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[...] a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1985, [é uma] política adotada pelo Estado em relação ao livro didático durante a redemocratização do país. Tal política centralizava, no âmbito federal, o planejamento, a compra e a distribuição gratuita do livro escolar para a maioria dos alunos da educação básica do Brasil (CASSIANO, 2013, p. 23).

Segundo Cassiano (2013), no período que compreende 1938 e 1985, o livro didático brasileiro passou por um rigoroso controle estatal de produção, circulação e uso, principalmente no período da ditadura militar (1964-1985). Assim, quando publicado o decreto que instituiu o PNLD, sequer foi mencionado que este programa substituiria o PLIDEF. Segundo a pesquisadora, isso se deu em razão de uma estratégia política de apagamento de qualquer imagem associada à ditadura militar, uma vez que o PLIDEF havia sido criado em 1971, ano em que os militares governavam o país. A ideia era agregar valor

14 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=39521- chamada-publica-ies-2017-resultado-pdf&category_slug=maio-2016-pdf&Itemid=30192. Acesso em 3/6/2016.

positivo ao PNLD e, por isso, sua total dissociação por parte do governo democrático vigente que, a partir de 1985, se auto intitulava “Nova República”.

Embora se observe a manutenção de boa parte da base do PLIDEF, o PNLD deu início a uma revolução nas políticas públicas para a produção, circulação e uso do livro didático no Brasil. O traço diferencial, segundo Cassiano (2013), encontra-se em dois momentos distintos: em 31 de maio de 1985, o documento Educação para todos: caminho para a mudança, é criado pelo então Ministro da Educação Marco Maciel; em 1993, temos o Plano Decenal de

Educação para Todos. O primeiro se destaca pelos princípios de instauração do PNLD; o

segundo pelo conjunto de alterações feitas ao programa, as quais seriam executadas a partir de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (CASSIANO 2013).

O PNLD surge vinculado ao Programa Educação para Todos (PET), oriundo de um documento maior chamado Compromisso com a nação, resultante da união entre a Aliança Democrática e a Frente Liberal - dissidência do Partido Democrático Social (PDS) - e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), instituindo-se em sete de agosto de 1984. O documento apresentava as seguintes propostas: reforma das instituições a fim de alcançar a plena democracia, modificação na economia, reprogramação da dívida externa, revisão da política salarial, debate para uma nova Constituição. Após a posse de José Sarney como presidente em 31 de maio de 1985, a proposta Educação para todos: caminho para a

mudança é encaminhada pelo então ministro Marco Maciel. Do documento, destacamos a

política social daquele governo que tinha como uma das metas a universalização do ensino de primeiro grau (CASSIANO, 2013).

Percebemos que havia uma preocupação do governo Sarney com as camadas populares do país. Por isso, o documento acima citado apresentava uma preocupação em resolver os problemas educacionais herdados do regime militar, assumindo uma postura assistencialista. Eis os problemas:

a) A falta de uma consciência nacional sobre a importância política social da educação;

b) Baixa produtividade no ensino; c) Aviltamento da carreira do magistério;

d) Inexistência de um adequado fluxo de recursos financeiros para a educação básica (CASSIANO, 2013, p. 57).

Segundo a mesma pesquisadora, os itens “B” e “D” são os “alicerces para o que veio a se constituir a política pública para o livro didático no país redemocratizado” (CASSIANO, 2013, p.57). Ela ainda destaca que, além de um cunho assistencialista, o PNLD também atendia às orientações do Banco Mundial, sobretudo quando se tratava da Região Nordeste, assistida em 43% do total de exemplares distribuídos em 1986. Apesar de ter implementado mudanças significativas, como a substituição do livro descartável (que continha exercícios na própria publicação) pelo livro não consumível, outras duas propostas do PNLD custaram a ser implantadas. Primeiro, temos a escolha do LD pelo professor, que somente seria consolidada na primeira metade do século XXI. Dentre os principais problemas para a efetivação dessa proposta, levantados por Cassiano, destacam-se a rotatividade dos professores das escolas públicas (o que faz com que determinado docente trabalhe em uma escola durante um ano e tenha escolhido um livro. Ao trocar de escola no ano seguinte, é possível que o livro escolhido pelos professores da futura escola não coincida com o da escola anterior). Também constam nos relatos reclamações de escolas que receberam livros didáticos, os quais não haviam sido selecionados pelos seus professores. Quanto à distribuição gratuita do LD para o ensino fundamental das escolas públicas, verifica-se que esta somente passou a ser cumprida a partir de 1995 (CASSIANO, 2013).

