a termo (art. 141.º do CT), no contrato de trabalho a tempo parcial (art. 153.º do CT), no contrato de trabalho em comissão de serviço (art. 162.º do CT), no contrato de teletrabalho subordinado (art. 166.º do CT), no contrato de trabalho temporário (art. 181.º do CT) e no acordo de cedência ocasional (art. 288.º do CT). Além disso, a natureza de certas atividades, como a dos médicos, impõe a necessidade de ser utilizado documento escrito designadamente para efeitos de

negocial e também proteger o trabalhador, não se pondo em causa a validade dos contratos não formalizados. Assim, para haver contrato basta que, por consenso, alguém desenvolva uma atividade subordinada para outrem, mediante retribuição.

Este contrato é ainda um negócio jurídico causal, uma vez que as obrigações das partes não valem por si, dependem de uma causa, isto é para que o trabalhador preste dada atividade e o empregador exerça a sua obrigação de pagar uma retribuição, bem como outras prestações emergentes da relação laboral é necessário que seja demonstrada a respetiva causa.

É um negócio jurídico bilateral pois surge a partir de duas declarações de vontade opostas, mas convergentes, sendo certo que as obrigações que dele emergem – trabalho e retribuição, se encontram ligadas por um nexo de correspetividade, numa relação de interdependência – a prestação da atividade144 laboral tem como contrapartida o pagamento de uma retribuição145146. É também devido a

este último ponto que o contrato de trabalho é um contrato oneroso, ficando de fora dos contratos laborais todas as prestações gratuitas de trabalho147.

Trata-se de um contrato patrimonial no sentido em que as várias prestações laborais supõem um intercâmbio de conteúdo patrimonial.

Quanto ao seu caráter obrigacional, este vem no sentido de a sua celebração não implicar a constituição de direitos reais, uma vez que o trabalhador se limita a aceitar as condições contratuais previamente predispostas pelo empregador, quer seja num formulário geral de contratação, quer seja no regulamento interno da empresa, como um verdadeiro contrato de adesão148, sendo certo que a

obrigação é por si assumida de forma livre e voluntária. Para além disso, corresponde a um contrato obrigacional, porque se limita somente a criar obrigações para ambas as partes.

O contrato de trabalho é também um contrato duradouro, cuja execução se prolonga no tempo, ou seja, há uma continuidade quanto à prestação da atividade e ao pagamento da retribuição.

controlo da observância das regras deontológicas da profissão. O mesmo acontece, embora por motivos diversos, com os contratos entre empresas ou entidades que realizam espetáculos ou divertimentos públicos e os profissionais de espetáculos e estagiários cujos contratos têm de ser reduzidos a escrito. Finalmente há que referir os contratos de trabalho que exigem forma escrita com o propósito de poderem invocar certos regimes especiais, como a dispensa temporária de contribuições de segurança social e a atribuição de incentivos à criação de emprego para jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração (DL n.º 89/95, de 6 de maio, e DL n.º 34/96, de 18 de abril).

144 É uma prestação de fato positivo, uma atividade humana, intelectual ou manual que corresponde a um interesse do credor. A obrigação do trabalhador traduz-se no exercício de uma dada atividade, sendo que a obrigação se considera cumprida quando este coloca a sua energia laborativa à disposição do empregador no tempo e local acordados. Já o empregador como já foi dito anteriormente a propósito dos seus deveres, tem o dever da ocupação efetiva do trabalhador. A prestação da atividade é o objeto do contrato do trabalho, pelo que o trabalhador não suporta o risco da eventual frustração do resultado pretendido pela contraparte, uma vez que é a atividade e não o resultado que interessa diretamente ao contrato de trabalho. É à entidade empregadora que cabe suportar o risco correspondente.

145 De acordo com o art. 258.º, n.º 1, do CT, é a contrapartida patrimonial da prestação da atividade prestada pelo trabalhador. A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie – vide o art. 258.º, n.º 2, do CT. É considerada retribuição qualquer prestação dada pelo empregador ao trabalhador, com a exceção das elencadas no art. 260.º, n.º 1, do CT.

