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Capítulo 2 – AS GUERRAS PELA HISTÓRIA

2.1 O status da disciplina “pré-Annales”

2.1.1 O inimigo: a escola metódica

Uma revista de história, cuja fundação tornou-se divisor de águas para a disciplina, apresentava suas ambições na primeira edição. Seus idealizadores defendiam a liberdade de espírito, fundamental para o avanço do conhecimento: “pretendemos permanecer independentes de qualquer opinião política e religiosa”. Os artífices dessa forma de lidar com a história deveriam, então, agir “sem bandeira”, buscando sobretudo “compreender e explicar” ao invés de “louvar e condecorar”. Ainda que sejam ideias bastante presentes nos discursos de Bloch e Febvre quando da fundação dos Annales, tais trechos foram extraídos da primeira edição da Revue Historique, organizada por Gabriel Monod e Gustave Fagniez em 1876194. Observamos, então, uma discreta semelhança entre os projetos. Apesar das diferentes escalas, o estatuto científico e a defesa de imparcialidade e independência de espírito do historiador aparecem como alvos a serem atingidos por ambos periódicos.

Tal constatação não atenua as diferenças notórias entre os dois projetos. No mesmo editorial, Monod defendia que o historiador possuía “direitos de crítico e juiz”195.

Notemos que sua crítica recai sobre a condecoração, mas em momento algum menciona o julgamento – este execrado por Bloch, que põe em esferas irreconciliáveis o compreender e o julgar.

O primeiro texto da Revue Historique segue estabelecendo as bases que a consagrariam ao longo do período de triunfo da chamada escola metódica. Posicionava- se em relação à tradição ciceroniana da historia magistra vitae que defendia o caráter

194 Gabriel Monod. “Du progrès des sciences historiques”. Revue Historique. 1/1, 1876, p. 30-31.

195 “Ao mesmo tempo, o historiador conserva, todavia, a perfeita independência do seu espírito e em nada

abandona os seus direitos de crítico e juiz”. Do original: “Em même temps, l’historien conserve néanmoins la parfaite indépendance de son esprit et n’abandonne em rien ses droits de critique et de juge”. Ibidem, p. 37.

72 instrutivo da disciplina196. Ela era entendida como reveladora de um sistema de

possibilidades humanas dentro de um continuum temporal e, por isso, seus agentes seriam os detentores do conhecimento necessário para a correta ação humana. Como instrutora para a vida, a história mostraria, através de exemplos, sucessos do passado a serem repetidos, bem como falhas a serem evitadas197. Para Monod, se não havia dúvidas que notar os erros cometidos era algo positivo, “para evitar o seu regresso”, a história devia, ainda assim, realizar um leve desvio de foco, no sentido de explicar esse passado mais do que reverenciá-lo198, em nome de uma compreensão imparcial que, finalmente, consolidaria as suas bases científicas. Buscava, assim, afastar-se da filosofia da história, tão central ao longo do século XVIII e parte do XIX.

De fato, o projeto foi bem-sucedido, e a visão de história anunciada na revista foi protagonista durante toda a Terceira República (1870-1940), ofuscando a relevância de sua adversária, a Revue des questions historiques, fundada dez anos antes pelo marquês de Beaucourt199. Vale, aliás, mencionar elementos da oposição: era em relação a esta publicação de tendência católica200 e conservadora que a Revue Historique propunha a independência de pensamento dos colaboradores. Daí a força do combate anticlerical da revista. Na prática, porém, havia uma concentração de protestantes, israelitas (entre eles o pai de Marc Bloch, Gustave) e apenas alguns católicos. Percebe-se a composição de um certo lobby do conhecimento, também porque a maioria dos autores era proveniente da

École Normale Supérieur (ENS) e da École nationale des chartes201 e contava com muitos

membros influentes na política educacional da França.

Essa disputa era subjacente ao discurso que destacava o método científico, legitimador do que viria a ser publicado. No prefácio era destaque a necessidade de validar o discurso com “provas, envios às fontes e citações”, embora se preservasse o caráter literário da revista, tão estimado pelos franceses202. A história aparecia como “ciência mestra” e, justamente por isso, afastava-se de teorias políticas e filosóficas.

