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Freud: o aparelho de linguagem, o aparelho de memória

função 32 , conforme ela comparece em A interpretação dos sonhos (FREUD,

2.4. O Inconsciente freudiano: condensação e deslocamento

Em A interpretação dos sonhos (1900), obra inaugural da Psicanálise, nada se lê sobre “neurônios”. De fato, este termo não participa mais do discurso que é articulado por Freud na explicitação do aparelho psíquico. A noção de regressão que é central nesta obra está ausente do modelo organicista do arco reflexo, que Freud utilizará para explicar sua mobilidade, que envolve a questão da memória, como podemos visualizar no esquema abaixo:

(FREUD, 1900/2001, p. 521)

Vemos que o sistema perceptual dá entrada à excitação que vem do externo. Aliás, isso desde o Projeto. Nele, Freud diz, como vimos, que : “os órgãos sensoriais são um filtro” uma vez que o sistema não suportaria o excesso de estimulação do mundo externo. Também, há resistência imposta pelo vivo.

Desde o projeto, já existia a ideia de uma tópica psíquica sobre a forma de um funcionamento articulado. Na Interpretação dos sonhos, temos efetivamente a primeira tópica freudiana: o inconsciente (um sistema isolado e fechado), o pré-consciente que, também, se separa do sistema consciente. Na separação, opera a primeira censura entre os sistemas inconsciente (Ics) e pré- consciente (Pcs); e, ainda, uma segunda censura, menos rigorosa que a primeira, opera entre os sistemas pré-consciente (Pcs) e consciente (Cs). Neste último caso, o material latente está “sempre suscetível de se tornar consciente” (KAUFMANN, 1993/1996, p. 265).

70 O que se vê, nesta obra, é um ponto de vista dinâmico, tópico e econômico que marcam a coesão e persistência do trabalho que anima o funcionamento psíquico. No que concerne às demências, interessa que essa coesão e persistência do trabalho psíquico favorece, como diz Kaufmann “a apreensão dos múltiplos destinos das representações psíquicas: giros progressivos, desvios regressivos, impasses e repetições, transformações” (idem, ibidem, p. 265).

Pelo sistema perceptual passam, como vimos, impressões, que incidem nos sistemas Mnem – são traços mnêmicos: “à função como eles se

relacionam damos o nome de memória” (idem, ibidem, p. 518). Quer dizer, memória, aqui, esvazia-se de substância já que o “conteúdo” compõe-se de traços. Ou seja, ela é relacionada a movimento, a operação de articulação entre traços, como lemos na citação de Freud. A palavra-chave é mesmo “associação”:

A associação consistiria, assim, no fato de que, em decorrência de uma diminuição das resistências e do estabelecimento das vias de facilitação, a excitação é mais prontamente transmitida de um primeiro elemento Mnem. para um segundo do que para um terceiro (FREUD, 1900/2001, p. 519).

Assim, temos que o sistema perceptual (Pcpt) é “desprovido da capacidade de reter modificações e, portanto, sem memória” (idem, ibidem, p. 520) - a excitação que atinge o Pcpt é filtrada41 e o que passa, chega aos sistemas Mnem. “Lembranças” podem atingir à consciência (ou não), diz Freud. Elas, contudo, produzem efeitos mesmo em estados inconscientes; afinal, argumenta Freud, “as impressões que causaram mais efeitos em nós são as de nossa primeira infância e precisamente as que nunca se tornam conscientes” (idem, ibidem, p. 519).

Complexidade é acrescentada sistema de memória já que um plural é acrescentado a “sistema” – Freud fala em sistemas Mnen e atribui a eles

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Andrade lembra que Freud fala em “colisão” entre excitação externa e sistema perceptual do aparelho psíquico – colisão indica resistência à estimulação que atinge o aparelho – resistência que é imposta pela e “vivência de um sujeito”. Assim, conclui a autora, filtro significa que “não é