A segunda fase do PNLD é assim denominada e marcada por Cassiano (2013) a partir do Plano Decenal de Educação para Todos. Este documento é resultante da Declaração

Mundial sobre a Educação para Todos, confeccionado pela Conferência Mundial sobre

Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, em Jomtien (Tailândia), no período de 5 a 9 de março de 1990. Este evento foi realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial (CASSIANO, 2013).

O Plano Decenal de Educação para Todos, publicado em 1993, significou o compromisso assumido pelo Brasil naquela conferência internacional; ele “delimitava em quais esferas deveriam se concentrar os esforços e recursos [...] para se alcançar a universalização da Educação Básica no Brasil, assegurando os padrões de qualidade básicos” (CASSIANO, 2013, p. 78). Sua divulgação esteve a cargo da Associação Brasileira dos Editores de Livros (ABRELIVROS), que o publicou e distribuiu a todos os órgãos públicos brasileiros, inclusive às escolas. Segundo a pesquisadora, esse ato dos editores se realizou por conta das diretrizes constantes no documento, as quais “priorizavam o livro didático como

recurso pedagógico essencial e previam políticas públicas que deveriam privilegiá-lo” (CASSIANO, 2013, p. 78).

Merecem destaque documentos produzidos por agências internacionais e mencionados por Cassiano (2013, p. 79), os quais tinham como finalidade a melhoria da educação em âmbito mundial e destacavam a importância do livro didático para a consolidação do projeto. São eles:

O Relatório Jacques Delors, resultante de trabalhos desenvolvidos, de 1993a 1996, pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI da Unesco, considera o livro didático como ‘o suporte mais fácil de manejar e mais econômico’ (DELORS, 1998, p. 192). Uribe (2006) apresenta vários estudos do Banco Mundial, dos anos 1990, direcionados para a América Latina e Caribe, em que os resultados são contundentes em relação aos benefícios do uso do livro didático na educação fundamental dessas regiões, principalmente quando são considerados os indicadores de custo x benefício.

O ano de 1996 marca o início de um rigoroso sistema de avaliação, inaugurado pelo MEC. O processo avaliativo visava investigar a qualidade do LD. Seu objetivo, além do aprimoramento da distribuição e da melhoria do livro didático adquirido, visava também o aprimoramento do professor que, por sua vez, iria selecionar e avaliar a qualidade desse livro. Rojo e Batista (2008, p. 28-29) argumentam que:

[...] por meio do Plano Decenal de Educação para Todos, assume como diretrizes, ao lado do aprimoramento da distribuição e das características físicas do livro didático adquirido, capacitar adequadamente o professor para avaliar e selecionar o manual a ser utilizado e melhorar a qualidade desse livro, por intermédio da definição de uma nova política do livro no Brasil.

Visando a qualidade do livro didático, o Ministério da Educação criou comissões demarcadas por áreas de conhecimento para que fossem delimitados os critérios e as classificações da avaliação. O resultado desse processo seria publicado nos Guias de livros

didáticos, os quais seriam distribuídos com a finalidade de orientar os professores quanto à

seleção dos manuais didáticos ali apresentados (CASSIANO, 2013).

A avaliação dos livros didáticos brasileiros é tida como um dos mais importantes avanços no que diz respeito à produção, circulação e uso do LD, datada no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1996. Mas outras medidas também se destacam nesse ano. Cassiano (2013, p. 84) assim as destaca, a partir das afirmações do então Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza:

[...] A elaboração de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em todos os níveis e modalidades da educação básica, a criação de sistemas de informações, principalmente advindos dos vários censos educacionais, e a instituição de sistemas brasileiros de avaliação educacional, para todos os níveis de ensino.