196 “A história que ensina” foi um topos recorrente dentro da concepção moderna de história. Sobre isso,

ver Reinhart Koselleck. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

197 Ibidem, p. 42-43.

198 Gabriel Monod, op.cit., 1876, p. 32.

199 A oposição entre as revistas foi anunciada pelo próprio Monod.

200 Tratava-se do ultramontanismo, doutrina política bastante influente no contexto francês nas primeiras

décadas do século XIX e que defendia a primazia política do papado.

201 Guy Bourdé, Hervé Martin, op.cit., 1983, p. 98.

202 Do original: “tout en réclamant de nos collaborateurs des procédés d’exposition strictement

scientifiques, où chaque affirmation soit accompagnée de preuves, de renvois aux sources et de citations, tout em excluant sévèrement les généralités vagues et les développements oratoires, nous conserverons à

73 Curioso notar que o discurso em nome da imparcialidade parecia não excluir um subtexto político bastante evidente. A história deveria ser estudada com afinco, segundo Monod, para despertar na nação francesa a “consciência de si mesma”, estimulando assim a imperiosa unidade e força moral após a derrota de 1870 na guerra franco-prussiana203. Ainda que um inicial nacionalismo combativo fosse deslizar posteriormente em direção ao pacifismo (não seriam igualmente ecos da situação política francesa durante a Terceira República?), ele deu o tom desse momento historiográfico na França.

A nação, incorporada na forma da República, seria a protagonista da narrativa científica que se estabelecia. Era alimentada por ela e, ao mesmo tempo, motivada pelo esforço de apoiar o seu crescimento. Nesse contexto, a Revolução Francesa virava o mito fundador da Terceira República, senhora da democracia e do estabelecimento das reais fronteiras da França, naquele momento agredidas em função da perda da Alsácia e Lorena.

Através de artigos originais e de ampla publicação de crítica bibliográfica a

Revue Historique, que já nascera grande, ajudava a fincar os alicerces da pesquisa em

história das décadas seguintes. Ela seria ainda influência direta para outras publicações de muito peso: L’Introduction aux études historiques de Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, e os manuais escolares de Ernest Lavisse, Histoire de la France e o “Petite Lavisse”.

Todos esses autores, aliás, tiveram trajetórias bastante semelhantes. O conluio

normalien/chartiste se confirmava: Langlois era proveniente da escola baseada na

Sorbonne, ao passo que os outros vinham da escola fundada à época da Revolução (a ENS)204. Os três normaliens experimentaram também um período de estudos em

universidades alemãs, onde encontraram a grande inspiração de Leopold von Ranke205. Lavisse, inclusive, tivera aulas com seu ex-aluno e colaborador da Monumenta Germania

Historica206, Georg Waitz, e dedicara sua tese de doutorado ao estudo da monarquia prussiana207. Por fim, a afinidade republicana: embora Lavisse inicialmente tivesse se mostrado desconfiado com a instauração da Terceira República, sua simpatia ao governo

la Revue historique ce caractere littéraire, auquel les savants ainsi que les lecteurs français attachent avec raison tant de prix”. Gabriel Monod, op.cit., 1876, p. 2.

203 Guy Bourdé, Hervé Martin, op.cit., 1983, p. 101.

204 Pim den Boer. History as a Profession: the Study of History em France (1818-1914). Princeton, NJ:

Princeton, University Press, 1998, p. 286.

205 Maior expoente da escola metódica alemã.

206 Coleção de documentos alemães. Projeto que seria o grande símbolo da escola metódica alemã. 207 Tereza Cristina Kirschner. “Ernest Lavisse” in: Jurandir Malerba (org.). Lições de História: o caminho

74 se concretizaria no fim da década de 1870, quando o regime se consolidou e Lavisse assumiu o cargo de mestre de conferências da ENS em 1876208.

Observa-se, portanto, a composição de um ambiente cultural e político entre os autores que favorecia essa influência da revista de Monod em seus empreendimentos.

L’Introduction aux études historiques, de Langlois e Seignobos, que viria a ser foco de

muitas críticas dos Annales, parecia bem um eco da Revue Historique. Na sua primeira edição, em 1898, proclamava-se anticlerical e antifilosófica. Na busca pela isenção, preconizava uma espécie de ruptura epistemológica, ao buscar afastar-se do providencialismo cristão, do progressismo racionalista e do finalismo marxista209. O fim do historiador deveria ser o de se “apagar” por trás dos textos, em nome de uma estrita aplicação de documentos. Lembremos: trabalho documental criterioso em nome da propagação de determinado ideal nacional.

