Os microrganismos presentes nos alimentos são uma das principais causas da sua alteração ou mesmo da sua eventual falta de segurança.
O conhecimento das características dos principais microrganismos e dos fatores que condicionam o seu desenvolvimento é fundamental para a utilização de métodos adequados de prevenção do seu desenvolvimento.
4.1.1 O que é a microbiologia?
A microbiologia é definida como a ciência que estuda os microrganismos “dema-siado pequenos” para serem observados a olho nu. Os microrganismos são seres vivos infinitamente pequenos que não se vêem à vista desarmada, podendo ser vistos apenas ao microscópio.
encontram-se em todos os locais, no ar, na terra, na água, nos alimentos, nos animais e no Homem.
assim, a microbiologia tem como objeto de estudo as bactérias, os vírus, os fun-gos, as algas unicelulares e os protozoários.
alguns membros destes grupos, em particular algumas algas e alguns fungos, têm dimensões suficientes para serem vistos sem o auxílio do microscópio. Muitas pessoas, ao longo da sua vida, não se apercebem da existência dos mi-crorganismos, a não ser que estes lhes causem alguma doença. no entanto, os microrganismos desempenham papéis muito importantes nas nossas vidas, sen-do as atividades benéficas muito superiores às atividades indesejáveis.
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Alguns desempenham atividades benéficas, participando na produção de al-guns alimentos como o queijo, o iogurte, os enchidos e a cerveja. Outros são indesejáveis porque deterioram os alimentos (por exemplo, o pão ou a fruta com bolor) ou são patogénicos (causam doenças).
4.1.2 Caracterização dos diferentes microrganismos
Os microrganismos podem ser classificados em bactérias, vírus, fungos, levedu-ras e palevedu-rasitas.
as bactérias são microrganismos entre os quais se encontram alguns que pro-vocam problemas de saúde ao Homem. Outras poderão deteriorar os alimentos mas, muitas são indispensáveis ao fabrico de certos alimentos. Como qualquer ser vivo, necessitam de determinadas condições para crescerem e se multipli-carem: alimento suficiente, humidade e temperatura adequadas. Só podem ser visualizadas através de microscópio.
Os vírus são microrganismos mais pequenos e menos conhecidos que, para serem visualizados, à semelhança das bactérias, necessitam de ser observados com o auxílio de microscópios bastante potentes. alguns vírus estão na origem de doenças em Humanos e animais (por exemplo, gripe, HIV/SIDA). Em muitos casos os vírus podem também infetar bactérias utilizadas em alguns processos de fermentação de alimentos (bacteriófagos).
Os fungos e leveduras são microrganismos com menor risco para a saúde do Homem. Os fungos possuem tamanhos variáveis que vão desde formas apenas visíveis ao microscópio até dimensões consideráveis. alguns fungos são produ-tores de compostos tóxicos (aflotoxinas) capazes de originar doenças graves. Os parasitas são microrganismos perigosos para o Homem. Instalam-se no in-terior de um “hospedeiro” para viverem à sua custa. O ciclo de vida dos mais representativos encontra-se descrito no manual de conservação de produtos de origem animal.
figura 4.1
esCheriChia Coli rotavírus (reoviridae)figura 4.2 bolor do Pão muCor muCedofigura 4.3
figura 4.4
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4.1.3 Curva de crescimento de bactérias
Quando as bactérias contaminam os alimentos, se as condições forem favorá-veis, iniciam a sua multiplicação e crescimento passando por uma série de fases sucessivas. a partir de um pequeno número de microrganismos, uma vez que se dividem por cisão, muito rapidamente o seu número aumenta exponencialmen-te. Na figura 4.5 (B) pode observar-se que, apenas em quatro divisões celulares de uma bactéria se obtêm 16. Em 20 divisões, uma só célula dá origem a mais de um milhão de bactérias. após 30 divisões uma bactéria dará origem a mais de mil milhões de células bacterianas. dependendo das condições ambientais uma divisão poderá durar menos de meia hora.
A figura 4.5 (A) representa representa a curva de multiplicação dos microrganis-mos, que como se pode verificar, é constituída por várias fases:
a] Fase de latência (AB) - o microrganismo tenta adaptar-se ao novo meio não havendo portanto crescimento nem multiplicação. a duração desta fase pode ser influenciada por diversos fatores, tais como, o tipo de mi-crorganismo, o pH e a temperatura do meio.
b] Fase exponencial (BC) - o ritmo de crescimento microbiano é máximo ori-ginando um grande aumento do número de microrganismos presentes. c] Fase estacionária (CD) - quando o número de microrganismos se mantém
constante, devido ao consumo de todos os recursos.
d] Fase de declínio (DE) - dá-se o decréscimo do número de microrganismos viáveis em ritmo constante.
É de todo o interesse na conservação dos alimentos que se prolongue a fase de latência, e para tal, é imprescindível reduzir a contaminação, criar condições desfavoráveis à multiplicação microbiana e aplicar certos tratamentos, como por exemplo, o tratamento térmico dos produtos com o objetivo de eliminar micror-ganismos indesejáveis.
figura 4.5
(a) Curva de multiPliCação dos miCrorganismos; (b) ProCesso de multiPliCação Por Cisão Celular
a a B C d e teMPo (h) Log UFC MiCrorgAniSMoS viáveiS B
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4.1.4 Fatores intrínsecos e extrínsecos relacionados com
a microbiologia alimentar
4.1.4.1 Fatores intrínsecos
Os parâmetros que dependem exclusivamente dos tecidos vegetais e animais denominam-se intrínsecos. estes parâmetros são, principalmente o pH, a ativi-dade da água, os nutrientes presentes, a presença de constituintes antimicro-bianos e a presença de barreiras naturais.