71 funções: registro, associação e retranscrição do mesmo material perceptivo transmitido. Na extremidade motora, está o sistema pré-consciente (Pcs), cuja função é despertar a ação voluntária na consciência. O material do sistema Inconsciente (Ics) só chega à consciência através do pré-consciente. Nesse caso, ao ser submetido ao pré-consciente, o material inconsciente é submetido à censura psíquica (idem, ibidem, p. 521). Freud retira, assim, toda a potência excessiva conferida até então à consciência, que é apenas a ponta de um

iceberg, como veremos. Freud desfaz, com isso, também a antítese entre vida

consciente e vida onírica. Convém assinalar que pensamento inconsciente é “tão ativo durante o dia quanto à noite” (idem, ibidem, p. 585) – sendo os sonhos a expressão maior dessa afirmação. A diferença entre dia e noite (vigília e sonho), diz Freud, é que desejos são barrados pela censura durante o dia e parecem vencê-la nos sonhos – sabemos que “sonhos são realização de desejo” (FREUD, 1900/2001) e que são produzidos pelo sistema Ics. Sonhos são como alucinações porque neles imperam um processo de

regressão enunciado como operação própria do aparelho psíquico:

A única maneira pela qual podemos descrever o que acontece nos sonhos alucinatórios é dizendo que a excitação se move

em direção retrocedente. Em vez de se propagar para a

extremidade motora do aparelho, ela se movimenta no sentido da extremidade sensorial e, por fim, atinge o sistema

perceptivo. Se descrevermos como “progressiva” a direção

tomada pelos processos psíquicos que brotam do inconsciente durante a vida de vigília, poderemos dizer que os sonhos têm um caráter “regressivo” (FREUD, 1900/2001, p. 522) (ênfases minhas).

O movimento de regressão decompõe os pensamentos oníricos - “transforma e figura pensamentos em função de transferências de intensidade do desejo inconsciente” (KAUFMANN, 1993/1996, p. 414); por efeito seja da resistência ao acesso à consciência, seja pela atração exercida pelas lembranças sensoriais, que “puxam” a excitação no sentido inverso daquele “progressivo”. Sonhos são enigmáticos precisamente por essa razão – não são respostas adaptativas e nem tampouco reduzidos ao fenômeno mecânico da

72 atividade sensorial. Freud diz que “o sonho alucina”, ou seja, que as representações são alucinações - imagens visuais e auditivas, o que dá ao sonhador o caráter de uma experiência verdadeira (KAUFMANN, 1993/1996, p. 116). Nesse ponto, cabe assinalar que o sujeito alucina no período avançado da demência, o que deixa ver um estado em que o sistema percepção- consciência no estado do sonho.

Em O Inconsciente (1915/2006, p. 28), Freud mantém o aparelho psíquico representado pelos aspectos dinâmico, econômico e tópico, funcionando “com dois ou três sistemas”: Inconsciente (Ics) e Consciente/Pré Consciente (Cs/Pcs)42. Entretanto, os mecanismos de Recalque e Pulsão são destacados como operações internas ao aparelho psíquico, produzindo modificações teóricas. Mesmo assim, neste texto, a primeira tópica persiste.

Freud afirma que representantes pulsionais43 (e não representações) formam o núcleo do Ics. Ele esclarece que seu objetivo é sempre buscar a satisfação do desejo: “No Ics, tudo o que podemos encontrar são conteúdos

preenchidos com cargas de investimento que podem ser mais ou menos

intensas” (FREUD, 1915/2006, p. 37). Cargas de investimentos são movimentadas por condensação e deslocamento – elas se deslocam e se apropriam de uma representação (ou de outra). Por condensação, “uma única representação pode traduzir diversas cadeias de pensamentos que lhe estão associadas” (KAUFFMAN, 1993/1996, p. 91) e, por deslocamento, representações passam daquelas mais investidas para outras menos investidas: “desliza por caminhos associativos” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1982/2001, p. 116). Esses processos são atemporais e próprios do sistema Ics e característicos, portanto, do processo psíquico primário em que impera unicamente a realidade psíquica.

No sistema Pcs/Cs domina o processo secundário, que submete materiais psíquicos à censura (a censura separa os sistemas Ics e Pcs)44 e à

42Freud não decide sobre se Pcs e C devam ser compreendidos com 1 ou 2 sistemas.