Subjacente a este argumento estava uma teoria do conhecimento muito influenciada por Ranke que regularia a prática da pesquisa. Comumente relacionada à proposição de mostrar os acontecimentos “tal qual efetivamente ocorreram”, que hoje sabemos ser bastante reducionista ao que de fato propunha Ranke210 (e, por conseguinte, o que propunham os metódicos franceses), Langlois e Seignobos propunham que o tratamento das fontes mereceria a grande atenção do pesquisador. A relação entre o sujeito (o historiador) e o objeto (a documentação) era a pedra filosofal da prática historiográfica.

Nesse sentido, o trabalho se dividiria em 3 passos primordiais. O primeiro passo era o esforço de inventariar as fontes, a heurística. Entre outros aspectos, propunha-se a conservação dos documentos, sua classificação em fundos de arquivos e a preservação em depósitos a fim de protegê-los do grande perigo de sua perda, fosse pelo esquecimento ou pela destruição material. Tal esforço, levado a cabo por antiquários ao longo do século

208 Posteriormente a sua carreira seria ainda mais alavancada: suplente de Fustel de Coulanges na Sorbonne,

depois diretor de estudos na mesma universidade (a vaga seria ocupada por Monod), indicado à cátedra na Academia Francesa, editor da Revue de Paris e, depois da virada do século, diretor da ENS. Ibidem, pp 354-355.

209 Guy Bourdé; Hervé Martin, op.cit., 1983, p. 102.

210 Destaque para o clássico texto de Sérgio Buarque de Holanda, “O atual e inatual em Leopold von Ranke”

(in Ranke. São Paulo: Ática, 1979, pp.7-62), no qual o historiador brasileiro destaca que o historismo alemão não fecha espaço ao historiador. Nos próprios escritos de Ranke o protestantismo e o prussianismo são bastante evidentes, o que seria um contrassenso em pensar na pura reprodução dos documentos. Ora, a própria escolha de que documentos seriam organizados em arquivos e publicações é, por si só, uma escolha e uma forma de o historiador mostrar-se para além de qualquer esforço de isenção.

75 XVIII211, era naquele momento praticado por especialistas, estabelecidos nos Archives Nationales, na Bibliothèque Nationale e em arquivos municipais, e cuja origem da função

está diretamente associada ao projeto de nacionalização do passado iniciado com a Revolução Francesa, justamente quando da criação desses arquivos e museus. O projeto que a Terceira República herdou da Revolução era bastante claro: oferecer à França um passado que lhe garantisse um futuro, e um grande programa de coleta documental seria o caminho para atingir tal finalidade212. Buscava-se definir a arte nacional, sua literatura, sua cultura e, evidentemente, sua história. Não foram poucas as leis instituídas entre 1870 e 1940 que buscavam a preservação do patrimônio histórico francês213. Nesse sentido, os autores declaravam que todo o processo vivido naquele momento favorecia bastante o desenvolvimento da história que queriam escrever214.

Realizado o inventário, partia-se para a etapa seguinte, a de submeter o documento a operações analíticas. Primeiro a crítica externa, sob a forma do sistema de fichas. Atestar a veracidade do documento, confirmar a data e o lugar onde foi produzido, a sua finalidade, o seu espaço em um conjunto documental mais amplo, enfim, classificar a fonte com a maior exatidão possível dentro de um arquivo. São essas informações que permitirão ao leitor atestar a veracidade das afirmações do historiador. Passa-se daí para a crítica interna, que consiste em completar as fichas com o resumo do conteúdo essencial do documento. Esse procedimento, cunhado como hermenêutica, pressupõe uma intervenção ativa do historiador, no sentido de promover um estudo linguístico a fim de determinar com apuro o valor das palavras e conceitos utilizados, bem como interrogar- se sobre as intencionalidades de quem produziu o documento.

Não seria essa busca pelas entrelinhas uma amostra de que os metódicos eram mais do que meros reprodutores de fontes? Para um historiador “se apagar”, como defendiam Langlois e Seignobos, ele deveria se fazer muito presente, no sentido de buscar no documento algo que ele não diz num primeiro momento. Isso quer dizer que o apego

211 Ver Arnaldo Momigliano. As Raízes Clássicas da historiografia moderna. São Paulo: EDUSC, 2004.

Ver também François Furet. O nascimento da história. Lisboa: Gradiva, s/d.

