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Capítulo 3 – A GUERRA COMO FIM (1939-1944)

3.5 O fim heroico: a Resistência

Após a derrocada, como vimos, Bloch estabeleceu-se na casa de campo da família. Em carta a Andrés Meyer, comentava o contexto do reencontro com os seus. A guerra abateu-se sobre todos:

Quinze dias depois, as comunicações se reestabeleceram e pude passar por Nantes, Agers e finalmente em Creuse, onde estavam os meus. Alguns sofreram com os bombardeios em Guéret: minha esposa, um de meus filhos e minha mãe, que haviam resgatado em um automóvel, correram sem rumo durante dez dias ao sul do rio Loire, durante e depois da batalha; por fim, chegaram a Guéret depois de mim. Pequena história de uma família francesa normalmente muito tranquila!588

Os eventos de 1940 trouxeram a Marc Bloch a necessidade de fazer balanços. Se em L’étrange défaite procurou analisar o seu presente e a sua realidade enquanto cidadão, movimento semelhante ocorrera em relação às suas motivações profissionais. Também foi na casa de campo que iniciou de forma sistemática a escrita de seu livro mais consagrado, Apologie pour l’histoire, que nunca encontrou o seu fim589. Essas reflexões teórico-metodológicas foram ensaiadas durante seu percurso enquanto capitão. Em carta a Étienne, datada de 14 de setembro de 1939, comentava: “Escrevo um pouco por conta própria: uma introdução sobre o método da história, por uma história da França que, talvez, eu jamais escreva”590. Curioso notar que, aparentemente, o projeto inicial era mais

do que um tratado de método, um ensaio de uma história geral da França. Isso fica ainda mais claro em carta à filha Alice, escrita pouco depois: “Trabalho, aos poucos, em minha

588 “Quince días después las comunicaciones quedaron restablecidas de modo que pude passar por Nantes,

Agers, y finalmente la Creuse en donde estaban los míos. Unos sufrieron bombardeos en Gueret, mi esposa y unos de mis hijos com mi madre, que había rescatado en auto, corrieron sin rumbo por diez días au sur del río Loire, durante y despues de la batalla; por fin llegaron a Gueret despues que yo. !Pequeña historia de uma família francesa normalmente muy tranquila!”. Carta de Marc Bloch a Andrés Meyer Relaciones 51, verano 1992, vol. XIII, p. 246 (trad. de Andrés Lira González).

589 Não é à toa, portanto, que muitas reflexões e metáforas exploradas no livro sobre a prática historiográfica

apareçam também entremeadas nas conjecturas sobre a derrota militar.

590 Marc Bloch a Lucien febvre: “J’écris un peu pour mon propre compte: une introduction sur la méthode

de l’histoire, pour une histoire de France que je n’écrirai, elle, peut-être jamais”. Citado em Marc Bloch. Op. cit., 2006, p. 42.

178 história da França. Encontro-me desde sempre no prefácio. Isso intriga bastante o meu velho general que me observa vez por outra escrevendo no escritório, e deseja saber o que escrevo. Tenho a crueldade de não lhe dizer”591.

Mas foi no momento em que toda a nação parecia estar de mãos atadas que pôde levar a cabo com mais afinco o projeto pessoal. O esboço foi, aos poucos, ganhando definições mais concretas. Tempos depois, em 17 de agosto de 1942, contava a Febvre: “Continuo a escrever minha Apologie pour l’histoire. Exercício difícil. Exercício instrutivo. Não possuo ideia muito precisa do que será o livro – ou mesmo se ele será algum dia”592. Também compartilhava com o filho as incertezas do projeto intelectual:

À tarde trabalho sobretudo em meu livro (“O ofício do historiador” me parece um título melhor que “Apologia da história”. O que você acha?). Ele avança lentamente. Mas avança e – malgrados os momentos habituais de dúvida – não me parece desinteressante. Quando acabará? Quando será publicado? Nesse momento, verdadeiramente, trabalhar é trabalhar para a Musa…593

O desafio da escrita era acompanhado pelo de conseguir se manter na legalidade e ativo. Afinal, encontrava-se em situação análoga à dos judeus na França ao longo da guerra e de todo o cenário de Vichy. As feridas abertas durante o Caso Dreyfus sangravam novamente no contexto imediato após a derrota para os alemães em 1940.