43 A essência da pulsão é pressão (Drang), força constante que não cessa e, a meta é a satisfação. O objeto da pulsão é aquilo que se articula a ela para atingir o alvo e, desse modo, é o elemento mais variável. Cabe ressaltar que o objeto não é algo externo no mundo. O objeto, na psicanálise, é sempre uma representação.

44 A censura impede, desse modo, que materiais e processos inconscientes cheguem ao Pcs sem sofrer transformações.

73 ordenação cronológica, uma vez que é regido, também, pelo “princípio de realidade”:

Ao sistema Pcs cabe viabilizar o trânsito entre os conteúdos das ideias, de modo que elas possam comunicar-se e influenciar-se mutuamente; também é sua tarefa inserir uma

ordem temporal nos conteúdos ideacionais, introduzir uma censura ou várias censuras e submeter tais conteúdos ao teste de realidade e ao princípio de realidade (FREUD,

1915/2006, p. 39) (ênfases minhas).

Interessa assinalar que o sistema Pcs/Cs (ao estilo do sistema Pct) não tem nenhum tipo de registro, de memória, ele é: “apenas um órgão sensorial para a percepção de qualidades psíquicas” (FREUD, 1915/2001, p. 587). Em A

interpretação dos sonhos, Freud afirma que no estado de vigília, a consciência

recebe excitação do sistema sensorial, além das excitações internas de prazer- desprazer. Freud não deixa, contudo, o sistema Pcs/Cs dependente das relações de prazer e desprazer ao afirmar que ele se liga ao “sistema

mnêmico dos signos linguísticos” (lembranças verbais) (idem, ibidem, p.

551). Os pensamentos adquirem qualidades especiais porque associam-se a “lembranças verbais” e “atraem a atenção da consciência” (idem, ibidem, p.

589). Em O inconsciente, Freud qualifica o sistema Pcs como conhecimento

consciente – “um certo saber sobre o sujeito e seu mundo pessoal” que, embora não-conscientes, têm ligação com o sistema consciente. (LAPLANCHE e PONTALIS, 1982/2001, p. 351).

Lembranças verbais “atraem a atenção da consciência”, diz Freud, mas esse não é bem o que ocorre nas demências. Lembranças perdem o estatuto de “lembranças”, em estados avançados da doença. Antes disso, a insistente repetição de “algumas lembranças” parecem ter a função de sustentá-lo em sua história – naquela que ele construiu para si – elas assumem ares de âncoras subjetivas que vão gradativamente perdendo eficácia - ainda que uma fala, que não é qualquer, persista)45.

Ao final de “O Inconsciente”, Freud desenvolve considerações sobre representação-palavra e representação-objeto, que tiveram suas raízes na monografia A Afasia. Em O Inconsciente (FREUD, 1915), a representação-

74 objeto subdivide-se em representação-de-palavra e representação-de-coisa para diferenciar consciente do inconsciente:

Uma representação [vorstellung] consciente abrange a representação-de-coisa [sachvorstellung] acrescida da representação-de-palavra [wortvorstellung] correspondente, ao passo que a representação inconsciente é somente a

representação-de-coisa [sachvorstellung]. O sistema Ics

contém investimentos e carga referente à coisa [sache] que faz parte do objeto (FREUD, 1915/2006, p. 49).

Assim, no Ics só há investimentos na representação-de-coisa, ou seja, em “traços de lembranças que estão mais distantes” (idem, ibidem, p. 49). Já no Pcs, as representações-de-coisa estão vinculadas às representações-de- palavra (que também afetam o sistema Pct), que pode ou não chegar à consciência. As representações-de-coisa não chegam por si à consciência porque, diz Freud, elas não são dotadas de qualidades: “só se tornam palpáveis por meio das palavras” (idem, ibidem, p. 50)46. Interessa-nos que, segundo Freud, só tenhamos alguma apreensão do que pensamos quando falamos. Talvez se possa encontrar, por aí, uma saída explicativa para a tendência ao silêncio dos pacientes com a progressão da doença.