212 Ver Pierre Nora. “L’explosion du patrimonie”. In: Present, nation, mémoire. Paris: Gallimard, 2001, p.

104. Vale mencionar que ao longo de todo o século XIX houve esforços de patrimonialização do passado. Por exemplo: Guizot, enquanto ministro de instrução pública, foi autor de algumas projetos de preservação de documentos e criação de arquivos durante o império.

213 Temos como exemplos as leis de 1882, que promoviam a organização administrativa das

responsabilidades estatais sobre os museus, e a lei de 31 dezembro 1913, que propunha a classificação dos monumentos históricos. Fonte: http://www.vie-publique.fr/politiques-publiques/politique- patrimoine/chronologie/ (acesso em 12 de dezembro de 2015, às 15:06hs).

76 à narrativa dos fatos apartado de filosofias e refinamentos literários românticos não diminuiriam necessariamente o papel subjetivo do profissional da ciência histórica.

Chegamos à última etapa, a das operações sintéticas. Uma vez organizados os documentos, importa compará-los a outros a fim de estabelecer um fato particular. Dados os fatos, cabe então inseri-los num quadro explicativo mais geral. Importante: não gerais a ponto de estabelecer um sentido para a história, tal como o marxismo, mas apenas conectá-lo a um contexto político, econômico, social, cultural, religioso de maior monta. Esse quadro estabelecido com os documentos existentes permite preencher a lacuna daqueles ausentes. Por fim, a seleção dos fatos que iriam compor a narrativa. Mais uma vez, deparamo-nos com uma escolha consciente por parte do historiador e que torna o projeto dos metódicos mais subjetivo do que se afigura em seus prefácios: ao selecionar o fato “que importa” para a história, esta torna-se a sua história, particular, apesar de idealmente isenta.

A iniciativa de Ernest Lavisse com seus manuais de história também acompanha muito bem o ritmo sugerido por Monod. Sua Histoire de France e o Petit Lavisse foram (e talvez a aplicação do tempo verbal no pretérito seja um pouco inconsistente215) relevantes na formação de muitos franceses. O autor, cuja celebridade precedeu essas publicações, esteve intimamente ligado a círculos imperiais antes da derrota de 1870216,

e após a derrota passou pelo já citado período de estudos na Alemanha. O retorno fora muito proveitoso profissionalmente, e os cargos que assumiu217, somados a uma

capacidade oratória bastante referenciada em salões e universidades francesas218, eram

mostra de que a República também era bastante simpática à sua figura. Apesar de seguir trocando cartas com o príncipe imperial, Lavisse adaptara-se rapidamente à nova realidade política da nação.

Toda essa generosidade seria, de certa forma, retribuída através dos manuais escolares. A ampliação do mercado aparecia quase como mais um presente ao renomado historiador, uma vez que, em 1882, o então ministro da educação Jules Ferry instituiu as leis escolares, que tornaram o ensino primário obrigatório e gratuito. Dois anos depois, lançava o Petit Lavisse, para crianças de 7 a 12 anos, a fim de inspirar o patriotismo nos

215 Apesar de não contarmos com números de vendas, facilmente podemos defender que se trata de um

best-seller e um projeto bem-sucedido até hoje. Durante o meu recente período de doutorado-sanduíche em Paris, deparei-me com edições bastante recentes das duas obras (Petit Lavisse publicado em edição de bolso, e Histoire de France em 2013) vendidas em grandes livrarias e com certo destaque.

216 Com 26 anos atuou como chefe de gabinete do Ministério da Instrução Pública. 217 Ver nota 17.

77 jovens concidadãos219. Nesse caminho de instrução das novas gerações, buscaria incitar

o amor à República220 e apartar o clericalismo que poderia ameaçar as instituições

francesas.