O caos no país dividido era prato cheio para extremismos em todos os níveis. Sob o discurso da necessidade primordial de reorganização em um país metade ocupado, metade colaboracionista594, para que a vida continuasse nessa nova realidade, iniciou-se um processo de “purificação” administrativa dentro de uma perspectiva antissemita595. O

primeiro movimento foi o de excluir de cargos públicos refugiados, mulheres, pessoas que tivessem aderido à França Livre e judeus. Em nome da unidade, os “inimigos da nação” deveriam ser preteridos.

591 Do original: “Je travaille, petitement, à mon histoire de France. J’em suis toujours à la préface. Ça

intrigue beaucoup mon vieux general de me voir quelquefois écrire au bureau, et il voudrait bien savoir ce que j’écris. J’ai la cruauté de ne pas lui dire”. Citado em Bédarida. Op. cit., 1991, p. 14.

592 Do original: “ J’ai continué à écrire mon ‘Apologie pour l’histoire’. Exercice difficile. Exercice instrutif.

Je n’ai pas encore une idée très precise de ce que ser ale livre – ou même s’il sera jamais ”. Marc Bloch a Lucien Febvre em _____. Correspondance (vol 3: les Annales en crise 1938-1943). Paris: Fayard, 2003, p. 210.

593 Carta escrita em 13 de setembro de 1942. Do original: “Je travaille surtout à mon livre (‘Métier

d’historien’ me paraît un titre mieux qu’ ‘Apologie pour l’histoire’. Qu’en penses-tu?) Il avance lentement. Mais enfin il avance, et – malgré les moments habituels de doute – il ne me semble pas sans intérêt, Quant sera-t-il fini? Quand pourra-t-il paraître? En ce moment, vraiment, travailler, c’est travailler pour la Muse...”. Marc Bloch. In: Bédarida, Pechansky. Op. cit., 1991, p. 101.

594 Lembramos, novamente, que a divisão política do país ultrapassou essa dualidade.

595 Cf. Claude Singer. Vichy, L’Université et les Juifs: les silences et la mémoire. Paris: Les Belles Lettres,

179 Logo após a derrocada, foram criados dois Estatutos dos Judeus na França (3 de outubro de 1940 e 29 de novembro de 1941). Entre suas preocupações principais estavam, além da criação de leis e regras de conduta diferenciadas para essa comunidade, formas de controlá-la. Nesse caso, importava questionar o que era um judeu, afinal.

Apesar de escrito às pressas596, o primeiro Estatuto estabelecia em seu artigo inicial que todo indivíduo que tivesse três avós “da raça judaica”, ou dois avós, caso seguisse praticando o judaísmo, deveria ser enquadrado na classificação e receber as devidas sanções. O segundo alargava ainda mais a definição, estabelecendo que o indivíduo que possuísse dois avós judeus e não tivesse se convertido a outra religião até 25 de junho de 1940 deveria se submeter às suas leis, as quais interditavam uma série de cargos profissionais aos judeus. Através desses estatutos, tentava-se reafirmar a identidade francesa ligada à tradição cristã, para o regozijo da extrema direita, que acreditava que a França caminhava a passos largos para uma recuperação da ordem e da moral que havia sido perdida antes da derrota. Mesmo que não praticantes da religião, Marc Bloch e Simone Vidal não escapavam a essa definição – e vimos que tampouco era o desejo de Marc Bloch esquivar-se desse rótulo em casos de intolerância.

Foi criada, em tal contexto, a Union Générale des Israélites de France (UGIF), organismo cuja função seria representar os judeus no poder público. Seu papel, no entanto, foi bastante ambíguo (como o fora o de outras instituições israelitas criadas em países ocupados pelos alemães ao longo do conflito). Se, por um lado, era uma das poucas chances de um indivíduo judeu ter seus interesses defendidos, por outro, a associação acabava criando uma catalogação da comunidade em todo o território, facilitando ainda mais atos de perseguição e reforçando preconceitos e clichês, como se o grupo classificado como “judeu” fosse homogêneo597 e realmente necessitasse de uma

legislação específica em terras francesas.