O pleno atendimento do PNLD para todos os alunos da Educação Básica e a criação de um processo de avaliação do LD atuam junto aos critérios dispostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A principal finalidade é a proposta de uma Reforma Curricular, empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso e executada a partir dos critérios acima mencionados, os quais conferem visibilidade a esse governo e uma consequente legitimidade, seja por parte de certos setores da mídia brasileira, como a Revista

Veja e a Folha de São Paulo, seja por parte de um discurso acadêmico criado a partir de uma

bibliografia produzida por pesquisadores participantes do PNLD. São especialistas que atuam em várias etapas e em vários setores do Programa, destacando-se os coordenadores das áreas de avaliação dos livros didáticos. Conforme observação da autora, percebemos que imperam alguns nomes nessas coordenações, salvo algumas exceções (CASSIANO, 2013). Assim, a avaliação do PNLD 2002 ficou a cargo das universidades às quais os coordenadores estavam vinculados. Destacamos apenas os coordenadores da área de Alfabetização e Língua Portuguesa pela afinidade e pela identidade da área com a nossa pesquisa:

[...] Alfabetização e Língua Portuguesa ficaram oficialmente sob a responsabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os professores Antonio Augusto Gomes Batista, Magda Soares e Maria da Graça Val, além de docentes dessa universidade, também são pesquisadores do CEALE, instituição fortemente envolvida no processo da avaliação dos livros didáticos desde a sua implementação [...] Apesar de a área de Língua Portuguesa ser diretamente vinculada à UFMG, os professores Egon de Oliveira Rangel e Roxane Rojo – esta também participante da equipe do Ceale, e em 2006 passou a ser docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – responsáveis pela coordenação da área, pertenciam ao quadro de docentes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) (CASSIANO, 2013).

Quanto ao PNLD, Cassiano (2013) afirma que sua continuidade e sua consolidação lhe conferem uma categoria de política de Estado. Também acrescenta que as implementações e modificações sofridas pelo referido programa atendem às demandas instituídas pelo Banco Mundial para países em desenvolvimento. No caso do Brasil, essa parceria se iniciou na década de 1970 e se efetivou a partir das relações do então Ministro Paulo Renato de Souza com aquela instituição, antes de ocupar o cargo de ministro. Como forma de garantir um

ideário de gestão positiva ao PNLD no governo Fernando Henrique Cardoso, a avaliação do LD foi enaltecida nos documentos oficiais como o Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003). Por outro lado, desqualificou o professor, julgado como malformado instrumentalmente para selecionar adequadamente os livros didáticos indicados como positivos pelas comissões avaliadoras. Isso porque, de 1997 a 2004, observou-se que os livros selecionados pelos professores compunham, majoritariamente, os quadros recomendado com

ressalvas ou não recomendado. A solução encontrada pela Comissão Avaliadora do PNLD,

ao que tudo indica, não foi buscar as causas junto aos professores. Ao contrário, optou-se pela exclusão da categoria não recomendado:

Na medida em que a avaliação oficial dos livros didáticos vem instituída paralelamente aos PCNs, em 1996, o discurso oficial que repudia os livros anteriormente adotados e desqualifica o professor que está em sala de aula, está, ao mesmo tempo, legitimando os livros aprovados pela comissão de

avaliação, que é formada por profissionais de reconhecida competência

técnica. [...] Nessa relação entre Estado e escola, há uma tensão em que predomina o apagamento tácito da voz do professor, que nesse processo está desigualmente posicionado em face do discurso oficial instaurado e legitimado (CASSIANO, 2013, p. 110).

O final do governo Fernando Henrique Cardoso é marcado, no Programa Nacional do Livro Didático, por um documento: “História do Livro Didático 1995-2000/ Educação agora são outros 500”, que apresenta uma retrospectiva do programa enquanto gestado pelo então Presidente da República. Ao assumir o cargo de Presidente do Brasil em 2003, Luís Inácio Lula da Silva deu prosseguimento ao PNLD, configurado no governo anterior. Porém, ampliou significativamente o campo de atuação do referido programa, a começar por atender às reivindicações dos autores e editores de livros didáticos brasileiros, a partir de um documento por eles elaborado e entregue ao presidente eleito. Dentre outras, solicitavam revisão dos processos de avaliação do LD, no que foram atendidos a partir do PNLD 2005, com a exclusão das categorias de avaliação bem como a divulgação das obras excluídas. O documento apresentava dois tópicos: o primeiro reivindicava que o governo viabilizasse o acesso de professores e alunos a obras didáticas impressas e o segundo apresentava sete reivindicações acerca do funcionamento do PNLD (CASSIANO, 2013):

