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Processo de destilação e composição do destilado

5. proCessos de Conservação

5.7 Conservação por destilação

5.7.1 Processo de destilação e composição do destilado

A destilação da massa fermentada para obter destilados (aguardentes) é realizada em alambiques. a destilação deve ser efetuada de forma que o destilado tenha o aroma e sabor dos elementos naturais voláteis contidos no mosto (massa) fer-mentado, derivados do processo fermentativo ou formados durante a destilação.

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na elaboração do destilado ocorre a formação de sabores e odores agradáveis típicos da destilação. Os principais objetivos da destilação são: extração dos compostos voláteis, a seleção de substâncias voláteis e a ocorrência de transfor-mação químicas favoráveis à qualidade do destilado (combinação e degradação de substâncias).

O processo de destilação não somente concentra álcool etílico, mas também de-termina a grande extensão da composição volátil do destilado, além de produzir, pelo aquecimento, certas reações que aumentam as quantidades de compostos voláteis e a qualidade do destilado final.

O termo destilação corresponde à separação das substâncias voláteis presentes no fermentado, inicialmente transformadas em vapor e depois condensadas. a operação é conseguida através do calor, necessário para evaporar, e do frio para condensar.

O princípio da destilação baseia-se na diferença entre o ponto de ebulição da água (100 ºC), e do álcool (78,4 ºC). A mistura de água e álcool apresenta um pon-to de ebulição variável em função do grau alcoólico. assim, o ponpon-to de ebulição de uma solução hidroalcoólica é intermédio entre o da água e do álcool, e será tanto mais próximo deste último quanto maior for o grau alcoólico da solução. Para o processo de destilação é importante agrupar os diversos componentes do mosto em duas frações: voláteis e não voláteis. Os componentes voláteis são representados por água, etanol, metanol, álcoois superiores, ácido acético, éste-res e dióxido de carbono. Os não voláteis ou fixos são constituídos por sólidos do mosto (sumo dos frutos), células de levedura e bactérias, minerais e ácidos orgânicos fixos. Os componentes voláteis do mosto possuem diferentes tempe-raturas de volatilização, sendo possível, portanto, a separação por processo de destilação. nesse processo de destilação os componentes mais voláteis, como acetaldeído e metanol, são recolhidos na primeira fração do condensado, que se denomina “cabeça”. na porção intermediária, denominada “corpo” ou “coração” encontramos frações medianamente voláteis, basicamente etanol, e na porção menos volátil, denominada “cauda”, encontramos álcoois superiores e ácidos.

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figura 5.11 exemPlo de diagrama de Produção de destilado ou aguardente de frutos

(massa de frutos fermentada) destilação em alambique de cobre

resíduos

“cabeça” (±5%) fração

imprópria para consumo “coração” = destilado ouaguardente pretendida “cauda”(±10%) fração que poderá ser redestilada

engarrafamento/envelhecimento em madeira (opcional)

Os açúcares não fermentados, as substâncias azotadas (aminoácidos, peptídeos e ácidos nucleicos), pectinas, células de levedura e de bactérias, bagacilho e mi-nerais, constituem a parte sólida que pode estar em solução ou em suspensão no mosto. O momento em que cada substância passa para o destilado depende:

do seu ponto de ebulição (P.E.);

da sua relação com o álcool e/ou a água;

da variação do teor alcoólico no vapor ao longo da destilação.

Os primeiros compostos a serem destilados são aqueles que possuem menor ponto de ebulição e os que são solúveis no álcool. Os aldeídos como por exemplo o acetaldeído (P.E.=210 ºC) e os ésteres, que são formados durante a fermentação por leveduras, como por exemplo o acetato de etilo (P.E.=77 ºC), destilam no início de cada destilação, sendo a sua concentração muito elevada nas cabeças e no início do coração. Estes compostos têm um cheiro muito intenso a cola e a vernis das unhas, conferindo-o às cabeças, assim como um sabor pungente e desagradável.

Os aldeídos têm origem nos álcoois por oxidação, sendo eles próprios também facilmente oxidáveis. estes são por vezes responsáveis pelo sabor pronunciada-mente metálico das cabeças. O acetaldeído é o seu representante mais importan-te quantitativamenimportan-te, correspondendo a pelo menos 90% dos aldeídos totais. Os aldeídos são os compostos mais voláteis existentes nas bebidas alcoólicas.