Parecia importante, sobretudo, eliminar a influência judaica na educação e nos meios intelectuais. Por isso, uma das primeiras profissões a qual os judeus foram proibidos de exercer foi a de professor. Para o Ministro da Educação, Abel Bonnard, não era admissível “que a história da França seja ensinada por um Isaac”598. Também se

limitou/proibiu a contribuição deles em meios impressos. Alunos judeus também teriam

596 Em apenas algumas horas. Cf. Claude Singer. Op. cit., 2004, p. 72.

597 A heterogeneidade da comunidade judaica foi muito explorada em diversos textos importantes. Destaco

aqui o de Hannah Arendt. As origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 2000.

180 condições específicas de acesso a escolas, liceus e a universidade, através do numerus

clausus599.

É curioso notar que essa ideia de uma “invasão” judaica, em números absolutos, não parecia fazer muito sentido. Na educação básica, 0,8% dos professores era de judeus, enquanto nas universidades esse número subia para 2,4%600. A questão era que, especialmente no caso das universidades, esses professores estavam concentrados em espaços específicos, colaborando com a sensação de que haveria um monopólio judeu na transmissão de conhecimento. A maioria, apesar de não praticar a religião, atuava nas áreas de medicina e ciências, e trabalhava em Paris ou Estrasburgo. Nesse sentido, o movimento de “purificação” foi mais efetivo dentro da universidade. Ao passo que houve vários episódios de instituições de ensino básico protegendo especialmente seus alunos judeus, na universidade o próprio corpo social atuava no sentido de fazer valer os Estatutos.

O cenário se tornava ainda mais grave porque o projeto hegemônico601 da extrema direita acirrava ainda mais as diferenças dentro da própria comunidade judaica. Não havia conjugação de interesses (que não fossem o primordial, o de sobreviver). Por exemplo: uns defendiam o pacifismo, outros o ativismo contra as medidas repressoras; uns eram sionistas e outros achavam que essa defesa justificaria ainda mais a ideia de que o judeu é uma “raça” específica que não faz parte do corpo nacional. Clivagens como essas eram estimuladas ainda mais por conta do mecanismo das derrogações criado em Vichy, que permitia a recuperação do cargo de alguns. Cada um buscava “por si” justificar a sua reintegração social. Serviços prestados à pátria, heroísmo demonstrado na guerra anterior, antiguidade da família em território nacional, demonstrando fidelidade à França, entre outros argumentos, foram válvulas de escape que acabariam por legitimar ainda mais o cenário de exclusão. O enfrentamento era, assim, quase pacificado.

Nesse contexto de desarmonia de um grupo tão heterogêneo, Marc Bloch garantiu temporariamente, através de uma derrogação, um cargo na Universidade de Estrasburgo em Clermont-Ferrand602, mudando-se então de Guéret. Contra os Estatutos

599 Cálculo que definia a porcentagem que cada instituição de ensino teria como possibilidade de aceitar

estudantes israelitas. Vale destacar que essa tática foi adotada após se constatar a extrema impopularidade em criar escolar específicas para a comunidade judaica. Os franceses orgulhavam-se demais da ideia de educação universal ao ponto de não negar, em teoria, o seu acesso. Ibidem, p. 133.

600 Ibidem, p. 143.

601 Aqui utilizo-me do referencial gramsciniano. Cf. Antonio Gramsci. Cadernos do Cárcere. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 (3 vols).

602 Desde setembro de 1939, com a iminência do combate, a instituição mudara de local para continuar o

181 dos Judeus, apresentava a prova de ligação à França: as honrarias de guerra pelos serviços prestados, bem como evidências de que a família, há gerações, possuía o mesmo pulso patriótico603. Existe a remota possibilidade de que seus primeiros contatos com a

Resistência tenham se dado nesse local604.

Surgia, nesse momento, uma oportunidade. Marc Bloch recebeu um convite da Fundação Rockefeller para se refugiar nos Estados Unidos com a esposa e os filhos. Atuaria durante dois anos na New School, em Nova York605. Mesmo tendo aceitado o convite, o processo não se concretizou. Para o consulado norte-americano (situado em Lyon), era muito difícil garantir a viagem de nove pessoas: ele, a esposa, os seis filhos e a mãe. Dois filhos – Étienne e Louis – tinham obrigações militares a cumprir e tanto a mãe – que veio a falecer em abril de 1941 –, quanto Simone estavam com problemas de saúde. Pela família, Bloch decidiu permanecer em solo francês.