Em 1923, no artigo “o Eu e o Id”, Freud resclarece que a verdadeira distinção entre a representação Ics e a representação Pcs é a conexão com as

representações-de-palavra. Assim, o material desconhecido do Ics só pode

tornar Pcs quando conectado às representações-de-palavra. Ele ressalta, ainda que as representações-de-palavra são “restos-de-lembranças que antes já foram percepções e podem, tal como outros restos-de-lembranças, voltar a se tornarem conscientes” (FREUD, 1923/2006, p. 33). Como consequência, ele

46 Como disse antes, neste trabalho, não se tratam de tipos diferentes de representações. Não se pode entender, tampouco, que as representações-de-palavra estão em outro registro (Pcs). Segundo Laplanche e Pontalis (1982/2001, p. 450), o termo representação-de-coisa está bem próximo ao “traço mnésico”. È um investimento que associa os traços inscritos, ou seja, “não é em si mesmo nada além do que a inscrição do acontecimento”. As representações de palavras dizem respeito à verbalização e consciência. È a passagem do processo primário ao secundário. Contudo, não são variações de traços mnésicos, como se fossem tipos diferentes de representações. Isso porque, Freud observou que, na esquizofrenia, a representação-de- palavra pode ser tratada como representação-de-coisa, ou ainda, as frases pronunciadas no estado de vigília sofrem condensação e deslocamento na construção dos sonhos, como representação-de-coisa.

75 afirma: “somente pode se tornar consciente aquilo que já foi uma percepção Cs [excetos os sentimentos]” (idem, ibidem, p. 33).

Este ponto é de grande peso teórico. Lacan reconhece que Freud inaugura, desde o início da teorização, “com certa dificuldade”, a linguagem como estrutura e função - “[...] um impasse que o próprio Freud ressalta e que se explica pelo estado da linguística em sua época” (LACAN, 1959-60/1995, p. 60). Andrade sublinha bem este ponto, ao dizer que:

A dessubstancialização do material perceptual – traços “sem qualidade sensorial particular” - aliada ao lançamento desses traços a um permanente movimento associativo, leva Freud a descobrir “o funcionamento dos símbolos como tal”, como assinalou Lacan no Seminário II (ANDRADE, 2003, p. 101).

Recolhemos, de fato, em Freud, que no inconsciente, esse movimento associativo opera por deslocamento e condensação, como a própria estrutura da linguagem (pela via da metáfora e metonímia). O sistema PCs, por sua vez, tem estreita relação com a representação verbal e, portanto, com a linguagem como função (articular cadeia). O sujeito, quando muito, pode ter alguma apreensão do pensamento nos sinais articulados da fala:

Ele [Freud] compreendeu admiravelmente e formulou a distinção a ser feita entre a operação da linguagem como função, ou seja, no momento em que ela se articula e desempenha, com efeito, um papel essencial no pré- consciente, e a estrutura da linguagem, segundo a qual elementos colocados em jogo no inconsciente se ordenam (LACAN, 1959-60/1995, p. 60).

Neste ponto, vemos com maior clareza, que o funcionamento psíquico é memória governada por uma estrutura de linguagem. Linguagem não é memória – Freud não autoriza esta leitura – mas é certo que esses domínios são “concomitantes dependentes” para utilizar uma expressão do próprio Freud em A afasia (quando ele ressignifica o paralelismo psicofísico de Jackson).

76 Vimos que representação-de-coisa e representação-de-palavra caracterizam o material Pcs e que esse material é aquele que ali chega “autorizado” pela censura – esse mecanismo responde pelo jogo entre lembrar e esquecer, que é tão importante para um entendimento das demências. Freud nos diz que, na vigília, quando lembramos sonhos, estamos frente ao “poder da censura psíquica” - por isso, rapidamente os esquecemos ou aquilo que deles resta como lembrança são “substituições falsas”. Esse mecanismo de lembrar- esquecer sonhos na memória consciente está implicado, acrescenta ele, em

esquecimentos de outros atos psíquicos (idem, ibidem, p. 503). Como no

trabalho dos sonhos, eles são regidos pelas operações de deslocamento e condensação.

