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Os modelos do Uruguai, Bolívia e Chile

3.2 OS MODELOS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

3.2.1 Os juizados de instrução

3.2.1.5 Os modelos do Uruguai, Bolívia e Chile

No Uruguai vige um Código de Processo Penal de 1980, sendo que o procedimento processual se desenvolve em duas fases. Na verdade, a fase chamada de instrução é dividida em pré-sumário e sumário. A fase da instrução tem caráter tipicamente inquisitorial, uma vez que é sigilosa e escrita. Ela pode ou não ser precedida de uma investigação preliminar levada a cabo pela Polícia Judiciária, a qual, quando existe, é denominada de pré-sumário.343

A etapa do pré-sumário é severamente atacada por sua inquisitoriedade e por não ter prazo definido para ser encerrada. Já na fase do sumário, o procedimento é dirigido por um juiz, mas não tem características plenas do processo acusatório. Não há uma divisão total das funções de julgar, defender e acusar, sendo que há apenas o acusado e o acusador. Na etapa do pré-sumário, como é característico da investigação preliminar, não existe contraditório.344

Na fase do sumário, o imputado tem a faculdade de postular pela realização de diligências probatórias, mas que poderão ou não ser atendidas a critério do juízo. Na hipótese de ser aceita a requisição do investigado, este não tem a possibilidade de intervir na sua realização, embora o defensor possua algum controle sobre o desenrolar da fase do sumário. Havendo a necessidade de medidas cautelares de urgência, elas serão postuladas ao Magistrado que preside o sumário, sendo que as partes poderão recorrer às instâncias judiciárias superiores, para revê-las.345

Desse modo, temos no Uruguai um modelo tipicamente inquisitório, em que há pouca preocupação com as garantias do imputado. Parece-nos que dos modelos com características inquisitoriais estudados, o uruguaio desponta como um dos mais autoritários. Isso se verifica pela confusão entre as partes do processo e pela situação da gestão da prova estar, direta ou indiretamente, nas mãos do juiz.

O sistema da Bolívia também é de Juizado de Instrução e, quanto à ideia de garantias, relativas ao investigado, trata-se de um modelo extremamente atrasado. Além da fase da investigação preliminar, que é presidida pelo Juiz de Instrução, este também é responsável pelo início da ação penal.346

Desse modo, o Ministério Público não é o titular exclusivo da ação penal na Bolívia, pois o Juiz de Instrução, depois de conduzir a investigação preliminar, ele próprio, de ofício,

343 KAC, 2004, p. 84. 344 Ibid., p. 84-5. 345 Ibid., p. 85

pode iniciar o processo criminal. Trata-se de um modelo inquisitivo praticamente puro, o qual contraria frontalmente os princípios acusatórios. Ao investigado são negados os direitos mínimos, sendo ele submetido a todo tipo de constrangimentos e pressões.347

No caso do Chile, também é o Juiz Instrutor quem preside a investigação preliminar, a qual é realizada pela polícia. O sistema é notoriamente inquisitivo, uma vez que, além da fase pré-processual ser conduzida por ele, o Juiz de Instrução, no momento que achar satisfatórias as investigações, ofertará a acusação. O mesmo Magistrado que conduziu essas duas fases, ao final do processo também o julgará.348

O Ministério Público tem papel insignificante no modelo do Chile, uma vez que não tem função de acusador, a qual foi extinta em 1927, na época se avaliou que sua função tinha relevância insignificante para o sistema.349

A atuação do Ministério Público na persecução criminal chilena restringe-se a elaborar pareceres – somente em casos restritos e mediante requerimento ao Juiz podem iniciar a ação penal. Os promotores no Chile são considerados funcionários do Poder Judiciário.350

Abordando a questão do fim do Juizado de Instrução na América Latina, como elemento a contribuir para a transição de um modelo inquisitório para o acusatório, Binder351 observa que:

En este sentido, su primera contribución consiste en liberar al juez de la investigación. Este problema se ha distorsionado y superficializado. Por qué queremos liberar al juez de la investigación? Precisamente para que sea juez. El problema central no es quien investiga, sino quien controla la investigación y toma las decisiones netamente jurisdiccionales durante la instrucción y allí la respuesta no pode ser otra que atribuir esas actividades a los jueces. Y si el juez no tiene que investigar ni las Constituciones republicanas quieren que lo haga. Hay quienes han dicho: bueno, entonces establezcamos dos jueces, uno que investiga y otro que controla la investigación. Pero ello es sólo una cuestión de nombre, ya que el juez de investigación no sería otra cosa que un fiscal que forma parte del Poder Judicial (como es el caso de Costa Rica, por ejemplo.

Um dos argumentos de ataque à condução da investigação preliminar pelo Juiz de Instrução na América Latina, como nos modelos em questão, é que este sistema de vertente

347 BASTOS, 2004, p. 80.

348 Ibid., p. 81.

349 BINDER, 1997, p. 168. O autor questiona isto: no contexto de um sistema inquisitivo, como acontece em

muitos países latino-americanos, que papel ocupa o Ministério Público Penal? Segundo ele: “Pareciera que ninguna, y eso es lo que llevó a algunos países – como Chile y Honduras – a suprimir substancialmente esa institución. La reconocida frase de que el Ministerio Público es en el proceso penal la quinta rueda del carro, que solamente demora el proceso sin que aporte nada significativo, es una realidad cotidiana en la mayoría de los países latinoamericanos”.

350 BASTOS, op. cit., p. 82. 351 BINDER, op. cit., p. 174.

inquisitiva se caracteriza pela formalização, registro e sacramentalização dos atos.352 No outro extremo, quando acontece desformalização da investigação criminal, caminha-se para um sistema em que vigora a oralidade, com maior proximidade do modelo acusatório.353

Mas há outros problemas: a invencível carga de trabalho; a investigação sem controle e sua formalização; e a conversão automática, em juízo, da prova produzida na investigação. Ainda mais a questão da defesa e informação nas etapas policiais; o controle das medidas cautelares, mormente a prisão preventiva, e a duração do processo. Essas são questões mais importantes, sob o aspecto processual, do que o debate restrito sobre o modelo de investigação preliminar. Nesse sentido, acrescenta Binder354:

Buena parte de la discusión ha girado alrededor del carácter jurisdiccional o no de los actos de investigación y poco se ha esclarecido acerca de la naturaleza y diferencias de los actos de investigación y el concepto más comprensivo de actos de instrucción. O se ha discutido acerca de la constitucionalidad de la entrega de la investigación al Ministerio Público sin indagar con profundidad el modelo constitucional de administración de justicia y, en especial, la función de los jueces.

É importante ressaltar, como fecho, que as discussões e soluções acerca do sistema processual na América Latina têm sido um tanto superficiais. Copiamos, importamos e reformamos nossos sistemas inspirados em modelos estrangeiros, na maioria das vezes, estranhos a nossa realidade. Nessa lógica, a cada problema que surge recorremos a uma reforma constitucional, a qual, muitas vezes, aumenta os problemas já existentes.355