Não foram somente essas as dificuldades que teve de enfrentar. De Paris, Lucien Febvre o pressionava insistentemente para que retirasse seu nome dos Annales. Era a condição para que a revista garantisse a continuidade, num quadro em que o Estatuto dos Judeus proibia a participação de semitas em meios impressos publicados na Zona Ocupada. Após alguns conflitos entre os dois, Bloch decidiu renunciar ao cargo de codiretor, e restringiu sua participação no periódico pela publicação de artigos sob o pseudônimo de “Fougères”606.

Extremamente preocupado com a saúde da esposa que, apesar de sempre ter sido frágil (as cartas de 1939-1940 mostram isso), parecia ainda mais delicada, decidiu se mudar para Montpellier. O inverno anterior em Clermont-Ferrand fizera muito mal a ela. Ainda amparado pela derrogação do Estatuto, garantiu uma vaga na universidade através de uma transferência.

Os problemas, obviamente, não cessaram com a mudança. Foi nesses idos de 1942 que a Gestapo confiscou a sua biblioteca, montada no apartamento de Paris. O sofrimento era imenso e ele buscou superá-lo fazendo o que mais lhe agradava, conforme deixou explícito na dedicatória que fez a Lucien Febvre em Apologie pour l’histoire. Ali,

603 Mémorial de la Shoah, Ref.CDJC-CCCLXXIX-51.

604 Um amigo de Universidade de Estrasburgo e médico da família, Dr. Waitz, seria o responsável pelo

Franc-Tireur na região. Como se trata de uma hipótese baseada em conjecturas muito abstratas, não confirmadas nem mesmo pelo filho Étienne, achamos por bem descartá-la. A informação foi obtida no site da Associação Marc Bloch, disponível no link <http://www.marcbloch.fr/resistant4144.html>. Acesso em 22 jan. 2015.

605 Carole Fink. Marc Bloch: uma vida na história. Oeiras: Celta, 1995, p. 308. 606 A floresta na qual lutou boa parte da Grande Guerra, vale lembrar.

182 ele diz que seu livro servia-lhe como “[...] simples antídoto, ao qual, entre as piores dores e as piores angústias, pessoais e coletivas, peço nesse momento um pouco de paz de espírito”607. Na escrita encontrava um refúgio temporário608. Sem poder consultar suas

fontes, escreveu um dos mais importantes tratados de história do século. A vida pessoal e profissional, no entanto, impedia uma dedicação plena ao projeto. Comenta em carta ao colega/discípulo André Meyer:

Aqui, encontro-me ocupado com a docência, que é bastante pesada (um tema de Idade Média para a agrégation, algo que pouco conhecia; principalmente as aulas da história econômica da França no século XIX que havia dado em Paris muito parcialmente. Não é algo fácil de montar). Não tenho em mãos meus livros que, segundo me informaram, encontram-se ameaçados em Paris, onde estão localizados. Como todos, estou mal instalado. Até agora quase não trabalhei no meu [livro]. Os Annales saíram de novo com as modificações externas que você adivinha.609

Na mesma epístola, retoma um ponto sempre repetido aos familiares: preocupava-se com a continuidade da educação dos filhos. Naquele contexto, tinham sido banidos dos estudos por serem judeus. Além disso, não possuíam as condecorações militares do pai e, por isso, a lei antissemita aplicava-se sobre eles:

[...] minhas maiores preocupações pessoais estão, sobretudo, dirigidas ao porvir dos meus filhos. Especialmente os maiores: um, estudante do segundo ano de direito; o outro no último ano de prepa610 (e que sonhou, ao longo de

toda a vida, com a Escola Colonial!).611

Todavia, era sobre a nação que sua angústia se mostrava mais intensa:

607 Marc Bloch. Op. cit.,2001 , p. 39.

608 Em uma carta que escreveu para Lucien Febvre, Marc Bloch faz um comentário bem parecido com o

que escreveu na dedicatória supracitada. Ele diz: “[...] como antídoto, escrevo sobre a história. É preciso um banco de trabalho. Pouco importa naquilo em que se tornarão as aparas”. Marc Bloch. Apologia da história ou O ofício do historiador. Edição aumentada por Éienne Bloch. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001, p. 43.