1) Que o PNLD não sofresse descontinuidades ou interrupções de qualquer natureza, excetuando-se as alterações anteriormente sugeridas no que concerne à avaliação e à operacionalização desse Programa, principalmente

no sentido de se haver maior flexibilização nos prazos estabelecidos para os editores;

2) Que fossem incluídos no PNLD a aquisição e distribuição de livros didáticos de inglês e espanhol;

3) Que fosse incluído no Programa a distribuição de livros de todas as disciplinas para todos os alunos do Ensino Médio;

4) Que se reavaliasse a posição vigente em relação ao livro consumível, especialmente para as quatro primeiras séries do ensino fundamental (...) “Portanto, a exclusão dos livros consumíveis não deveria se apoiar em critérios puramente econômicos, como atualmente, em que o FNDE atende apenas a alunos da 1ª série com livros desse formato” (ABRALE, ABRELIVROS, 2002, p. 27).

5) Que os critérios da avaliação do PNLD fossem revistos [...]

6) Revisão em algumas etapas do Programa, visando ao cumprimento de todas as etapas com um mínimo de burocracia e com máximo de transparência e respeito às instituições envolvidas no processo;

7) Que se verificasse a sustentabilidade jurídica e legal do PNLD, para aferir se seria necessária alguma outra garantia legal, como uma lei específica, para torná-lo um Programa permanente, com recursos assegurados e livres de potenciais instabilidades políticas, resultantes de medidas específicas adotadas pelo governo do momento (CASSIANO, 2013, p. 146-147).

O PNLD, em 2003, já havia conseguido criar uma identidade na educação pública brasileira. Esse feito foi reivindicado e exaltado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O governo seguinte, do presidente Lula, além de manter o referido programa, criou outros três aliados ao já existente. O primeiro deles foi criado pela Resolução nº 38, de 15/10/2003, e pela Portaria 2.922, de 17 de outubro de 2003, que instituíram o Programa Nacional do livro

Didático para o Ensino Médio (PNLEM), “com o objetivo de distribuir, de forma inédita e

gradativa, livros didáticos de todas as disciplinas para os alunos das escolas públicas de Ensino Médio do país” (CASSIANO, 2013, p.150).

A resolução nº 18, de 24 de abril de 2007, instituiu o Programa Nacional do Livro

Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). O programa tem como objetivo a

“distribuição de livros didáticos consumíveis aos estados, Distrito Federal, municípios, entidades da sociedade civil organizada e instituições de ensino superior que estabelecem parceria com o Ministério da Educação” (CASSIANO, 2013, p. 153). O Programa Nacional

do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA) foi criado a partir da

Resolução nº 51 de 16 de setembro de 2009. Esse programa “incorporou o PNLA e ampliou o alcance aos alunos dessa modalidade de ensino, que antes só eram beneficiados com livros de alfabetização” (CASSIANO, 2013, p. 153).

Em 2011, no governo da Presidente Dilma Vana Rousseff, o presidente interino do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) instituiu o Programa Nacional do Livro Didático do Campo (PNLD Campo) para as escolas do campo. Esboçados os procedimentos pelos quais o livro didático foi controlado e distribuído no país no século XX, e como vem passando pelo mesmo processo no século XXI, observa-se que, embora compusesse um projeto político ordenado e pensado com vistas às escolas, a distribuição e o controle dos livros didáticos também se transforma em uma política assistencialista e burocrática: esta, por fundamentar-se mais em sua distribuição; aquela, porque os livros didáticos, inicialmente, eram destinados às crianças desprovidas de boas condições econômicas. O mercado editorial vê, nesta lógica de produção e distribuição do livro didático como mercadoria, a oportunidade de um amplo negócio com o Estado Brasileiro que representa seu maior comprador. Em consequência disso, temos a ampliação do atendimento às escolas brasileiras pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), financiado e executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e que continua a negociar em grande escala com as editoras que compõem o mercado editorial de didáticos no país, ficando estas responsáveis pelo envio dos livros diretamente às escolas.

IV – A EDUCAÇÃO LITERÁRIA BRASILEIRA – seus modelos e suas

implicações