1] ph - mede a acidez ou alcalinidade em um alimento. a maioria dos microrganismos multiplica-se melhor em pH próximo da neutralidade (6,5 a 7,5). Cada microrganismo apresenta o seu valor de pH, mínimo, ótimo e máximo para multiplicação.
TaBela 4
faixa de multiPliCação de alguns miCrorganismos 2] atividade da água (aw) - a atividade da água num alimento não
sig-nifica o mesmo que o seu conteúdo em água. Nos alimentos, a água encontra-se presente de duas formas distintas; quimicamente ligada a outras moléculas, e portanto imobilizada, ou na sua forma livre, desli-gada de outras moléculas e como tal disponível. É esta água disponível (que permite o crescimento microbiano) que determina o valor de aw, podendo variar entre um máximo de 1,0, onde a água se encontra to-talmente disponível (equivalente a água pura), e 0,0, onde a água livre é inexistente (equivalente a um osso seco).
a relação aw= permite calcular a aw de um alimento, em que:
p é pressão parcial de vapor da água no alimento e p0 é a pressão parcial de vapor da água pura, à mesma temperatura.
3] nutrientes constituintes do alimento - servem de alimento aos microrganimos para estes satisfazerem as suas necessidades e se multiplicarem. São exemplo a água, os açúcares, as vitaminas e os sais minerais, entre outros.
4] Constituintes antimicrobianos - Mantêm a estabilidade de alguns ali-mentos contra os ataques de microrganismos, retardando ou inibindo a multiplicação bacteriana.
5] presença de barreiras - a casca dos frutos é um bom exemplo de uma barreira natural que limita a invasão da polpa por microrganismos.
p p0
micrOrganismO ph ótimO ph máximO ph mínimO
bactérias 6,5 - 7,5 9,0 4,0
levedUras 4 - 6,5 8,0 - 9,0 1,5 - 3,5
fUngOs 4,5 - 7,0 8,0 - 11 1,5 - 3,5
TaBela 5
alguns alimentos e resPeCtiva aw
alimentOs
frutos frescos e vegetais >0,97 aves e pescado frescos >0,98 carnes frescas >0,95 ovos: 0,97 pão: 0,95-0,96 queijos: 0,91-0,99 geleia: 0,75-0,80 frutos secos: 0,51-0,89 cereais: 0,10-0,20
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4.1.4.2 Fatores extrínsecos
Os fatores extrínsecos estão relacionados com as propriedades do meio ambien-te envolvenambien-te que afetam os alimentos e favorecem ou não o aparecimento de microrganismos. Os fatores extrínsecos mais importantes são a temperatura de armazenamento, a humidade relativa do meio ambiente e a presença e concen-tração de gases no meio ambiente.
1] Temperatura de armazenamento - Os microrganismos multiplicam-se dentro de amplos limites de temperatura. Por isso, interessa considerar os limites de crescimento dos microrganismos de importância alimentar em relação à temperatura para, desta forma, selecionar a temperatura que melhores condições de conservação oferece os diferentes tipos de alimentos.
2] Humidade relativa do meio ambiente - a humidade relativa (HR) do meio em que se realiza o armazenamento do alimento é importante, tanto do ponto de vista da aw dos alimentos como do crescimento dos microrga-nismos. a humidade relativa deve estar em pleno equilíbrio com a aw do alimento para evitar perdas ou ganhos de água de modo indesejável por parte dos alimentos.
figura 4.6 efeitos da temPeratura sobre o CresCimento bateriano TaBela 6 estimativa do temPo de
multiPliCação baCteriana PatogéniCa de aCordo Com a temPeratura
temperatUra tempO velOcidade
>50ºc não há multiplicação de patogénicos <50ºc
30min - 2h lentamente
>45ºc <45ºc
10min - 20min rápidamente
>30ºc <30ºc 30min - 1h moderadamente >20ºc <20ºc 1h - 2h lentamente >10ºc <10ºc 3h - 6h muito lentamente >4ºc <4ºc 6h - 8h Insignificante >0ºc
<0ºc não há multiplicação de patogénicos Morte bACteriAnA zonA De Perigo inACtiviDADe bACteriAnA 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 -10 º C
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3] presença e concentração de gases no meio ambiente - designam--se por microrganismos aeróbios aqueles que crescem na presença de oxigénio e anaeróbios aqueles que só se desenvolvem na ausência de oxigénio. Entre os microrganismos aeróbios estritos (por exemplo, fungos) e os anaeróbios estritos (p. ex. algumas espécies de clostrídios) existe uma vasta gama de microrganismos que apresenta diversos níveis de tolerância às condições da atmosfera.
O armazenamento de alimentos em atmosfera controlada ou modificada afeta o crescimento de microrganismos, pois alguns só se desenvolvem na presença ou na ausência de oxigénio. O controlo da composição de gases na atmosfera que envolve um produto alimentar é pois uma forma de condicionar o desen-volvimento de microrganismos e de prolongar a vida útil dos produtos.
figura 4.7
exemPlo dos efeitos da humidade relativa nos alimentos
oBjeTivos
1 dar a conhecer quais as principais causas de alteração dos produtos de origem vegetal
2 Informar sobre as metodologias de controlo das alterações microbianas em frutos e hortícolas