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Outros compostos que também passam para o destilado no início da destila-ção, são os que possuem P.e. relativamente elevado mas são completamente ou parcialmente solúveis no álcool. Podemos destacar nestas condições ácidos gor-dos e ésteres gorgor-dos como o caprilato de etilo (P.E.=208 ºC), o caprato de etilo (P.E.=244 ºC), o laurato de etilo (P.E.=269 ºC), o caproato de etilo (P.E.=166,5 ºC), e o acetato de isoamilo (P.E.=137,5 ºC). Por vezes estes compostos só terminam de ser destilados no coração.

as substâncias que se encontram nas cabeças e no coração dos destilados, são as que têm pontos de ebulição geralmente inferiores a 200 ºC, são solúveis no álcool e completamente ou parcialmente em água. Como exemplos destas subs-tâncias, podemos apontar o metanol (P.E.=65,5 oC) e os álcoois superiores como o 1-propanol, o isobutanol, o metil-2-butanol e o metil-3-butanol.

a partir do meio do coração começam a passar para o destilado, os compostos que se caracterizam por possuírem P.e. superior ao da água e são totalmente ou parcialmente solúveis nela. alguns exemplos destes compostos são o ácido acético (P.E.=110 ºC), o 2-fenil-etanol, o lactato de etilo e o succinato de dietilo. as substâncias com ponto de ebulição elevado, e muito solúveis em água, co-meçam a sua destilação a partir do meio do coração. É este o caso do furfural (P.E.=167 ºC) que apesar de ser um produto que se forma durante a destilação, não existindo normalmente nos fermentados dos frutos, passa para o destilado ao longo de toda a destilação, aumentando a sua concentração neste a partir do meio do coração até às caudas. O furfural possui um cheiro agradável a amên-doa amarga, quando se encontra diluído. a sua génese durante a destilação deve-se à ação do calor em meio ácido sobre as pentoses existentes nas borras, principalmente através da ação do calor exercido a seco nas borras projetadas nas paredes da caldeira.

a separação dos componentes do caldo fermentado é feita através do processo de destilação. a destilação deve ser efetuada de forma que o destilado tenha o aroma e sabor dos elementos naturais voláteis contidos no mosto fermentado, derivado do processo fermentativo ou formados durante a destilação.

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Caracterização do alambique

Alambique é uma palavra que originária do grego, “ambix”, definida como um vaso com pequena abertura.

O alambique Charentais, é um alambique de extrema simplicidade. a sua forma atual foi-lhe dada por adam no século xIx. este alambique pode ser dividido em diferentes partes para se alcançar um melhor e mais fácil conhecimento do seu funcionamento (Figura 5.12).

a caldeira ou “cucúrbita” assume uma importância fundamental na constituição do alambique. esta deve ser construída de forma a permitir uma fácil e completa limpeza de todas as suas partes e deve poder suportar um aquecimento unifor-me e contínuo. O seu papel mais significativo, é o de servir como regulador e acumulador de energia entre o queimador e o fermentado.

O aumento do volume da caldeira, traduz-se numa diminuição da fineza e da sua-vidade da aguardente. Quando se duplica o volume de uma caldeira, a superfície exterior desta não duplica, o que leva a que, o contato do vapor com as paredes de cobre da caldeira seja reduzido e há diminuição da superfície de aquecimento em relação ao volume total, o que implica ter que se duplicar a quantidade de calor sobre uma superfície que não duplicou. este fato, pode provocar um grande aumento de temperatura no fundo da caldeira e causar a pirogenização (queima) de certos compostos do fermentado ou do primeiro destilado, dando origem a um destilado mais duro, podendo mesmo causar o aparecimento de gostos her-báceos ou picantes. Outra consequência indesejável do aumento do volume da caldeira é a diminuição da eficácia da separação das diferentes substâncias volá-teis, devido à diminuição da superfície retificadora provocada pela pequena rela-ção superfície/volume do capitel. Os destilados ou aguardentes de frutos obtidos neste alambique não devem ter um título alcoolométrico superior a 72% vol. as caldeiras podem ter duas formas: direita ou em forma de “cebola”. a caldeira de forma direita, tem na sua parte inferior e no seu cimo dois ângulos aproxi-madamente retos, o que torna a sua limpeza mais fácil do que uma caldeira em forma de cebola, que possui fundo arredondado dificultando a limpeza e o seu esvaziamento. figura 5.12 alambique Charentais d a B C a Caldeira B Capitel C Colo de cisne d Serpentina mergulhada em água fria

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As caldeiras podem ser fabricadas em duas ou em três partes e a junção das diferentes partes pode-se fazer por soldadura ou por rebitagem. O aquecimento das caldeiras pode-se efetuar a fogo direto, através da queima de gás ou por intermédio de tijolos radiantes. Quando o aquecimento se faz por meio de fogo direto, sendo o combustível gás, o queimador deve ser do tipo “torcha” e deve apresentar uma chama viva e difusa. este tipo de aquecimento é mais prático do que o por intermédio de tijolos radiantes. O capitel está colocado por cima da caldeira e a sua forma e volume determinam a concentração, a seleção e a separação dos diferentes constituintes voláteis da substância que se está a des-tilar. este processo de seleção dá-se quando os compostos voláteis condensam no capitel e refluem novamente para a caldeira, onde posteriormente voltam ao estado de vapor, sendo redestilados. a este fenómeno chama-se processo de refluxo ou de retificação.