609 Do original: “Acá estoy ocupado con la docencia que es bastante pesada (un tema de edad media para

la agregación, algo que conocía mal; sobre todos uma classe de historia económica de Francia en el siglo XIX que había dado en Paris de forma muy parcial. No es algo sencillo de armar). No tengo a la mano mis libros, muy amenazados según me acaban de decir, en París, donde se quedaron. Como todo el mundo, estoy mal instalado. Hasta ahora casi no he trabajado en lo mío. Los Annales salen de nuevo com las modificaciones externa que Ud. adivina.”. Carta de Marc Bloch a Andrés Meyer. Relaciones 51, verano 1992, vol. XIII, p. 246-247.

610 Curso de preparação para o baccauréllat.

611 Do original: “mis preocupaciones personales van, antes que todo, dirigidas hacia el porvenir de mis

hijos. Especialmente mis hijos mayores: el uno, estudiante en segundo año de derecho, el otro en el ultimo año de prepa (¡y quien soñó, toda la vida, com la Escuela Colonial!)”. Ibidem, p. 246.

183 Mas esse é o meu pequeno jardim individual, do qual seria impossível esquecer. Ainda assim, não é mais do que um pequeno jardim. Minhas mais altas preocupações encontram-se em outra parte. São as mesmas que as suas, assim como são idênticas as nossas esperanças. Teria que dizer-lhe que é menos o... digamos amanhã (um amanhã imaginado à luz que você adivinha) que é o que está por vir que me preocupa? É difícil para um velho historiador viver no tempo imediato.612

O longevo historiador via fortalecerem novas decepções. O projeto profissional de uma vida, que já não contava com a sua assinatura, mudava de nome: Mélanges

d’Histoire Sociale era a nova “máscara” dos Annales, contra a vigilância de Vichy.

Certamente, um duro golpe ao intelectual, que via o cerco se fechar progressivamente. As condições de vida em Montpellier tornavam-se cada vez mais precárias: começava a faltar comida.

Nesse cenário amplamente desfavorável, grande parte de Apologie pour

l’histoire foi escrita. Passo importante, indubitavelmente, e que fora acompanhado por

outro de impacto análogo na trajetória de Marc Bloch: sua efetiva adesão à Resistência Francesa. Apesar de pouco se saber sobre essa passagem em Montpellier, há relatos de que ele compôs o Mouvement Liberté, que se tornaria o Combat, uma das principais células no sul da França da Resistência organizada internamente por Jean Moulin613. Ele, Étienne e Louis teriam começado a realizar atividades ligadas ao movimento. Em casa, pouco se falava sobre isso: quanto menos soubessem um do outro, melhor.

Em Montpellier, não sabíamos muito bem das atividades de papai. Exceto uma vez, na ocasião de uma festa nacional, quando uma parte da universidade e certos resistentes decidiram desfilar. Havia os professores resistentes, papai, Teitgen, e Courtin, professor de direito. Fui nomeado junto a outro como guarda-costas de Teitgen. Enquanto cuidava da guarda de Teitgen, observava papai, mas era cada um por si. Sabia que confabulava, mas o que? Não tinha a mínima ideia. Uma vez lhe disse: se você tem papéis a esconder, faça-o porque talvez venham me prender. Não me respondeu nada além de “obrigado”. Era a divisão de trabalho; era saudável, ele tinha razão.614

612 Do original: “Pero eso es mi pequeña huerta individual, de la cual sería imposible olvidarse; sin

embargo no es más que uma pequeña huerta. Mis más altas preocupaciones se encuentran en outra parte. Son las mismas que las suyas, e idênticas, igualmente, nuestras esperanzas?Tendré que decirle que es menos el... digamos mañana (un mañana imaginado en la luz que adiniva Ud.) que es el pasado mañana lo que me preocupa? Es difícil para un viejo historiador vivir en el tempo immediato”. Ibidem, p. 247.

613 Cf. Ayla Aglan. Le Temps de la Résistance. Paris: Actes Sud, 2008.

614 Do original: “A Montpellier, on ne savait pas très bien ce que papa faisait, sinon qu'une fois lors d'une

fête nationale, une partie de l'université et certains résistants avaient décidé de défiler. Il y avait les professeurs résistants, papa, Teitgen, et Courtin professeur de droit. J'avais été désigné pour être avec un