Convém dizer que a primeira tópica freudiana (Ics e Pcs/Cs) foi ressignificada, a partir de 1920. Assim, novas distinções tópicas (Id ou Isso, ego ou Eu e superego ou supereu) foram introduzidas e o Ics, o Pcs e o Cs “são assim integrados nessas três instâncias” (KAUFMANN, 1993/1996, p. 266). Na primeira tópica, o Ics tem sua origem no recalcamento, o que define a cisão entre Ics e Pcs/Cs. O material “latente”, capaz de se tornar consciente, pertence ao sistema Pcs e, o material incapaz de se tornar consciente compõe o Ics (FREUD, 1923/2006). Já na segunda tópica, essa separação é diluída e as “instâncias” são interpenetráveis (LAPANCHE e PONTALIS, 1982/2001, p. 221).

Freud reconhece, em 1923, no artigo “o Eu e o Id”, que algo passa à consciência e é capaz de produzir um mal-estar, mas o sujeito “não saberia nomeá-la e nem apontá-la” (idem, ibidem, p. 31). Esse reconhecimento leva Freud a afirmar que uma parte do Eu47 só pode ser Ics. Disso decorre, ainda, que “nem todo Ics é recalcado” (idem, ibidem, p. 32). Com certas distinções, o

Isso, da segunda tópica, é equivalente ao Ics da primeira tópica. O Isso é

“reservatório de energia psíquica” (idem, ibidem, p. 219). Entretanto, aplica-se a ele também o recalcado, uma parte profunda do Eu (inconsciente e não mais latente como no Pcs) e o supereu, herdeiro do Complexo de Édipo. “Assim se perfila uma dimensão de inconsciente nova. Esse inconsciente, nem apenas

47 Neste texto, Freud afirma que o Eu é a força coesa de todos os processos psíquicos. O Eu, diz ele, controla a motricidade e percepção e, por isso, tem a consciência atada a ele. “Também desse Eu que procedem os recalques” (FREUD, 1923/2006, p. 31).

77 recalcado, nem apenas latente, perde de certo modo seu valor de instância” (KAUFMANN, 1993/1996, p. 266).

A consciência, na primeira tópica – o sistema ω no Projeto e, depois o

Pcs/Cs, em 1915. – é um sistema autônomo. O Eu, na segunda tópica, engloba as funções do Pcs, em sua maior parte. Entretanto, “o Eu, e é este o ponto que Freud mais insiste, é e grande parte inconsciente [...] que se comporta exatamente como o recalcado” (LAPANCHE e PONTALIS, 1982/2001, p. 133). Ao Eu atribui-se variadas funções, como controle da motilidade e da percepção, prova de realidade, ordenação temporal dos processos mentais, defesa contra as pulsões. Ou seja, é um mediador que “está submetido a uma tríplice servidão, e é por isso mesmo ameaçado por três espécies de perigo: o que provém do mundo exterior, o da libido do Id, e o da severidade do superego” (idem, ibidem: 134). O superego48 é uma parte do Eu e assume o valor de juiz para o sujeito, ou seja, o ideal do eu para o sujeito (KAUFMANN, 1993/1996), renunciando, assim, aos destinos das pulsões.

Uma nova dimensão de inconsciente que não modifica a relação memória-linguagem que vimos até agora. A virada está no advento do “não- sabido” à consciência e a fragilidade de se estabelecer dois sistemas (Ics e Cs) (KAUFMANN, 1993/1996). O passo seguinte, dado por Lacan, foi introduzir o sujeito sem aniquiliar esse “não-sabido”. Por isso, ele fala em “sujeito do inconsciente” ao invés de “eu do inconsciente”. Assim, para o “eu que fala, o sujeito do inconsciente é um ele e não um eu”. (idem, ibidem, p. 502).

Até este ponto, acompanhamos como Freud vai arquitetando a relação memória-linguagem como “concomitantes dependentes” e suspende o dualismo que embase as propostas cognitivistas. Tendo em vista a interrogação que esta tese levanta sobre falas em pessoas com demências um passo a mais em Freud faz-se necessário no que diz respeito aos mecanismo lembrar-esquecer.

48 O superego ou supereu nasce com a introdução do narcisismo e está determinado pelo declínio do Complexo de Édipo (KAUFMAN, 1993/1996).

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