apesar de tradicionalmente se associar a forma do capitel às suas capacidades retificadoras, este fato não corresponde à verdade. As capacidades retificadoras do capitel, devem-se sim à relação existente entre a sua superfície, o seu volume e a sua altura. Outra finalidade do capitel é evitar o eventual extravasamento do conteúdo da caldeira.

O colo de cisne, está montado por cima do capitel. A sua forma é sempre idênti-ca, mas o seu ângulo de abertura e o seu raio de curvatura, variam.

O colo de cisne destina-se a canalizar os vapores provenientes do capitel para a serpentina e a evitar que a espuma que se possa formar no fermentado durante a sua ebulição na caldeira, passe para a serpentina juntamente com o conden-sado O colo de cisne é também responsável por uma retificação do destilado, na sua zona ascendente.

A serpentina (Figura 5.13) é um tubo enrolado em espiral que está ligado ao colo de cisne. O seu diâmetro é maior na parte superior ligada ao colo de cisne, diminuindo ao longo da espiral e atingindo o seu diâmetro mínimo na sua parte inferior. a sua função é de condensar os vapores provenientes da ebulição na caldeira e a de arrefecer o destilado até à temperatura pretendida.

a cuba do refrigerante não é mais do que um reservatório contendo água, para que se dê a condensação dos destilados. As suas dimensões permitem a exis-tência de gradientes de temperatura, na água nela contida, podendo existir va-lores na ordem dos 10 °C na sua parte inferior e na ordem dos 70-80 °C junto à superfície. estes gradientes são importantes para a qualidade do destilado obti-do, nomeadamente, para garantir as convenientes temperaturas de

esgotamen-figura 5.13

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to das diferentes frações do destilado. na destilação para a obtenção do primeiro destilado a temperatura a que este deve ser esgotado através da serpentina deve estar compreendido entre 13 e 15 °C. Na segunda destilação a aguardente deve ser esgotada a uma temperatura de 17 a 19 °C e as caudas de 13 a 15 °C (Cantagrel et al., 1990). O porta alcoómetro, está colocado no fim da serpentina e permite a determinação do título alcoolométrico dos destilados, assim como as suas tem-peraturas. Permite também proceder à filtração dos complexos cúpricos que se formam com os ácidos gordos durante a destilação.

no que diz respeito ao funcionamento do alambique Charentais, para se proce-der à destilação de um fermentado de frutos, coloca-se o fermentado com ou sem as suas borras na caldeira. O calor que lhe é transmitido pela fornalha, leva o fermentado à ebulição e os vapores formados condensam-se no seu percurso ao longo do alambique, culminando a sua condensação na serpentina que se encontra mergulhada em água fria corrente.

a primeira fração do destilado obtido, a chamada cabeça, tem um aspeto leitoso ou pode ter outras colorações. a fração seguinte, o coração, tem o aspeto carac-terístico da aguardente límpida, e apresenta 75% a 80% de álcool em volume, no início da sua destilação, terminando com um valor compreendido entre os 30 a 60%. Depois do esgotamento do coração, até 0% de álcool em volume temos duas frações a que se chamam, primeiras e segundas caudas. O momento em que se separam quaisquer das frações no decorrer das destilações, chama-se corte. Os sentidos, principalmente o olfato, constituem o melhor meio de determinar a altura exata para se proceder ao corte, dependendo do conhecimento das subs-tâncias que irão conferir boas ou más características à aguardente (destilado). De fato, o aroma e o flavour (combinação do aroma e sabor que se sentem ao colocar uma pequena porção do destilado dentro da boca) das frações cabeça e caudas são bastante característicos e desagradáveis.

As aguardentes obtidas a partir de alambiques de cobre (Cu), contêm natural-mente teores entre 3 a 5 mg/l deste metal que é arrastado através da condensa-ção dos vapores ao longo dos compartimentos do alambique.

as aguardentes podem também sofrer turvações ou precipitações de natureza irreversível, devido à reação dos taninos com substâncias minerais. a título de exemplo, refere-se a formação de tanato de cobre quando o pH é superior a 4,5. Quando em concentrações muito elevadas, é também relevante a sua importân-cia sob o ponto de vista toxicológico. O limite legal de cobre estabelecido para vinhos e aguardentes é de 1 mg/l.

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