Nesse esforço de moldar um nacionalismo para o porvir, os manuais traçavam a história da França de uma forma que justificasse os passos da nação àquela altura. Sua história remontaria à época galo-romana, e Vercingétorix aparecia como o primeiro herói nacional221. Todo o percurso francês evidenciava a história de uma nação destinada ao protagonismo mundial. A Revolução, pilar das democracias de então, era prova crassa da tese. No contexto contemporâneo, a colonização era plenamente legítima, uma vez que se tratava de educar para o republicanismo222. E tal nação, coberta de passado tão glorioso, deveria fazer no presente jus à herança histórica. Urgia, portanto, preparar a inevitável vingança contra o inimigo hereditário, a Alemanha, que havia pouco subtraíra inestimável parte do território sagrado.

Assim também se organizava o discurso de outra ambiciosa coleção da qual Lavisse esteve à frente, concebida em 1890 e publicada a partir de 1900 (ao todo, foram 9 tomos lançados até o ano de 1922), L’Histoire de France de l’époque gallo-romaine à

la Révolution. A proposta era de promover uma ampla reconstituição do passado nacional

– iniciado na Antiguidade, cabe reforçar. Nas obras, optou-se por uma periodização por reinados, destacando feitos de homens ilustres e aspectos políticos, militares e diplomáticos. Economia e cultura seriam relegados a segundo plano223.

Na década de 1920, L’Histoire de France Contemporaine depuis la Révolution

jusqu’à la paix de 1919 era publicada a fim de completar a coleção anterior, fechando o

marco temporal com textos sobre a contemporaneidade até o então recente fim da Grande Guerra. A organização seria confiada por Lavisse a Seignobos pouco antes de sua morte, ainda em 1922. A coleção parecia, de certa forma, rebelar-se um pouco contra a precaução feita por Monod na Revue Historique, quando ressaltava os perigos de temas contemporâneos à prática da isenção do historiador. Em 1876, a mensagem era clara:

219 Intimamente envolvido com a política republicana, Lavisse foi também um dos redatores da Lei Poincaré

(1886), que propõe uma grande reestruturação do ensino superior no país.

220 Não tanto por ser um republicano, como vimos, mas porque a democracia seria o caminho necessário

para “armar a França”. Ibidem, p.106.

221 https://fr.wikisource.org/wiki/Page:Ernest_Lavisse_-_Histoire_de_France_cours_%C3%A9l%C3%

A9mentaire,_Armand_Colin,_1913.djvu/13 acesso em 23 nov. 2015, às 15:00.

222 Ibidem, p. 112. 223 Ibidem, p. 113.

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Deixamos a nossos colaboradores a liberdade e a responsabilidade de suas opiniões pessoais, pedindo apenas que evitem as controvérsias contemporâneas, e que tratem de seus objetos com o rigor do método e a imparcialidade que exige a ciência224.

Se o contemporâneo não era censurado, ele pelo menos seria evitado. O que permitia a abordagem proposta por Lavisse era o cenário mais amplo: o desafio de aplicar ao tempo recente o método científico da história viria provar, uma vez mais, a importância das instituições republicanas, bem como o protagonismo do francês no cenário mundial.

Ainda que essas corridas páginas deixem de lado considerações centrais sobre a historiografia francesa nesse final do longo século XIX, as que estão aqui presentes são suficientes para mostrar, entre outras coisas, como o apego ferrenho aos fatos que defendiam em nada repreendia a valorização de projetos políticos ao longo dos textos de Monod, Langlois, Seignobos e Lavisse.

Importante também destacar que esses historiadores possuíam uma clara noção de que estavam empreendendo um projeto de bases bem estabelecidas. Monod escrevia: “estamos ainda em um período de preparação, de elaboração de materiais que servirão mais tarde para construir edifícios históricos mais vastos225. Nota-se igualmente uma clara consonância entre o argumento dos autores e a sua prática historiográfica.

Também os seus posicionamentos no cenário político e acadêmico praticamente monopolizaram o fazer historiográfico francês. Ligação com ministério de instrução pública, cargos de chefia em universidades, veiculação em larga escala de suas publicações, tudo isso conjurou uma rede de conhecimento de sólidas bases durante muitos anos.

A rubrica científica que buscavam imprimir em seus ofícios legitimava os discursos e cobria, como já dissemos, um uso evidente da narrativa histórica para um viés político, ao buscar explicar o presente como o caminho correto para um virtuoso futuro. O apego nacionalista buscava convencer os leitores da validade do argumento de uma nação “imortal”, originária de tempos quase imemoriais e cujo horizonte, embora