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3.2 OS MODELOS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

3.2.1 Os juizados de instrução

3.2.1.3 O modelo da Bélgica

Embora tenham existido propostas para a alteração da legislação processual belga (1878, 1901, 1902, 1914, 1938, 1981), o processo penal daquele país, basicamente, é regido pelo Código de Instrução Criminal de 1808. Este é dividido em dois livros: Livro I, “da Polícia Judicial e dos agentes de polícia que o exercem”, e Livro II, “da Justiça”.319

O sistema da Bélgica, como o da França, possui Juizado de Instrução. Aliás, o modelo belga guarda muita semelhança com o sistema francês, sendo que as diferenças são basicamente de nomenclatura, também pode ser considerado híbrido. O Juiz Instrutor atuará como investigador em determinadas infrações penais, sendo que, em outras a investigação será presidida pelo Ministério Público.320

318 CHOUKR, 2001, p. 54.

319 DELMAS-MARTY, 2000, p. 204-5.

Tendo em vista essa característica – bifronte, como o da França - Kac321 entende que no sistema belga a presidência e a condução da investigação preliminar são do Ministério Público:

Ao Ministério Público, deve ser dado imediato conhecimento da prática de delitos ocorridos, sendo o comunicado feito pelos oficiais de polícia ou por informes de todo e quaisquer funcionários, autoridades e oficiais público, que têm obrigação de lhe dar ciência do cometimento de infrações penais. O procurador do Rei, quando comunicado da prática de uma infração penal, procede a todos os atos de instrução e informação do procedimento, no caso de situações graves e urgentes. [..] Na ausência do Procurador do Rei, o juiz de instrução poderá praticar os atos daquele, agindo por poder delegado nesta qualidade.

Em regra, são cinco as fases do processo penal belga. A primeira, chamada de informação (information), é tipicamente de investigação e está a cargo do Ministério Público. A segunda fase é a da instrução preparatória (l’instruction), que é investigatória e de instrução processual, sendo conduzida pelo Juiz de Instrução. A seguir, se tem a fase de ordenação do processo (ordenation), pela “Sala do Conselho”, a qual é de controle sobre as fases anteriores, que está sob incumbência do Juiz Instrutor. As duas últimas são a de acusação (mise em

accusation), para a remessa à última fase, ou seja, fase de julgamento pelo Cour d’Assises.322

O sistema da Bélgica é considerado misto. A primeira fase (información) segue um modelo do tipo inquisitorial – secreto - e será conduzida unilateralmente visando à formação do sumário penal (dossier penal). A fase da (instrucción) também será inquisitória. Somente a última fase, a fase do juízo oral, será acusatória.323

A decisão pela espécie de investigação a ser utilizada – información ou instrucción -, bem como pelo presidente da fase, dar-se-á conforme a espécie de infração penal. Caso seja um delito ou contravenção, a apuração, em regra, se dará por información, com condução pelo Ministério Público. Nos casos graves – crimes - a apuração será por instrucción, a cargo do Juiz de Instrução.324

No caso da investigação judicial, o Juiz de Instrução agirá juntamente com os oficiais de Polícia Judiciária.Vale dizer que no sistema belga o Juiz Instrutor encarna três funções correlatas: é um oficial de Polícia Judiciária; é um Juiz de Instrução propriamente dito; e

321 KAC, 2004, p. 67.

322 DELMAS-MARTY, 2000, p. 217-20. O autor esclarece que a fase preparatória do processo penal dedicada à

formação do sumário penal será realizada através da informação ou instrução. Em sentido estrito, a informação compreende tanto o procedimento do Juiz de Instrução, como a atuação da Polícia Judiciária, sob a direção do Ministério Público. As atuações da Polícia Judiciária chamam-se geralmente de informação, em oposição à instrução. Somente de maneira excepcional que a instrução não é procedida pela informação, a qual é o procedimento mais corriqueiro de apuração dos fatos criminais.

323 Ibid., p. 217-8. 324 Ibid., p. 217-9.

representa o Judiciário em primeira instância, como Juiz. Nos atos de instrução, ele tem poder jurisdicional e é independente do Procurador-Geral. Entretanto, como oficial de Polícia Judiciária, no qual os atos são administrativos, ele é submetido à hierarquia.325

Sobre a forma de atuar da Polícia Judiciária e do Ministério Público, bem como as relações entre essas instituições no sistema da Bélgica, Delmas-Marty326 pontua que:

La Policía judicial tiene por misión investigar las infracciones y reunir las pruebas (art. 8 CIC). El conocimiento de una infracción (ya sea de oficio, por querella o por denuncia ante la Policía) da lugar a la redacción de una acta – procès-verbal -. Aunque la Policía judicial recibe sus poderes de la ley y actúa de oficio, los ejerce, sin embargo, bajo la dirección del Fiscal del Rey y bajo la supervisión de Fiscal General. Una vez informado de los hechos, el Fiscal del Rey dirige la investigación y coordina la acción de las diferentes fuerzas de policía.

Nos casos de prisão em flagrante, via de regra, é o Procurador do Rei quem vai ao local do fato, realizando uma investigação oral, para constatar a materialidade do delito. Após dará conhecimento dos fatos ao Juiz de Instrução. Mas os oficiais de polícia também podem proceder à prisão em flagrante, da mesma forma que o Procurador do Rei. Ainda, podem ambos proibir que as pessoas deixem suas residências ou lugar em que se encontrem, e, além disso, podem capturá-las no caso de desobediência.327

Terminadas a fase preparatória (informacción) e a intermediária (instrucción), acontece, em regra, a fase de controle da investigação e a admissibilidade da acusação. Decidindo o Juiz de Instrução pelo envio do imputado a julgamento, ele remete o sumário

(dossier) com as requisições (réquisitions) do Ministério Público à Sala do Conselho,

composta por um Juiz. Esse Magistrado, novamente, valorará os indícios das fases anteriores, escolhendo, se for ocaso, o tribunal competente para julgar o fato.328

325 CHOUKR, 2001, p. 61.

326 DELMAS-MARTY, 2000, p. 220. 327 KAC, 2004, p. 66-7.

328 DELMAS-MARTY, op. cit., p. 214, 219-226. Na Sala de Conselho, antes da decisão do magistrado, é

estabelecido um contraditório, podendo o acusado e seu defensor refutarem a acusação do Ministério Público Caso decida pelo prosseguimento do processo, poderá ainda o feito passar pela Sala de acusação – mise em accusation -, a qual funcionará como mais uma instância de controle e admissibilidade do processo, antes da remessa a julgamento.