146 Há, no entanto, exceções a este caráter bilateral e sinalagmático que é o caso das férias e das faltas justificadas serem remuneradas, por exemplo. 147 A lei do voluntariado – Lei n.º 71/98, de 3 de novembro, não consubstanciando uma relação laboral, pode justificar a aplicação de normas protetoras tais como a indemnização do voluntário por acidentes de trabalho constante no seu art. 7.º, n.º 1, al. f), do CT.

No entanto isso não quer dizer que seja um contrato vitalício. Esta tendência de perdurabilidade do contrato de trabalho e o facto de ser um contrato de execução sucessiva repercute-se em diversos aspetos do respetivo regime jurídico, tais como, no regime de invalidade negocial do contrato de trabalho, na figura da suspensão do contrato de trabalho ou no relevo da antiguidade do trabalhador.

Outra das características deste contrato é o seu caráter iminentemente pessoal e, em consequência disso, infungível149 no sentido em que o trabalhador é insubstituível, isto é, o trabalhador

não se pode substituir por outro no cumprimento das suas obrigações, salvo se houver consentimento de ambas as partes. Assim a regra geral é a de que o contrato é intuitus personae, ou seja, o trabalhador obriga-se a prestar a sua atividade, não lhe sendo permitido fazer-se substituir por terceiro ou sequer fazer-se coadjuvar.

O contrato de trabalho, juntamente com o princípio da boa fé, postulado no art. 126.º do CT, pressupõe o caráter fiduciário da relação contratual, ou seja, pressupõe uma relação de confiança, lealdade, honestidade e confidencialidade – qualidades fundamentais para se atingir a finalidade contratual – entre o trabalhador e o empregador. O empregador pretende certas qualidades de trabalho e o trabalhador espera, entre outros aspetos, um tratamento condigno e o pagamento atempado do salário. Naturalmente que esta relação de confiança exige graus mais elevados no que toca a contratações para cargos de direção, de chefia ou de secretaria.

Este contrato é ainda prestado com subordinação jurídica que surge muitas vezes acompanhada pela subordinação económica do trabalhador, na medida em que a retribuição que o trabalhador recebe acaba por ser fonte de rendimentos essencial à subsistência do trabalhador e da sua família.

A subordinação jurídica decorre do facto de a prestação ser realizada no âmbito organização e sobre autoridade e direção do empregador, ou seja, o trabalhador está sujeito à autoridade da entidade empregadora. Assim, a um é conferido o poder de dirigir o trabalho e ao outro o dever de acatar essas ordens. Isto implica que “o prestador de trabalho está adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, submetendo-se nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização de trabalho, ainda que execute a sua atividade sem, receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder à ideia de ordens e instruções”150.

António Monteiro ainda nos diz que “o elemento chave de identificação do trabalho subordinado” está no facto de o trabalhador agir dentro de uma “organização alheia” – “que tanto

149 Está aqui em causa a infungibilidade no sentido jurídico e não económico, uma vez que a nível económico os trabalhadores são substitutivos. 150 Vide FERNANDES, António Monteiro, Direito do Trabalho, 17.ª Edição, Almedina, 2014, p. 124.

pode ser uma empresa como um lar de família” – e não de uma “organização própria” com o propósito de se obter “fins alheios”151.

Contudo, as ordens do empregador têm de se inserir nos limites em que se circunscreve a atividade acordada, isto é, atendendo à categoria do trabalhador. Há ainda a possibilidade de uma desobediência legítima fundada na prevalência conferida aos direitos e garantias dos trabalhadores sobre o poder de direção e organização do trabalho do empregador.

Para além destas características o contrato de trabalho também admite que possa haver pluralidade de empregadores nos termos do art. 101.º do CT e define-se como um contrato inacabado, no sentido de não estar tudo definido e fixado no momento da sua estipulação e exposto ao futuro, pois a vida do contrato e os seus termos de relacionamento não conseguirem prever o desenvolvimento dos possíveis modelos empresariais produtivos e até da própria carreira do trabalhador, podendo este variar no futuro.

A presunção de um contrato de trabalho é ainda admitida à luz do art. 12.º do CT.